Aproveito o dia que está frio e faço um chimarrão antes de sentar-me ao computador para a crônica e ouço uma música que vem da rua. Uma espiada pela janela e vejo um gol transportando a melodia como se levasse esperança de que logo poderíamos ver um show do Dagata num barzinho qualquer da cidade.
E esperança é meio que uma ilusão de que as coisas vão ser do
jeito que queremos que seja. O casamento está acabando, tem gente que tem
esperança de o outro morra e assim haja uma saída ‘honrosa’ e sem necessidade
de um longo processo e as infinitas e doloridas reconciliações irreconciliáveis.
O problema é que nem um dos dois quer morrer.
A música que veio já iniciada foi-se sem apresentar um fim e
deixou na calçada um casal que discutia a relação mais ou menos como se discute
o tratamento da COVID-19. De um lado aprovando totalmente o tratamento para a
reconciliação definitiva e de outro defendendo o efetivo distanciamento social
para evitar o agravamento do quadro já crítico da situação, sem tirar as
máscaras, evidentemente.
Cá do primeiro andar do apartamento que aluguei para que meu filho
pudesse ir de bicicleta para a escola fico pensando enquanto a melodia faz
ondas nos pensamentos: Será que escola, algum dia, vai trocar o rigor das notas
avaliativas pela musicalidade das notas que fazem da vida uma agradável e
empolgante expectativa do público num show do Dagata naquele barzinho?
Deixo a bicicleta na sacada e vou ao computador pensando na
improvável volta das aulas, tomou mais um chimarrão e reflito sobre o amor que
algum dia fez música na vida do casal em isolamento afetivo. É uma música que
não tem início, com a do gol e quando vemos já vai virando a esquina e não a
escutamos mais. Melhor seria não ter provas avaliativas. Quem dera
frequentássemos mais o barzinho e as músicas não terminassem nunca.
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