Um cronista gosta de observar as outras pessoas e ver se do
comportamento delas sai qualquer motivo para uma fofoca publicável. Personagens
não faltam, graças à democracia que permite que todos possam fazer o que querem
e eu posso ver o que quiser para tirar um texto que valha a pena ser escrito.
Num dos passeios que dou de vez em quando pela praça central da
cidade, encontrei o André. Sujeito pacato, logo que me viu perguntou se eu era
o cara que escrevia crônicas. Sim, respondi. Então escreve uma para mim, ele
disse como se fosse simples assim escrever uma crônica ‘para ele’. Escreve, ele
disse que eu te pago cinquenta reais! Mas não assina, que eu quero dizer que
fui eu que escrevi. Bom, aí já ficou mais simples.
Liguei o gravador do celular e deixei o meu ‘cliente’ à vontade
para gravar as informações que gostaria de ver escrito na história, enquanto
isso parei o picoleseiro e pedi por um sorvete, duas moças se juntaram ao meu
pedido e compraram picolé e com o pagamento me deram de graça a informação que
precisava para a crônica do dia. Essa quarentena é uma bosta! Falou bosta sem
nenhuma cerimônia! Desde que proibiram os bailes e os bares de abrir eu não
namoro mais ninguém, e fez aquela cara de que bailes e bares seriam itens de
necessidades básicas para a sobrevivência. Talvez sejam... Eu vou morrer de
tédio se essa quarentena durar mais um mês!
Foi aí que entendi que bailes e bares eram tão vitais quanto o
uso de máscara e distanciamento social. Feito o pagamento dos picolés,
continuaram seu passeio a um pouco mais de dez centímetros de altura do chão,
dentro da saia com não muito mais que dez centímetros de comprimento e o
pensamento de sobreviver por no máximo mais trinta dias, a menos que os bailes
voltem. Não pude deixar de olhar o que andava entre os dez centímetros do chão e
os dez centímetros abaixo da cintura. Nada que fosse escandaloso, a saia era
curta o bastante para prender a atenção de qualquer cronista e comprida o
suficiente para encobrir qualquer interesse que o intervalo pudesse despertar.
De volta ao meu ‘cliente’, perguntei se estava tudo ali para eu
escrever sua crônica. Não, ele disse, tive outra ideia, vou abrir meu barzinho
e matar dois coelhos com uma cajadada só, fica mais barato e será mais
eficiente.
Tudo bem, deixei de ganhar meus cinquenta reais, mas perder uma
história, isso não!
Elairton Paulo Gehlen
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