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segunda-feira, 28 de junho de 2021

O OURO VERDE E AS ESTATÍSTICAS DO GEBORENHAUS

             José Carlos Geborenhaus é um sujeito pacato que vive em uma localidade pequena do Paraná, na fronteira com o Paraguai, onde trabalha como cartorário. Parece que tem uma praga nesta região, ele me disse quando conversávamos na feira livre em Marechal Cândido Rondon, quando lhe entreguei um panfleto do meu Poesia Verde. Os poetas entendem melhor as coisas, disse gesticulando ao ar como a querer pegar algo até então invisível, pelo menos aos meus olhos. Só então deu mesmo atenção ao panfleto: Verde! É isso, tem uma praga e ela é verde, os agricultores chamam de Ouro Verde.

Cartorário de longa data, há pelo menos trinta anos, Geborenhaus é um daqueles sujeitos que busca por respostas o tempo todo. À quais perguntas? Não importa! Seus pensamentos estão buscando informações que ‘talvez possam ser úteis’. Assim, passara a dedicar tempo e esforço em pesquisar nos arquivos cartoriais de sua pequena cidade sobre o porquê de haver cada vez menos registros de nascimentos e casamentos enquanto que o de propriedades aumentava ‘aproximadamente’ na mesma proporção. Mais propriedades para menos proprietários!

Uma conversa dessas pede mais tempo, então saímos do meio daquele tumulto de gente que rodeava as bancas da feira e fomos para o outro lado da rua onde tem um barzinho e ali ficamos vendo o movimento de longe, enquanto comíamos pastel e meu amigo tomava uma cerveja, não me arrisquei, na volta teria que passar pelo posto da polícia federal na rodovia entre Marechal Rondon e Quatro Pontes. Pedi um café com leite que bebi em goles pequenos, estava bem quente, ótimo para uma tarde fria de inverno.

Meu novo amigo mal tocou nos pasteis, bebeu cerveja e falou na mesma empolgação com que trabalhava no cartório buscando informações para suas perguntas. Não citava números específicos, não me interessa quanto, mas por quê! Franziu a testa, olhou para o movimento da feira do outro lado da rua, balançou a cabeça de um lado para o outro informando um ‘não’ dos seus pensamentos, tomou o pastel, do qual comeu a primeira de duas mordidas que daria, tomou mais um bom gole de cerveja, pôs o copo sobre a mesa e, com o dedo indicador diretamente ao meu rosto disse: Esses caras estão virando relíquias! É isso! Esse verde das verduras e legumes não é o ouro! Então calou-se, abaixou a mão que me indicava, mas continuou com o dedo indicando um lugar qualquer no chão, aleatoriamente conforme respirava. Ficou alguns segundos em silêncio olhando para o infinito atrás de mim, encheu o copo de cerveja que tomou de um gole só, encheu outra vez, ergueu o copo em minha direção com movimentos mais expansivos que fizeram a cerveja derramar abundantemente por sobre a mesa, tomou o que restou e pôs o copo outra vez na mesa, sobre a qual apoiou as duas mãos para se erguer. Em pé, olhou em volta e, com os braços abertos finalmente revelou seu surpreendente entendimento acerca dos números cartoriais:

- Commodities, isso, são as commodities!


terça-feira, 22 de junho de 2021

UMA BOHEMIA NO FRIO

- Quanto você ganha para fazer propaganda de cerveja? Foi assim que eu descobri um leitor assíduo das minhas publicações. Até essa pergunta chegar ao meu perfil nas redes sociais nunca tinha ouvido falar desse senhor que, lendo meus textos ficara intrigado sobre a quantidade de vezes, aliás nem tantas! que eu cito essa marca de cerveja. Certo é que não ganho nada, aliás nunca tive qualquer contato com o fabricante da bebida além de remeter, indiretamente, certo valor em lucro toda vez que compro uma lata ou garrafa no supermercado.

Não posso negar que bohemia é uma das cervejas que eu gosto de beber, mas quando me refiro à essa marca nos meus textos isso é uma metáfora para dizer que uma cerveja na beira da piscina com uma companhia agradável é muito melhor do que ficar num escritório sonhando com o aumento de salário. Agora mesmo, exatamente em meu escritório, à uma temperatura de 13º centígrados, me permito uma bohemia e com certeza o significado da palavra que em bom português é quase um delírio num sistema social que discrimina quem busca liberdade, me traz exatamente esse desejo de ‘deixar prá lá’ os conceitos sociais para viver a liberdade que, no fim das contas, é próprio da natureza. Respeitar a natureza é essencialmente desrespeitar as razões do ser humano.

E eu, decididamente não tenho razão. Quando tentei ser racional fiz tantas bobagens que, melhor seria ter bebido uma bohemia e relaxado um pouco e deixado a vida me levar com mais leveza e cordialidade. São as regras! Justamente elas, que tornam a vida muito dura e, ainda que feitas para organizar a sociedade, acabam tirando a essência da vida. Desde a mais tenra idade me debati entre o rigor das regras e o desejo infinito de romper com elas.

Disse lá em cima, que era um senhor que havia me questionado sobre a publicidade da cerveja. Descobri-o depois de uma breve troca de mensagens. Me disse ele que não deveria eu fazer propaganda de bebida alcoólica. E ele está certo, se bem que muitas vezes nos valemos de alguma droga para fugir da realidade em que nos metemos enquanto seres sociais. Eu não tenho costume de beber bebida destilada, também não fumo e nem uso outras drogas viciantes. Um vinho, talvez, sim Seco ou Demi seco. Quase convenci meu leitor a experimentar uma cervejinha, Bohemia, claro, mesmo ele tendo se confessado membro de um dessas denominações assumidamente abstêmica. Que é que eu posso fazer, ele disse, talvez eu deva reler aquela postagem sobre o ‘não tempo’. Lá, continuou, você disse que: “não havendo o tempo, tudo que se faz não tem consequências. Vou consultar e meu pastor, talvez ele concorde, quem sabe até toma uma?

sexta-feira, 18 de junho de 2021

 

A MÚSICA QUE EU MAIS GOSTO

- Vou aumentar o volume, eu disse, esta é uma das músicas que eu mais gosto!

Minha mãe pôs a mão no ouvido, em forma de concha, para ouvir melhor. Aumentei o volume no máximo e a Rádio Ambiente Suprema me proporcionou um dos momentos mais emocionantes da minha vida! Aos poucos, a mão que ainda tem um braço com mobilidade suficiente para alcançar a cabeça com relativa facilidade, foi deixando o ouvido e indo para a mesa onde acompanhava a música com batidas suaves ao ritmo de ‘O Milionário’, os Incríveis. Seus olhos que, há mais de 31.700 dias apreciam este mundo, me olhavam e voltavam para a mesa como a ver a música e me dizer, não sei muito bem o que ela quer dizer, mas sei perfeitamente o que tu queres!

Uma música. Tem uma música que, se ouço, logo me volto para a janela do quarto da casa de meus pais onde na adolescência me debruçava olhando perdidamente as luzes da vila onde talvez estivesse a garota daqueles meus sonhos de juventude. Tem música que me lembra que ainda posso amar como amava quando ia aos bailes e encontrava a bem-amada e dançava com ela a última música só para poder ficar mais um tempo e ir com ela até o carro onde seus pais a esperavam ansiosos e confiantes e desconfiados ao mesmo tempo. Uma música me lembra que posso ter sentimentos, não importa a idade, ainda posso amar mais e até melhor do que na juventude quando a ouvia animado pelos hormônios da testosterona. Uma música hoje me mostrou que posso amar mais do que jamais amei na vida: O milionário, uma mão em forma de concha ao ouvido e depois batendo na mesa e um olhar me dizendo que sabe mais do que aquela música possa expressar.

Quando era adolescente aprendi a tocar Noite feliz no órgão do colégio interno onde estudava. Depois disso não aprendi a tocar mais nada, mas ouvi muitas músicas daquelas que se pode dizer que marcaram minha vida, tanto na juventude quanto na idade adulta quando ouvia Beatles, Pink Floyd, Queen, Credence, Bonnie Tyler, Suzi Quatro, Martinho da Vila, Chico Buarque, tantos outros e, claro Os Incríveis e sua belíssima música O Milionário. Saí da casa de maus pais aos treze anos de idade para nunca mais voltar para morar com eles. Quarenta e nove anos depois descarrego minha mudança na casa da minha mãe para cuida-la. Hoje, quando estávamos à mesa, liguei o rádio Ambiente Suprema, o som do seu melhor ambiente, quando tocou O Milionário, minha mãe foi tão generosa comigo permitindo que eu percebesse o quanto eu a amo.

De certa forma, o Milionário sou eu!


quarta-feira, 16 de junho de 2021

CRÔNICAS NOS TEMPOS DA PANDEMIA

Desculpe aí o trocadilho com o livro do Gabo, Gabriel Garcia Marques, mas crônicas são também um tipo de amor que sofre nestes tempos bicudos onde as pessoas só se encontram às escondidas e, se assim não for, não se veem, pois as máscaras escondem a beleza que sobra no rosto, já que o que se quer ver de verdade só anda livremente nas praias de Santa Helena que, nestes tempos de Covid são um risco maior do que as aventureiras descobertas da nudez, por si só já tão perigosas.

- Você bem que podia escrever uma crônica para mim, disse a garota, uns vinte anos, puxando a máscara para mostrar o belo rosto e deu uma piscada de olho, daquelas que faz qualquer um dar o que tem de melhor por um desejo imaginário que salta do cérebro sem nenhum pudor.

- Uma crônica? Perguntei por perguntar, talvez para ganhar algum tempo, respirar. Eu mal conheço você! Se me deres um bom motivo... Que poderia eu escrever para ti?

- Uma declaração de amor, você sabe como fazer, uma declaração de amor, repetiu. Eu preciso, é muito importante. Você é escritor e...

Uma declaração de amor. A garota quer uma declaração de amor. Um pedido desses deixa qualquer um confuso. Ela quer que eu faça a ela uma declaração de amor, ou ela que apenas ter uma declaração de amor. Anotei seu telefone e prometi que lhe enviaria pelo WhatsApp. À noite, depois de um vinho e um filme romântico da Netflix achei que podia finalmente escrever-lhe um texto que a fizesse se sentir amada, ainda que por uma pura fantasia.

Já não ando escrevendo há algum tempo, então recorri a Vinicius e achei a melhor declaração de amor no Soneto de fidelidade: De tudo ao meu amor serei atento... Não poderia reproduzir um Soneto do Vinicius, isso aliás nem seria uma crônica, mas foi bastante inspirador. Daí escrevi as primeiras linhas. Confesso que me entreguei de tal forma à beleza daquela garota que fiz-lhe minha melhor declaração, exaltando sua formosura tal qual jamais vista nem mesmo nos mais badalados concursos de beleza, a perfeição do rosto, obra perfeita do Criador, os cabelos pretos encobrindo os ombros em ondas tão belas quanto as mais lindas ondas do mar na praia de Copacabana, perdi-me diante dos seus olhos verdes e morri de amor em seus lábios para então aventurar-me em suas curvas suaves até o infinito do prazer...

- Você está louco? Eu só queria fazer uma declaração de amor para meu namorado! Se ele ver isso ele te mata!

sexta-feira, 11 de junho de 2021

PRIMEIRO VOU VER O WHATTSAPP

- A gente podia fazer uma viagem para comemorar o aniversário de casamento, disse a esposa esperançosa por mais umas férias no Nordeste. E o mar de Sergipe não deixa nada a desejar a qualquer praia, menos as da Bahia, de Rio Grande do Norte, Ceará... enfim, que importam os outros lugares quando se escolheu ir para João Pessoa? E lá tem o Mangai! É caro, e daí? o que vale é sentar-se a qualquer hora e fazer a refeição que tiver vontade de fazer. Assim, se pode tomar café reforçado na pousada às nove da manhã e almoçar no Mangai às quatro da tarde gastando o valor do almoço e da janta, mas não precisa jantar já que o almoço foi ‘isso’ da hora da janta, depois um passeio na orla e daí os preparativos para as comemorações do aniversário de casamento, na pousada, claro, com direito a Champagne e guloseimas! Sim. Guloseimas, até as... deixa prá lá...

Os planos da viagem estavam detalhados, e ainda faltavam quase dois meses para o embarque. Tudo acertado, a pousada reservada e as passagens compradas, só faltava cancelar os próximos cinquenta e quatro dias. Não houve outro recurso senão vive-los todos, ainda que essa tarefa, de viver os dias da espera, fosse por deveras árdua e cheia de ansiedade. Quem sabe o que pode acontecer para estragar tudo?

Dia sim, outro também, Jaqueline, a esposa, via e revia cada detalhe da viagem. A localização da pousada, as praias mais próximas, possíveis passeios turísticos, restaurantes: Mangai! Uma amiga tinha passado férias em João Pessoa e recomendara pelo menos uma refeição lá. Uma delícia! Tem tantos pratos que é impossível servir de todos eles numa única refeição! Tem até buchada de bode! Você não pode perder isso!

Aurélio, o marido, estava animado com os planos da esposa e resolvera fazer seus próprios planos. Em segredo pensava e repensava cada detalhe das surpresas que faria para encantar e surpreender Jaqueline. Ela seria tratada como rainha! Encomendaria flores que seriam entregues pela equipe da pousada no primeiro dia após o jantar. No dia seguinte uma garrafa de vinho e alguns quitutes para o acompanhamento. Champanhe, claro para o dia de sábado. Bombons e outras guloseimas sempre presente e carinho, muito carinho, beijos, abraços e, e...

E, o dia chegou. Nem tudo foi perfeito. Uma discussão que poderia ter sido só uma bobagem qualquer se transformara num bate-boca daqueles que dão a certeza absoluta da separação iminente. Não se separa antes de uma viagem para João Pessoa! Nas próximas duas semanas não se falou mais nisso. Embarcaram para a viagem balançando entre a empolgação e os remorsos da fatídica discussão.  Logo que o avião pousou no destino a empolgação parece ter vencido a disputa e os olhos se perdiam para longe do táxi que os levava do aeroporto até a pousada. O mar! Praia! A pousada era lindíssima e o quarto muito limpo e espaçoso, pronto para a reprise da Lua de Mel.

E Lua de Mel tem que ter muito carinho, amor e sexo, lógico! Jaqueline e Aurélio fizeram quase tudo. Quase! Um dia de praia, o passeio vespertino na Orla, umas comprinhas para levar de lembrança, a janta no restaurante e a volta para o quarto da pousada. Nem deu tempo de encomendar as flores, nem fizeram falta tão ocupados estiveram durante o dia e depois do jantar, quando voltaram para o quarto era como se fosse mesmo a primeira noite de amor! Resolveram fazer um joguinho para passar um tempo. Enquanto jogavam iam diminuindo as roupas, o calor era intenso! O jogo acabou com Aurélio em pelo e Jaqueline fazendo cena para se livrar da lingerie que ainda lhe restava. A cama estava bem ali, e é para lá que se foram eufóricos. Quase não daria para continuar o relato, não fosse um pequeno detalhe: O telefone.

- Espera só um pouquinho que eu vou dar uma olhadinha no WhatsApp, pode?

ESQUERDOPATA!

  Ontem eu estava fazendo minha caminhada vespertina pela praça do Parque Alvorada e ouvi uns amigos que caminhavam e conversavam animadamen...