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quinta-feira, 30 de junho de 2022

OS DONOS DO MUNDO

             A noite passada eu tive um pesadelo e quase acreditei que poderia ser verdade, acordei e não pude mais dormir, o dia já era de manhã e clareava pela janela, então levantei e, depois do café fui andar pela rua e parecia que toda Dourados tinha tido um pesadelo. Qualquer douradense que tenha saído à rua às sete horas dessa manhã, ao encontrar um conhecido e, depois de lhe perguntar se está tudo bem e ter a resposta mais mentirosa que se diz todos os dias durante o dia todo: “tudo bem, e tu? ”e, em seguida, sabendo que nem ele e nem o conhecido estão mesmo bem, porque em julho geralmente não se está bem por aqui, tocar de leve no ombro dele e confessar sinceramente que teve um pesadelo, provavelmente o conhecido haverá de ser tomado de sinceridade e admitir que o pesadelo de verdade é o que se vive a cada dia quando se anda de carro por todas essas ruas esburacadas e, observando um buraco qualquer da rua, logo depois de parar o carro para ver se não entortou o aro da roda, olha para o buraco e vê que o asfalto que deveria durar pelo menos uns dez anos e foi feito a menos de quatro, esse mesmo asfalto não passa de uma casca de ovo com o formato da superfície da lua, fica com vontade de sair esbravejando que isso é um pesadelo!

Pesadelos têm uma duração curta, cerca de quinze a vinte minutos, então não se pode dizer que os buracos das ruas sejam um pesadelo, eles estão ali há anos! a menos que comparemos o tempo do trajeto que fazemos de carro até chegarmos ao centro da cidade onde iremos ansiosamente parar próximo de uma bomba de gasolina e perguntar ao frentista quanto custa o litro do combustível e ele nos dirá sorrindo que teve mais um aumento e agora já está passando dos sete reais e daí pedimos a ele que demore, por favor, pelo menos um pouco mais do que vinte minutos para abastecer, mas ele dirá que não pode esperar tanto, o tempo máximo é de quinze minutos, pois vem outros motoristas e geralmente estão impacientes, querem abastecer rápido, porque perderam muito tempo com as ruas esburacadas e agora estão bem atrasados para seus compromissos, como se o ano já estivesse no fim, e ainda estamos em julho, então respiramos fundo e vamos até o caixa do posto de gasolina e passamos o cartão com a certeza de que no próximo vencimento haveremos de ficar olhando para a fatura por trinta minutos, um pouco mais de tempo que o determinado para o pesadelo.

Com a fatura do cartão de crédito na mão observamos, sem nenhum deseja de observar, os valores relacionados e automaticamente abrimos a gaveta da escrivaninha, a primeira gaveta, onde está a calculadora, e com ela vamos somando o quanto se gastou com o supermercado: um absurdo! Olhei pela janela e meu vizinho esbravejava com uma folha de papel na mão: “Um absurdo...” Então tive uma ideia: Se todos douradenses programassem o vencimento da fatura do cartão para o mesmo dia do mês, a cidade sofreria um tremor e os muros do poder público cairiam como os de Jericó!

Meu filho voltou da faculdade as dez e meia da noite e eu perguntei a ele se acreditava mesmo que os muros da cidade fortalecida de Jericó haviam sido derrubados por causa dos gritos do povo, ele disse que sim, se estava escrito na Bíblia era verdade, fui dormir convencido de que se o povo gritasse de verdade cairiam os muros do Palácio do Planalto e poderíamos ocupar aquele lugar e fazer um país melhor, vamos gritar bem forte, gritou meu filho do seu quarto enquanto eu vestia meu pijamas, Agora?, perguntei, não, em dois de outubro!, e foi dormir, essa noite não tive pesadelos.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

ADVOGADOS

             O escritório de advocacia Braga Rodrigues & Arboreda Advogados Associados fora inaugurado há mais de trinta dias e nenhum vivente aparecera para pedir ajuda por uma causa que seja.

- Tenhamos paciência, disse o Doutor Ângelo Fernandes Braga Rodrigues do Amaral, primeiro precisamos divulgar nosso trabalho, daí os clientes vão aparecer igual mosca em prato de doce!

- E como divulgaremos nosso trabalho, se não temos uma causa? Perguntou Doutor Mariano de Melo Arboreda, olhando para seu cartão de visitas que prendia entre os dedos polegar e indicador, onde se podia ler: Escritório Braga Rodrigues & Arboreda Advogados Associados.

Doutor Ângelo levantou-se, foi até a geladeira, tomou a jarra e serviu-se de um copo de água, olhou-o com cuidado para ver se não cometera nenhuma ilegalidade e tomou da água como se bebesse de algum livro de sabedoria em busca de uma resposta capaz de esclarecer a dúvida posta na mesa pelo colega associado. Deixou o copo vazio na pia da cozinha e tomou um café com açúcar cristal, nem a água, nem o café! Voltou ao colega e lhe deu a resposta mais inteligente que se pode ter quando não se tem uma resposta: fez-lhe uma pergunta!

- O que fazem os jovens quando procuram o primeiro emprego?

- Um Currículo, respondeu prontamente Arboreda.

- E depois?

- Aceitam qualquer coisa que se lhes apresenta.

Qualquer coisa é muito pouco para um advogado que deve usar gravata e ser chamado de doutor, além do mais, Braga Rodrigues era nome a ser levado em consideração, tudo bem que Arboreda não tivesse o mesmo histórico, mas, qualquer coisa?

- Tem um parente que precisa de advogado..., disse Arboreda timidamente.

“Parente” é como se referem os indígenas entre si, mesmo não tendo laços de consanguinidade. Arboreda era primo irmão de Alselmo que se casara com a Índia Niara, e esta sempre trazia notícias da Aldeia e sabendo que Arboreda formara-se doutor advogado, fizera o marido levar ao primo a notícia do Parente que estava preso há mais de ano por ter matado um jagunço.

- Não estou muito afeito a causas indígenas, reclamou o Doutor Ângelo.

- Eu também não, respondeu o Doutor Arboreda, não estou afeito a nenhuma causa porque não temos nenhuma causa...

Ia o Doutor Arboreda ainda argumentar, citando literatura sobre casos estudados de escritórios de advocacia que ficaram por mais de um ano sem atender um cliente se quer e, ainda assim, em menos de dez anos de trabalho já teriam alcançado alguma relevância no meio jurídico, inclusive o caso de um advogado que teria montado escritório sem nenhum outro causídico em sociedade e depois de cinco anos sem atender nenhuma causa, fora aprovado em concurso público e se tornara Juiz de direito do Fórum em sua cidade no estado do Paraná, mas, quando disse: Literatura, Doutor Ângelo deu-lhe as costas e foi-se ao Bar do Ponto no andar térreo e pediu uma cerveja. Uma hora depois Doutor Arboreda também desceu as escadas e juntou-se ao sócio para encaminhar o caso do esvaziamento da terceira garrafa, ali chegaram a um acordo: fechariam o escritório por duas semanas para um recesso e depois discutiriam sobre como alcançar algum desgraçado que pudesse ser o primeiro cliente, ainda que tivessem que oferecer um brinde aos primeiros interessados nos serviços de assistência jurídica do Escritório Braga Rodrigues & Arboreda Advogados Associados.

- Quer mais desgraçado do que um Índio preso sem provas concretas, sem advogado, sem dinheiro e sem uma alma benevolente que lhe preste qualquer auxílio no conhecimento das leis que possam auxiliar para que se defenda? Pois, se é um desgraçado que precisamos, aí temos um...

 - Caveats; Capiats, respondeu o Doutor Ângelo e foi embora deixando a conta para o sócio.

Arboreda ficou com raiva, pagou a conta e foi tomar mais uma cerveja na lanchonete do Aloisio, onde comeu um X-Salada e conversou com o dono do bar, depois foi para casa. Três dias depois estava confortavelmente sentado em um banco de tábuas, numa casa de pau-a-pique, no meio da reserva indígena Caiuá, diante do primo irmão e da sua mulher.

- Meu sócio fechou o escritório por duas semanas, então esse é o tempo que eu tenho para ajudar...

Duas semanas depois, Arboreda, municiado da devida procuração e de provas bastante contundentes e uma lista de testemunhas presenciais, além de documentos com relatos de outras importantes testemunhas abonatórias, deu entrada no Cartório da Primeira Vara da Justiça Federal, apresentando a defesa do Réu Jucimar Ojeda. Voltou ao escritório vestido de terno e gravata, chinelos de dedo nos pés e um Cocar na cabeça.

- Temos uma causa, disse eufórico, e estamos vencendo, nosso cliente deixou a prisão e está respondendo ao processo em liberdade!

quinta-feira, 23 de junho de 2022

O QUE ESREVER QUANDO NÃO SE TEM NADA PARA ESCREVER

             Fiquei alguns dias sem o meu computador e, portanto, sem ter como escrever, desse jeito moderno, nas páginas do word, e isso justamente quando deu aquela nostalgia dos tempos em que as cartas eram escritas em folhas de blocos de cartas, isso mesmo, blocos específicos para se escrever cartas, manuais, lógico, com caneta bic e muitas emoções derramadas nas mal traçadas linhas que viajavam num envelope pelos correios, por vários dias até, finalmente, chegar ao destinatário que, depois de ler, respirar um belo sorriso e enxugar uma ou outra lágrima, logo se dispunha a escrever: “Aqui também estamos todos bem...”, para em seguida falar de tudo que estava mal.

Bem, eu não acho que escrever possa aliviar a ansiedade das pessoas pelo constante do aumento dos preços dos combustíveis. Enquanto meu computador estava na oficina, eu fiquei ouvindo um cidadão que não tem computador e depois de ele saber que eu escrevia, logo quis saber se tudo que publiquei poderia ser útil para acender um fogão à lenha e eu disse que sim, quer dizer, foram três livros e se alguém fizer esse bom proveito então está bem, serviu para alguma coisa. Isso às vezes me deixa de coração partido, mas não importa, afinal se o fogão fizer, enfim, uma boa comida, então meu livro terá uma boa utilidade. Nada melhor que uma boa comida, é para isso que trabalhamos!!

Quando escrevemos nos envolvemos com deuses estranhos que nos fazem sonhar com um mundo melhor e começamos a pensar que escrevendo seremos capazes de fazer esse mundo utópico se tornar uma realidade maravilhosa e, se as pessoas fossem uma poesia então os romances sempre seriam a vida das pessoas e, ainda que você estivesse em uma cadeira de rodas eu seria capaz de te amar mais do que se a Julia Roberts me mandasse uma carta pelo correio. Poetas são assim, ficam pensando que o milagre do amor pode ser maior do que a publicidade das revistas. Entre o Chacal e Walt Whitman, adivinha quem eu colocaria na página do jornal...

As escritas não precisam de uma lógica muito lógica, a não ser aquelas chatices daquelas teses de pós-graduação que os graduandos se descabelam para organizar, cuidam da ortografia como se cuidasses de bebês recém nascidos e aplicam as regras das normas da ABNT como se fossem receitas médicas, tudo isso para enfim deixar arquivado no fundo da biblioteca universitária e, quem sabe algum futuro graduando algum dia se digne a pegar para ver como se faz uma tese de graduação. Escritas, estas a que me refiro, são livres, cheias de licenças poéticas, muitíssimo mais úteis que teses de pós-graduação, servem para melhorar o humor de quem lê e produzir prazer a quem escreve. É isso que se escreve quando não se tem nada para escrever!!

domingo, 12 de junho de 2022

CARTAS

          


           Escrevo estas mal traçadas linhas para dizer que estou bem e o mesmo espero de você. Era mais ou menos assim que começavam as cartas escritas e enviadas pelo correio antes que a internet destruísse essa fábrica de escritores que se comunicavam mundo afora nos tempos em que os livros eram de papel e as revistas chegavam nas casas em envelopes para serem lidas pela família toda.

Pois bem, eu resolvi voltar a esse tempo e escrever cartas! Isso mesmo, cartas que serão destinadas aos mais diferentes destinatários e a primeira é esta, para você. Então, vamos lá:

Meu querido leitor, te escrevo estas mal traçadas linhas para dizer que estou bem e o mesmo espero de você. Hoje está fazendo frio aqui em Dourados e eu estou em casa. O frio encheu as ruas de buracos e as praças estão cheias de mato, as pessoas reclamam muito, mas parece que o frio vai continuar, hoje mesmo vi na televisão que o inverno ainda vai começar mesmo no próximo dia vinte e um e ninguém sabe ao certo quando vai terminar, se é que vai.

Mas, e você como está? Espero que esta te encontre bem de saúde. Quanto a nós, sinto muito que esta missiva seja escrita neste dia frio, quisera ter escrito antes, mas os tempos pareciam ruins e me distrai e fui deixando para depois e, agora me dou conta que o tempo que passou me parece melhor, ainda que antes eu esperasse para te escrever depois que as “coisas” melhorassem. Tu sabes bem o que eu quero dizer com “coisas”, ne? Não estamos bem de saúde, os hospitais públicos continuam atendendo mal e os privados só atendem o dinheiro, às vezes fico confuso sobre quem é o gerente do banco. Eu odeio a internet, mas devo confessar que foi nela que encontrei remédio para a dor que estava sentindo no estômago, agora já estou melhor.

Agora as notícias boas: O Pedro está na faculdade! Está fazendo Administração de Empresas! Estou muito orgulhoso. Lembra quando fui professor de Matemática e Estatística no curso de Administração na Universidade Federal? Então, eu acreditava que essa nova turma ia cuidar da “coisa” de um jeito melhor que os que estavam cuidando antes. Mas, eu sou otimista, ainda acredito que os jovens, como o Pedro, que estão estudando Administração, vão cuidar das “coisas” de um jeito melhor e, quem sabe as escolas terão professores mais valorizados e respeitados, eu penso nos meus netos, já tenho cinco, eles merecem um lugar melhor do que isso que estamos vendo por aqui.

E, para finalizar, que você já deve estar cansado dessas tortas linhas, só vou ainda dizer que eu consegui me aposentar e agora vou escrever cartas para todos que quiserem receber uma, eu acho que todo mundo tem o direito de receber uma cartinha, então é isso que vou fazer na vida, escrever cartas. Quem quiser receber uma carta é só dizer e eu mando uma.

Com saudades,

 

Elairton, escritor.

sábado, 11 de junho de 2022

SE UMA CERVEJA NÃO É SUFICIENTE...

 


De que me vale uma sexta-feira

se a sesta, da feira

não enche com o poder aquisitivo

                                              neoliberal?

 

Não basta uma cerveja

para uma sexta-feira

                              solitária

onde a liberdade não é livre!

 

De que me vale a liberdade

se o liberalismo

rouba minha sesta solidária?

 

De que vale a solidariedade

se a sesta está vazia

e o liberalismo

 

está

 

                      cheio?

sábado, 4 de junho de 2022

NEGRINHA

           


             Andei metido numa enrascada bem particular por estes dias quando chamei de “Negrinha” a uma pessoa querida. O enrosco se deu porque ela considerou essa expressão racista e revidou dizendo que eu não era mesmo comunista, que comunistas não se comportam dessa maneira, e tal, e coisa... Talvez eu deva rever meu comportamento, ou pelo menos o vocabulário, pois não é a primeira vez que alguém, por não gostar de alguma fala minha, questiona meu ‘comunismo”!

Ser negra deveria ser motivo de orgulho, como o é ser comunista, pois ela, a Negrinha, é mesmo uma pessoa muito bonita e, com certeza, sua beleza, e ela sabe disso muito bem, tem origem exatamente em sua negritude. Mas a história dos negros em nosso país é tão cruel, que o simples fato de se usar a expressão: negro, remete a anos de exclusão em um sistema branquelo injusto, onde ‘negro’ era quase sinônimo de cidadão de segunda classe ou ainda pior. A expressão ‘Comunista’, parece um pouco com isso; a mesma elite que tachou negros de cidadãos de segunda classe, é a mesma que quer os comunistas execrados.

Ano passado comprei, na Amazon, o livro: Contos Completos de Lima Barreto e o li com grande satisfação. Esse cidadão, negro, nascido no dia 13 de maio de 1.881, na mesma data em que seria assinada a Lei Áurea sete anos depois, tornou-se um dos mais importantes intelectuais brasileiros do século passado, mas só teve reconhecimento na metade do século, pelo menos trinta anos após a morte. Em setecentas páginas de contos, deu bem para sentir vergonha de ser branco num país racista como o nosso, que fez de conta que libertava os escravos para, na verdade, atender interesses do capitalismo que precisava exportar o excesso de mão-de-obra europeia gerado pelo desenvolvimento industrial e colocar trabalhadores brancos, europeus, assalariados no lugar dos negros, para fomentar o mercado consumidor dos produtos da nova indústria. Nem mesmo na Academia Lima Barreto teve uma vaga, por lá tinha muita ‘Farda, Fardão, Camisola de Dormir’.

‘Minha’ negrinha está em paz, eu acho. Não mais me dirigi a ela com essa expressão. Ela continua negra e continua bonita e autêntica como deve ser qualquer ser humano, negro, branco, seja lá qual for a cor da pele. Há os que lutam pelas Cotas Sociais, como há os que defendem uma coisa meio esquisita que eles chamam de Meritocracia. Esquecem-se estes que Meritocracia significa exatamente: Ser digno, ser merecedor por ter se esforçado. Convenhamos, é indigno quem disputa uma vaga pública depois de ter frequentado escolas particulares que foram pagas com o resultado do trabalho daqueles que foram impedidos de nelas entrar exatamente porque o dinheiro necessário foi apropriado por estes.

A Negrinha é formada em Letras, ano passado formou-se Doutora. Você sabe o que significa isso? Não, se você é um branquelo como eu, você não sabe! Mas, se algum dia você já passou fome porque não tinha dinheiro nem para o café da manhã, então talvez você possa ter alguma ideia. E os comunistas, o que tem a ver com isso? Os Cristãos podem ler o Livro de Atos dos Apóstolos, os Economistas podem ler Marx, os Filósofos vão se divertir com A República de Platão e os branquelos europeus, os que ainda conseguem ler um livro inteiro, eu recomendo Utopia de Thomas More. Quanto aos que inconvenientemente se acham da Elite, deixemo-los gritar: meritocracia, sem que saibam o que isso significa.

ESQUERDOPATA!

  Ontem eu estava fazendo minha caminhada vespertina pela praça do Parque Alvorada e ouvi uns amigos que caminhavam e conversavam animadamen...