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sábado, 19 de agosto de 2023

A CAMINHO DO CÉU

 





PARTE I


Minha doença estava fazendo aniversário quando tive a real compreensão da situação que eu estava vivendo, melhor dizer: morrendo. Um ano, que aí na Terra se contam os dias, meses e anos. Cá onde estou o tempo é dispensável. No infinito as doenças não podem fazer aniversário porque elas não existem e nem mesmo o tempo. Tá ficando com inveja, simples: morra!

Eu morri, e foi num dia esplêndido! Mas não foi no aniversário da doença, que eu não ia dar essa moral pra ela. Quando deixei esse mundo, o Sol brilhava no horizonte e entrava pela janela do meu quarto no hospital e projetava na parede a sombra de uma árvore, desenhando uma paisagem em preto e branco. Na mesinha, um vaso de flores dava o colorido ao ambiente e os meus filhos e netos e a Cléo não sabiam se ficavam tristes ou se se alegravam, afinal, eu estava prestes a deixá-los e me preparando para ir ao o Paraíso! Não tenho do que reclamar, morri cercado de amor e afeto, isso é quase um privilégio nesse mundo onde o tempo produz ansiedade e intolerância.

Não foi surpresa para ninguém eu ter morrido, todos já sabiam, eles só não estavam de acordo que fosse “neste” dia. O dia fatídico pareceu surpreender a todos com algo que já era de seu pleno conhecimento. A morte é assim, todo mundo espera por ela a vida inteira, mas quando ela chega, mesmo com ampla publicidade, parece surpreender até os mais convictos crentes. A vida eterna, que só pode vir com a morte, é um desejo pelo qual ansiamos a vida toda, mas quando ela se anuncia, a repudiamos como se fosse a própria morte!



PARTE II

Não posso dar muitos detalhes deste lugar onde estou para toda a eternidade, mas posso dizer que ando assistindo alguns filmes que foram feitos de mim. É curioso saber que estamos sendo filmados o tempo todo! Hoje fiquei um tempão vendo o dia em que me despedi dos meus netos no Paraná, foi um dos dias mais emocionantes que vivi! Nesse dia vi olhinhos brilhando, corações apertados e sorrisos sinceros, vi também lágrimas puras descendo escondidas pela face da minha doce garotinha de quarenta anos.

– Vim me despedir, eu disse com a maior naturalidade do mundo, porque foi isso mesmo que fui fazer. Então sorri para eles.

- Por que Vô, você mal chegou, já vai embora? – Esse foi o Rafa.

- Vou, eu disse, e talvez esta seja a última vez que nos vemos.

Então falei para eles um pouco da doença que estava deteriorando minhas carnes. O Lelê disse que não aceitava isso porque era injusto. Eu concordei por realmente não ser justo eu ir para o Paraíso e eles ficarem nesse lugar imundo, quer dizer nesse Mundo! Se me permite uma semântica mais prosaica, eu diria que se o Mundo anda meio Imundo então talvez seja a hora do Imundo refletir sobre suas próprias sujeiras e voltar a ser Mundo. Tá, isso é difícil!

A Kari brincava com uma boneca de pano fazendo ela dançar uma música religiosa muito bem ensaiada. Quando a música acabou, ela sentou a boneca no colo e me perguntou se eu estava muito triste. Eu disse que não e chamei os três para mais perto.

- Vamos fazer um acordo, eu disse e todos concordaram que um acordo seria possível de ser acordado. Então puxei uma folha de dentro da pasta que estava comigo e comecei a ler todas as restrições alimentares que o médico me indicou, quando acabei, o Lelê falou que acabara de entender porque eu não comera carne na janta.

- Vô, disse a Kari, não pode comer carne de gado, nem de porco nem frango com pele, nem peixe de couro, camarão, frutos do mar, nem bolo, nem pudim, nem nada de sobremesa, nem tomar cerveja, nem refrigerante, ...

Enquanto a Kari ia falando eu ia pensando, pela primeira vez, que tudo que eu não podia comer ou beber eram as coisas que me pareciam as mais prazerosas na alimentação e o que eu ‘podia’ comer eram as coisas naturais, tipo sementes, verduras, frutas, legumes, sucos naturais, essas coisas sem graça!

- Desse jeito o vô vai morrer de fome! Disse Lelê e o carro que ele estava dirigindo sobre o sofá despencou num despenhadeiro da altura de pelo menos dez vezes a sua, e depois de capotar duas vezes ficou em pé sobre as rodas sem um amassado sequer. Olha vô, ficou em pé!

 - Se eu estivesse aí dentro, sobreviveria!

A doença é um carro desgovernado...


terça-feira, 1 de agosto de 2023

O LADO ESCURO DA LUA

 



Eu sou um Poeta, eu vejo a poesia em quase todas as coisas. Às vezes a poesia entra em mim de tal forma que não posso suportar de tanta beleza que tem. Às vezes sai de mim e fica tão distante que não posso alcançar. A poesia é o fio que liga o corpo à alma, ando por esse fio como ando na slackeline. Se consigo me equilibrar, então sigo a vida, se não, caio e a realidade me machuca de tal forma que já nem sei mais se ainda conseguirei me levantar, daí vejo, a poucos centímetros do horizonte, uma luz colorida do Sol se pondo. Um raio de luz atravessa o universo e eu posso andar sobre a linha do horizonte, em equilíbrio, até que a noite venha trazendo a lua e ela olha para mim, estende sua mão brilhante e eu me agarro ao infinito e vou ao encontro dos sonhos mais bonitos, tão distantes e tão próximos que nem faço distinção da distância. O próximo e o distante se encontram nos versos e vejo você, há mil quilômetros de distância juntinha de mim.

O tempo tem sua própria rima, enquanto espero pelo próximo verso sou a média dos dois infinitos, o que passou e o que ainda está por vir. Tempo rima com sentimento e eu sinto que posso cantar a melodia do universo que se move enquanto o tempo passa sem dar nenhuma importância. Eu me importo com o tempo e não há mais poesia! Deixo de me importar e ouço uma canção, entre versos e prosa, que me diz que esse é o momento em que o tempo se faz unicamente para ser apreciado e valorizado. O tempo está acima de mim, um cabo que liga dois infinitos e uma tirolesa se oferece para mais um verso no ar. Já não preciso de terra firme e a tirolesa me leva até às nuvens, o sol, o vento e a umidade são minhas palavras, tem um mundo noturno lá embaixo, sim, muito, muito lá embaixo. Uns pontilhados de milhares de luzes acesas contam o tempo que passa em casas rigorosamente trancadas com medo do tempo. Não tenho tempo de pensar em nada, eu sou o tempo que tenho e é este o meu momento.

Para muito além das nuvens, por onde meus pensamentos andam vagando pelo tempo, tem uma Lua. Linda, novinha em folha! Lua nova no céu e tudo se faz novo porque cada instante é o novo do tempo e eu me encanto tanto com a Lua que nem tenho tempo de pensar se ainda sou de um tempo em que se amava ou se já sou do tempo em que o amor é que nos ama. Nada mais sei do tempo, só vejo a Lua e nela está você, tão distante, tão próxima e tão bela. Logo estarei contigo, fora do tempo, dentro do amor, escondido no lado escuro da Lua!

ESQUERDOPATA!

  Ontem eu estava fazendo minha caminhada vespertina pela praça do Parque Alvorada e ouvi uns amigos que caminhavam e conversavam animadamen...