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domingo, 26 de setembro de 2021

AS MALAS PARA VIAGEM

Estou pensando em tirar umas férias e já comprei as passagens e até fiz a reserva do hotel. Disse isso a um amigo e ele me perguntou, com uma certa cara de espanto, se eu estava trabalhando, disse que não, não formalmente, mesmo assim quero tirar férias. Férias de quê? Perguntou. Ora, férias é exatamente quando não se precisa ter um “que”, “de quê”, “por quê”, ou seja lá o que for. Em vez de ficar me questionando sobre trabalho, por que não pergunta por que não vou levar uma mala que caiba pelo menos o skate?

Da última vez que viajei com meu filho, fomos para Aracajú, em Sergipe. Lá tem, na orla da praia, um conjunto de quadras de esporte e uma belíssima pista de skate, tive que comprar um para meu filho e quando chegamos no aeroporto, para embarcar de volta, ninguém sabia o que fazer com o brinquedinho, na mala não cabia, estava cheia, na mão não podia levar, mas como não tinha essa bobagem de limite de dez quilos, o atendente do guichê achou por bem amarrar o skate sobre a mala com alguns metros de fita adesiva, ficou uma graça, mas o brinquedo chegou são e salvo.

Quero ir para Natal, no Rio Grande do Norte, e a operadora do pacote de viagem foi logo avisando que a bagagem tem regras que devem ser lidas no site da empresa aérea. Fui ver, diz que posso levar uma mala de mão com não sei quantos centímetros de comprimento, largura e altura e pesar no máximo dez quilos, com mala e tudo que tiver dentro. O skate não cabe na tal mala e se coubesse eu ficava sem roupas para usar durante o passeio. Pensei em pagar para despachar uma mala maior, fui pesquisar e vi que posso, é só pagar a passagem da mala e tudo bem, só que não tem assento para ela. Mas daí achei outro problema, o pacote de viagem inclui transfer do aeroporto até o hotel. Mandaram ler as regras e eu vi que se despachasse a mala, ela não seria levada do aeroporto para o hotel, nesse trecho, nem pagando passagem para a mala, eu teria que ir para o hotel com a mala de mão, depois contratar um Uber para levar a mala, ou deixar ela no aeroporto até a volta.

Não sei que pensamento é esse que vai sempre dando um jeito de tirar o conforto dos passageiros. Quando comecei a viajar de avião, e não era nem de férias, era a trabalho, podia despachar malas enormes sem nenhum incômodo e era até divertido esperar para pega-las no destino. As refeições eram servidas em bandejas enormes com tigelas de porcelana e talheres de metal, devo ter algumas comigo que peguei de lembrança. Servia-se bebidas a vontade, bebidas sim, uísque, cerveja, vinho, refrigerante, etc. e não era primeira classe que trabalhador não anda nisso. Agora, a moça passa e pergunta se a gente quer um salgadinho ou uma bolacha.

Não estou trabalhando, mas me dei ao trabalho de fazer uma pesquisa sobre isso. Queria saber o motivo desse comportamento nas empresas aéreas. A resposta foi animadora: tirando as refeições, as bebidas e as malas dos passageiros, as passagens ficariam mais baratas e o consumidor teria então a vantagem de viajar mais. Fiz os cálculos: Bebidas e refeição durante uma viagem, uns trinta reais, a passagem da mala, uns cinquenta reais, o que dá de economia oitenta reais. Uma passagem para o nordeste custa uns dois mil reais. Então, se eu economizar oitenta reais em cada viagem, para eu poder viajar “mais”, pelo menos uma vez, eu teria que primeiro, ter viajado umas vinte e cinco vezes! Sem mala, nem refeição e nem bebidas.

Sério, eu prefiro as malas!

terça-feira, 21 de setembro de 2021

A MORTA

Eu sou só um escritor. As pessoas me contam histórias e eu não me importo se elas são inventadas ou verdadeiras porque quando elas me contam, na cabeça delas as histórias são muito verdadeiras. Quando são contadas pessoalmente dá para notar na expressão das pessoas o tanto que aquilo faz sentido quanto o relato acontece. E essa que vou contar a seguir me foi contada pessoalmente e eu acredito que foi verdadeira porque o semblante, os gestos, o sorriso e até al lágrimas testificaram a verdade da história. Mas eu não estou interessado se era verdadeira ou não. O que importa é a história que eu vou contar.

Meu nome é Quinto, ele disse. Meu pai queria ter cinco filhos, o primeiro nasceu e foi batizado com o nome de Primo, depois veio a Marlene, daí os gêmeos Mario e Maria. Eu nasci e meu pai foi ao cartório para me registrar, o cartorário perguntou pelo nome e ele estava feliz, disse que ia ter cinco filhos e a meta fora alcançada eu era o “quinto”. O cartorário não perguntou mais nada.

Na minha infância, continuou, eu sempre fui muito tímido, na adolescência também, mas isso não interessa. Agora sou adulto, já tenho emprego e vivo no meu apartamento por minha conta. Tenho trinta anos e só agora encontrei a garota dos meus sonhos. Ela é linda! Sempre fiquei sozinho, em casa, ou seja lá onde quer que eu fosse numa festa, sempre estava só. Logo que chegou, dei-lhe o nome de Shepe que um site da internet, mas agora eu a chamo de Morta. Não é uma morta qualquer dessas que se não enterrar logo começa a cheirar mal. Não, a minha Morta é uma morta que acabou de morrer eternamente.

Depois que comprei a Shepe, duas colegas do escritório onde trabalho quiseram saber se eu namoro com ela. Sim, eu disse, comprei ela para dormir comigo, ela é minha namorada! Acho que elas ficaram com ciúme, mas não tem nenhuma necessidade, eu nunca fui namorado delas. A Celeste até falou que queria namorar comigo. Não quero, eu disse, agora tenho a Shepe. A Shepe, ela disse, é morta! Não tem importância, eu disse, acho que ela sendo morta pode ser até melhor. E, eu gostei de trata-la por morta. Gostei tanto que daí em diante passei a chama-la assim.

Quando saio do escritório, tenho pressa de chegar em casa e saber se minha Morta ainda está lá à minha espera. De manhã, antes de sair deixo ela confortavelmente sentada sobre umas almofadas a um canto da cama contra a parede e coloco um livro aberto sobre suas mãos para que ela não fique entediada pelo dia todo da minha ausência. Chego em casa ao entardecer, tomo-lhe o livro e vamos juntos tomar um banho na banheira.

Semana passada recebi a visita do João e a Mara. Eles são casados há uns dez anos e nunca tinham vindo me visitar. Agora vieram e eu estava jantando com a Morta quando a campainha tocou. Eles riram de mim e acho que não entenderam porquê eu jantava com a Morta. Pedi que sentassem e coloquei mais dois pratos e repartimos a comida que era mesmo suficiente pois eu gosto de fazer comida a mais, daí sobra para o dia seguinte. Durante o jantar eles queriam falar somente da Morta, tentei mudar de assunto, mas eles sempre diziam: ‘A tua morta, ela é boa companhia?’, ou coisas assim. Eu respondia que sim com a maior naturalidade. Só pararam de falar da minha Morta quando a Mara desconfiou que seu marido havia mentido para ela sobre qualquer coisa que não entendi. Ela olhou para ele com aquele olhar que a Morta nunca fez para mim e ficou longo tempo em silêncio dando empurrõezinhos na cadeira para se afastar dele.

Depois que eles se foram, a Mara saiu na frente quase sem se despedir enquanto o João tentava disfarçar, eu bati a porta e liguei o computador numa dessas rádios pela internet que toca música romântica, estava tocando Lullabay. Convidei a Morta, daí dançamos e o rádio cantou mais e mais músicas, então levei a minha Morta para o quarto e fizemos amor. De manhã, quando deixei a Morta sobre as almofadas com o livro do Camus, fiquei pensando na Mara, será que fizera amor com o João?

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

CASADOS PARA SEMPRE

             Josenildo é desses sujeitos que se pode chamar de douradense da gema! Seu bisavô fora soldado na Guerra do Paraguai, lutou ao lado de Antônio João na Retirada da Laguna, que ficou conhecido como o Combate da Colônia Militar de Dourados. Foi uma batalha difícil onde apenas quinze valorosos soldados brasileiros enfrentaram três mil e quinhentos paraguaios, morreram todos e os paraguaios ocuparam a colônia militar.

Foi bem aqui, dizia Josenildo ao lado da estátua do herói da Laguna, foi bem aqui onde está a estátua do Antônio João, que meu bisavô morreu lutando pelo Brasil. A estátua fica na praça central da cidade de Dourados a uns 170 quilômetros de onde ocorreu a tal batalha, mas nada disso importa para o bisneto do herói desta nação. Josenildo quer mesmo é se casar e o sangue do heroísmo de Laguna que lhe corre pelas veias, pode bem ajudar, não pode? Melhor casar que viver abrasado!

A viúva do bisavô Juanito teria chorado a morte do valente marido até o exército brasileiro liberar o pagamento das pensões às viúvas de militares mortos em combate, ou não. Marli Ojeda, viúva de Juanito, decidiu nunca mais se casar para não perder o direito, mas teve outros três maridos informais e do terceiro nasceu José Ojeda, avô de Josenildo. Depois de ser condecorado por três vezes durante as comemorações do aniversário da heroica Retirada da Laguna, José casou-se com a paraguaia Marilisse de Atagua. O Prefeito de Bela Vista propôs à Câmara de Vereadores a cassação das homenagens. Aprovado por unanimidade, José não compareceu para devolver os diplomas, fugiu com Marilisse para Ponta Porã onde, dizia, poderia facilmente atravessar a fronteira e seria herói de um país estrangeiro.

Em Ponta Porã lhe nasceram quatro filhos: Ramon, Rodrigues, Júlio e Pablo, este muitíssimo aplaudido quando desfilou vestido de Antônio João pelas avenidas da cidade num 7 de setembro. Era ano eleitoral e Pablo foi eleito vereador. Em discursos inflamados exaltava o heroísmo dos bravos soldados liderados por Antônio João. Logo o reconheceram como o herói da Pátria e elegeu-se facilmente prefeito com o apoio do ainda incipiente comércio ilegal de produtos contrabandeados do Paraguai para o Brasil.

Não podendo conciliar a legalidade exigida pelo mandato e as concessões ilegais exigidas pelos traficantes, caiu em desgraça. Fugiu para o Paraguai levando consigo as menções honrosas concedidas ao seu Pai José em Bela Vista. Lá lhe nasceu Josenildo à uma pobre paraguaia pestilenta que lhe servia as refeições e limpava a casa, além de atender-lhe os desejos sexuais. Pablo morreu miserável deixando a pobre serviçal sem seu emprego e ainda grávida. Ao lhe nascer o filho, pôs-lhe o nome de Josenildo, este cresceu com graça e alguma sabedoria, mas era feio tal qual a mãe. Aos catorzes anos decidiu recuperar a honra da família, juntou os méritos concedidos ao seu avô José e rumou à Dourados, disposto a se casar e tornar-se político influente.

Dia após dia punha-se na praça denominada Antônio João, ao lado da estátua do herói em discursos patrióticos à espera da bem-amada que lhe seria a esposa até que a morte os separe. Na semana da pátria, enquanto fanáticos bolsonaristas desfilavam seus carros de luxo, um anjo lhe apareceu ao lado da estátua. Era o anjo da medida de uns três metros, um pouco maior que a estátua de Antônio João, por isso Josenildo lhe respeitou quando pôs à frente a mão direita com o dedo indicador ao rosto do bisneto do heroico soldado e lhe disse com voz segura:

- Três mentiras hão na tua história; primeira: Teu bisavô Juanito era paraguaio; Segunda: A Colônia Militar de Dourados nunca foi em Dourados, mas em Antônio João que fica a 170 quilômetros de Dourados e, finalmente a terceira: tu és muito feio, como tua mãe, e nunca te casarás!

Mal o anjo se foi e os olhos de Josenildo ainda estavam postos nas nuvens quando Milena, uma das mulheres mais lindas da cidade, bandeira do Brasil aos ombros, tomou sua mão e, olhos molhados, mãos trêmulas, mal conseguiu gaguejar:

- Você é Josenildo?  Bisneto do herói da Pátria? Casa-se comigo?

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

DÊ SUAS DICAS DE VIAGEM PARA NOSSA COMUNIDADE

             Desde fevereiro deste ano ando cumprindo missão no Paraná, mas volta e meia, venho para Dourados onde tenho meus filhos e trinta e seis anos de história. Não tenho casa aqui, mesmo tendo duas. Quer dizer, não tenho moradia, já que levei a mudança, dado que a missão deve se prolongar por um tempo ainda não definido, então, quando venho à Dourados, hospedo-me em algum hotel. Da última vez, fiquei no Alphonsus, que agora não mais se chama Alphonsus, mas Bravo City Hotel, uma rede de hotéis que jura vai revitalizar o Alphonsus e, parece, já implementaram algumas melhorias em áreas importantes como a academia e a sauna, além de outras que não me chamam muito a atenção.

Estou fazendo propaganda do Bravo City? Sim, tanto quanto faço da cerveja bohemia! Não tenho nenhum compromisso com um e nem com outro, só gosto de gastar um tempo com quem me faz bem. Já fiquei hospedado no Ellus, no Figueira Palace e estou com vontade de reservar o Delírio Motéis e Pousada ou quem sabe o Céu do Mato - Eco Hostel para próxima viagem que já se aproxima, mas tem algo que no Bravo City parece peculiar.

Fiz a reserva pelo Booking.com, e booking significa exatamente reserva, então, fiz a reserva no reserva.com.  Deixemos os estrangeirismos de lado e vamos ao que interessa: Nem todos os hotéis podem oferecer o mesmo atrativo que o Bravo City! Além do atendimento que, como em todos os hotéis é cortês, um café da manhã bom e apartamentos aconchegantes, tem uma piscina com atrativos que só ali pude constatar. Muitos hotéis em Dourados nem piscina tem e eu acho isso um diferencial, não porque me deleite em me banhar em águas frias de piscina, mas porque gosto do ambiente para escrever minhas crônicas que vão diretamente da piscina para o meu blog e o Jornal Folha de Dourados, onde publico meus escritos.

O site Booking.com pediu para eu avaliar o hotel e dar algumas dicas da viagem para divulgação a outras pessoas que possam eventualmente se interessar por Dourados. Pensei imediatamente em dizer que Dourados é o lugar onde o tempo pode deixar de existir quando se toma uma bohemia na beira da piscina em companhia da belíssima Marina, exclusividade deste lugar. Pensei também em dizer que esta cidade, que se chama Modelo, tem tudo par ser uma das mais mal administradas que conheço, políticos corruptos e comerciantes gananciosos, mas seria redundância. Então me lembrei da piscina do hotel e da Marina, que não está disponível para quem quer que se interesse em fazer turismo por esta cidade.... Modelo! Ela só não é exclusiva por causa do Mia Couto, impossível concorrer!

Mesmo não sendo um escritor admirável, me dispus a escrever na piscina do Alphonsus, ou Bravo City, como quiser. Mal comecei minhas mal traçadas linhas e um Urubu, isso mesmo, um Urubu, veio voando em direção à piscina e pousou sobre a viga acima da grade, olhou-me com algum interesse que não compreendi muito bem, desceu até o piso, andou como se desfilasse e aproximando da água, bebeu como quis, olhou-me outra vez como a perguntar qualquer coisa e foi-se embora.

Onde, eu pergunto, um Urubu é atração turística se não na piscina do Bravo City Hotel?

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

OS POBRES DEVEM ECONOMIZAR

Hoje, vi na televisão que se deve economizar energia elétrica porque os preços aumentaram. Quase me incomodei. Deixei para lá, afinal o sistema político e econômico é liberal e nesse modelo de governo, cada um ter liberdade de fazer como quiser. O governo diz que a culpa é de São Pedro que tomou a liberdade de não mandar as chuvas necessárias para encher os reservatórios, assim, além de economizar luz também se deve economizar a água. Aí tudo faz sentido, o segredo é não tomar banho!

O que eu não entendi bem foi a atitude de São Pedro. O Brasil está sob o comando de um governo terrivelmente evangélico, que se diz fiel seguidor da palavra divina e de todos os seus preceitos. Sendo são Pedro o chefe da portaria do Céu, certamente conhece muito bem a literatura celestial e, sendo ele mesmo o comandante das torneiras, deixa nosso país, terrivelmente evangélico, sem as chuvas temporais e até mesmo a serôdia. Haveria de São Pedro ter reivindicado cargo no governo e o Centrão recusado?

Mesmo o presidente tendo dado mostras, em tempos pretéritos, de que seria ele quem manda, agora, na prática já não manda mais. O presidente, no caso, o da Câmara dos Deputados, o Arthur Lira é, de fato, o chefe de governo. Nem sei porquê escrevi deputados com letra maiúscula. Teria ele dado um golpe de estado e deixado uma figura decorativa no planalto? Bem, pelo menos em termos de nomeações de assessores disso, daquilo e daquiloutro parece que sim, o Lira indica e o Bolsonaro diz sim, sim e assina a nomeação com a caneta Bic.

No dia da Independência, os dependentes agro negociantes vão à Brasília dar seu grito de dependência! Nunca antes neste país se distribuiu tanto dinheiro a pessoas tão ricas! Não vi os termos do acordo entre governo e o agronegócio, mas suponho que talvez se ofereça um carguinho qualquer ao chefe da chuva. Talvez uma filiação ao PP com promessa de vultosos recursos do fundo eleitoral, sei lá. Se não tiver acordo desse governo com a equipe de São Pedro, o agronegócio sai do apoio, isto é certo. Não adianta financiamento barato e preço alto de mercado se não tiver produção!

E a televisão noticiou outra vez que é necessário economizar energia. Fez até uma reportagem mostrando uma casa de pessoas bem pobres que só tem duas lâmpadas dentro de casa e, se desligarem uma, não tomarem banho e nem abrirem a geladeira mais que duas vezes no dia, então o governo dará um desconto na conta de energia.

As pessoas mais pobres precisam economizar, disse o repórter, para que não falte para os ricos que precisam ligar o ar condicionado para ter conforto para sua família, seja de dia ou de noite. Ah, isso o repórter não disse!

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

OS VENDILHÕES DO TEMPLO

Antes de começar a escrever este conto, devo dizer que sou Cristão, ainda que eu não siga nenhuma denominação em especial. Também diria que sou Crente, esse nome que dão para crentes não católicos romanos, ainda que discorde veementemente de muitas denominações que se autodenominam evangélicas, mas que mais parecem empresas capitalistas e que não têm nenhum pudor em adorar a dois deuses ao mesmo tempo, ainda que a bíblia o proíba. Dito isto, vamos ao texto propriamente.

Eu tenho um amigo que mora num país Sul Americano e ele diz que por lá as igrejas são muitíssimas ricas. O segredo, disse, está na liberdade religiosa. Não me espantei, pois aqui no Brasil também temos liberdade de organização religiosa e igrejas muito ricas, ao que ele acrescentou o que seria o tal segredo. O segredo, repetiu como se fosse realmente algo muito secreto, é que lá no meu país, qualquer um pode abrir uma igreja, fazer-se pastor, cadastrar na Receita Federal e com o CNPJ em mãos reivindicar até o terreno junto ao poder público sem ter que pagar nada, e daí vender a promessa do Céu para aqueles que pagam o dízimo e pronto, logo a igreja se enche de esperançosos miseráveis, assim como enche também a conta bancária do pastor.

Como falava à sério, cenho franzido e tudo, pensei tratar-se de um pequeno país administrado como um fazendeiro cuida de uma fazenda de gado. Sim e não, disse. O presidente administra mesmo como se fosse uma fazenda de gado, ele berra para um lado, grita para o outro e o gado o segue fielmente, mal sabe que vai para o matadouro. Mas, não é um pequeno país, é um dos maiores do continente, prá lá de duzentos milhões de habitantes, incluído os bovinos que seguem os gritos e os berros!

Perguntei-lhe sobre o governo do país e sua relação com as igrejas, já que aqui isso parece tão evidente. Respirou fundo, ergueu as mãos ao ar em pequenos círculos, olhou-me com aquele olhar intrigado de quem quer, não querendo, responder uma pergunta, fechou a mão esquerda diante de si e com direita espalmada em direção ao meu peito, afirmou com segurança e tristeza no olhar que, se não fosse o Superior Tribunal Federal, o presidente já teria colocado placa de igreja em frente de seu palácio e se autonomeado pastor titular da igreja com o nome do país. Pelo sim, pelo não, apresentou uma reforma tributária prometendo instituir o dízimo. Para ser ministro, disse, não importa a idoneidade, basta ser terrivelmente evangélico!

E o povo, perguntei, está feliz? Feliz? Sim. Os banqueiros e os latifundiários estão felicíssimos! E o gado pasta! Pensei ser isso uma metáfora. Não é possível que banqueiros e latifundiários paguem o dízimo. Não!!! Quase berrou. Banqueiros e latifundiários não pagam impostos, eles são tidos por deuses, são adorados pelos do povo. Quando um destes aparece em público, o que é raro, normalmente ficam reclusos em seus templos, mansões, resorts, casas de praia, fazendas, etc., mas quando aparecem no meio do povo são reverenciados como a santos da igreja católica, o povo põe-se de joelhos diante deles.

Então perguntei: E os católicos, por lá devem ter muitos, eles também adoram deuses relacionados às riquezas? Eu sou suspeito para dizer, falou abaixando a cabeça. Não me confesso católico, mas, se Martinho Lutero voltasse, seria imediatamente mandado vivo para a fogueira, tamanho é o empenho em vender objetos santificados pelas redes de televisão da igreja.

Dito isso, danou a chorar como criança. Chorou um vale de lágrimas. Depois de algum tempo em silêncio, tomamos de um livro de Albert Camus e conversamos por um longo tempo sobre o absurdismo.

ESQUERDOPATA!

  Ontem eu estava fazendo minha caminhada vespertina pela praça do Parque Alvorada e ouvi uns amigos que caminhavam e conversavam animadamen...