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domingo, 19 de julho de 2020

ANO QUE VEM

Nos últimos dias o assunto mais comentado são os decretos da prefeitura sobre o funcionamento do comércio. Comerciantes em polvorosa pedindo a abertura para que os consumidores possam ser todos atendidos e consumidores ansiosos por fazer suas compras e renovar os guarda-roupas e as sapateiras e aquele celular e, também uma semijoia, joia, bijuteria, seja lá o que for.

Recluso aqui na minha quarentena de grupo de risco eu fico imaginando a cena: “Comerciantes de um lado empunhando bandeiras e cartazes em passeata pelas ruas e atos públicos em frente à prefeitura ameaçando uma greve geral se suas reivindicações não forem atendidas. Do outro lado o povo com o dinheiro na mão gritando palavras de ordem contra os comerciantes ameaçando invasões generalizadas às lojas caso elas não sejam abertas imediatamente!”

Enquanto o passo municipal multiplica contaminações nas aglomerações, nas calmas ruas do centro da cidade o andarilho, com suas roupas do mês passado, barba por fazer talvez algum dia, banho da última chuva, o estômago alimentado nos restos da padaria e a mudança num saco pendurado ao ombro direito, olha para uma vitrine com roupas masculinas elegantes quando o guarda municipal chama sua atenção. Está fazendo o que aí sem máscara?

Tudo bem que a Constituição de 1.988 não determina o uso de máscaras em tempos de Corona Vírus, mas tem um decreto municipal amplamente divulgado nas rádios, jornais e internet que obriga o uso, não há desculpa para se dizer que não se saiba de tal obrigação. Pronto a cumprir sua obrigação de homem público, o guarda solicita ao cidadão sua identificação para as devidas anotações na notificação fiscal.

Diante das constantes negativas na apresentação dos documentos, o cidadão que se identificou apenas como José da Silva teve que ser recolhido a um abrigo municipal onde se viu obrigado a tomar banho, sendo-lhe servido uma modesta refeição antes de ser encaminhado ao alojamento onde deveria permanecer detido até uma decisão de instância superior. É certo que decisões de instância superior não se tomam em curto espaço de tempo, especialmente se elas dependem da Procuradoria Geral do Município. Há que se respeitar os trâmites.

Feitos e desfeitos mais dois decretos da prefeitura, liberando e depois fechando novamente o comércio, deu-se de analisar os casos de cidadãos detidos por falta de documentos. A decisão de soltura chegou à casa de albergue municipal informando a libertação do cidadão José da Silva. Não havendo ele sido encontrado, deu-se o caso por encerrado e arquivado os documentos referentes a tal cadastro.

Tudo ia bem no albergue até sair a nomeação do novo chefe da casa de acolhida. Feitas as burocracias, deu-se a posse ao novo comandante que imediatamente determinou o levantamento do registro de entrada de todos os acolhidos para se saber a situação de cada um. Concluídos os trabalhos e cuidadosamente relacionados os cadastros a cada um dos internos, sobrou um interno sem os devidos registros de internação. Perguntaram-lhe o nome e o motivo de ali estar, respondeu simplesmente que não tendo mesmo um nome oficial, podiam chamar-lhe João dos Reis e estava ali porque estava ali e estava bom ficar ali. Pelo que se fez nova ocorrência e ele foi posto imediatamente na rua por falta de documentação que o pudesse identificar para o cadastro de internos.

Coincidentemente, justo no dia seguinte, o mesmo guarda o abordou na rua olhando a tal vitrine de roupas masculinas. Outra vez, seu José da Silva? E sem máscara? Vais ficar nessa situação até o ano que vem? Ano que vem? Perguntou respondendo José da Silva, ou João dos Reis, ou sei lá seu nome atual. Com essa crise, ano que vem nem vai existir!

 

Elairton Paulo Gehlen


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