Nos últimos dias o assunto mais comentado são os decretos da
prefeitura sobre o funcionamento do comércio. Comerciantes em polvorosa pedindo
a abertura para que os consumidores possam ser todos atendidos e consumidores
ansiosos por fazer suas compras e renovar os guarda-roupas e as sapateiras e
aquele celular e, também uma semijoia, joia, bijuteria, seja lá o que for.
Recluso aqui na minha quarentena de grupo de risco eu fico
imaginando a cena: “Comerciantes de um lado empunhando bandeiras e cartazes em
passeata pelas ruas e atos públicos em frente à prefeitura ameaçando uma greve
geral se suas reivindicações não forem atendidas. Do outro lado o povo com o
dinheiro na mão gritando palavras de ordem contra os comerciantes ameaçando
invasões generalizadas às lojas caso elas não sejam abertas imediatamente!”
Enquanto o passo municipal multiplica contaminações nas
aglomerações, nas calmas ruas do centro da cidade o andarilho, com suas roupas
do mês passado, barba por fazer talvez algum dia, banho da última chuva, o
estômago alimentado nos restos da padaria e a mudança num saco pendurado ao
ombro direito, olha para uma vitrine com roupas masculinas elegantes quando o
guarda municipal chama sua atenção. Está fazendo o que aí sem máscara?
Tudo bem que a Constituição de 1.988 não determina o uso de máscaras
em tempos de Corona Vírus, mas tem um decreto municipal amplamente divulgado
nas rádios, jornais e internet que obriga o uso, não há desculpa para se dizer
que não se saiba de tal obrigação. Pronto a cumprir sua obrigação de homem
público, o guarda solicita ao cidadão sua identificação para as devidas
anotações na notificação fiscal.
Diante das constantes negativas na apresentação dos documentos,
o cidadão que se identificou apenas como José da Silva teve que ser recolhido a
um abrigo municipal onde se viu obrigado a tomar banho, sendo-lhe servido uma
modesta refeição antes de ser encaminhado ao alojamento onde deveria permanecer
detido até uma decisão de instância superior. É certo que decisões de instância
superior não se tomam em curto espaço de tempo, especialmente se elas dependem
da Procuradoria Geral do Município. Há que se respeitar os trâmites.
Feitos e desfeitos mais dois decretos da prefeitura, liberando e
depois fechando novamente o comércio, deu-se de analisar os casos de cidadãos
detidos por falta de documentos. A decisão de soltura chegou à casa de albergue
municipal informando a libertação do cidadão José da Silva. Não havendo ele sido
encontrado, deu-se o caso por encerrado e arquivado os documentos referentes a
tal cadastro.
Tudo ia bem no albergue até sair a nomeação do novo chefe da
casa de acolhida. Feitas as burocracias, deu-se a posse ao novo comandante que
imediatamente determinou o levantamento do registro de entrada de todos os
acolhidos para se saber a situação de cada um. Concluídos os trabalhos e
cuidadosamente relacionados os cadastros a cada um dos internos, sobrou um
interno sem os devidos registros de internação. Perguntaram-lhe o nome e o
motivo de ali estar, respondeu simplesmente que não tendo mesmo um nome
oficial, podiam chamar-lhe João dos Reis e estava ali porque estava ali e
estava bom ficar ali. Pelo que se fez nova ocorrência e ele foi posto
imediatamente na rua por falta de documentação que o pudesse identificar para o
cadastro de internos.
Coincidentemente, justo no dia seguinte, o mesmo guarda o abordou
na rua olhando a tal vitrine de roupas masculinas. Outra vez, seu José da Silva?
E sem máscara? Vais ficar nessa situação até o ano que vem? Ano que vem? Perguntou
respondendo José da Silva, ou João dos Reis, ou sei lá seu nome atual. Com essa
crise, ano que vem nem vai existir!
Elairton Paulo Gehlen
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