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sexta-feira, 3 de julho de 2020

ABANDONADO, DE NOVO!

Era uma note fria de 1988 quando o abandono fez sentido. Muito sentido! Todo mundo já foi abandonado inúmeras vezes, você também, provavelmente já foi. Desde a mais tenra idade o abandono é parte importante da vida, os irmãos mais velhos abandonam o mais novo para brincar com os ‘mais grandes’, na idade adulta as crianças não nos querem porque tem outras preferências, sem falar, ah!, eu não deveria mesmo falar!, da adolescência quando as garotas nos abandonam porque se encantam por um outro cara.

Mas em 1988 foi diferente, era mesmo uma noite fria e jamais poderia imaginar que a frieza de alguém pudesse ser daquele tanto. Nem mesmo a frustração que o povo brasileiro sentia com o fracasso do Plano Cruzado de 1986 e do plano Bresser de 1987 foram tão decepcionantes quanto o fatídico ano de 1988. Para aquela noite não havia plano, tudo aconteceu de repente como se fosse um golpe de estado, e estava frio!

O sol da tarde já pendia para a manteiga quando as circunstâncias se apresentaram em caráter irrevogáveis. Ditas todas as palavras com os devidos xingamentos iniciou-se o processo da queima de arquivos. Uma fogueira em frente de casa consumia cada objeto nela jogado, alguns móveis, livros, quadros, outros objetos e o rádio! Tudo bem que ela queimasse tudo, mas o rádio, não! O rádio era para ouvir o programa de poesia da Rádio Clube. Escrevia poesias para o programa, não podia ficar sem o rádio. Tirado da fogueira, meio derretido, ainda funcionava!

Com o fogo no rescaldo, só restou ver a poetisa ir embora. A poetisa tinha quatro nomes, Tânia Maria Porto de Morais, cada um dos quatro nomes a seguiram para nunca mais voltar. Em 1989 o governo baixou o Plano Verão e em 1990 veio o Plano Collor, nada disso podia ser pior do que aquele dia de 1988.

Hoje está frio de novo. Nada que se pareça com 1988. Não posso dizer que o Plano Real tenha fracassado, mas a realidade é que o abandono parece ser a classe dominante do relacionamento, ou aceitamos as suas regras ou aceitamos a mediocridade dos relacionamentos frustrados. Felizes são os que vivem a vida em comum, o comunismo no casamento, uma só carne e o poeta e a poetisa não tratam o corpo como propriedade privada.

 

 

Elairton Paulo Gehlen


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