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segunda-feira, 20 de julho de 2020

O TÉDIO DA QUARENTENA

Tem um escritor e um abajur, uma à mesa e o outro na mesa, ambos esperando pacienciosamente pelas palavras que devem ser escritas na página em branco da tela do computador. O silêncio quase total na sala chega a ser constrangedor, nem o relógio da parede faz tic tac para entreter, uma barata atravessa distraída pelo vão da porta saindo da cozinha e, entrando pela sala segue esgueirando-se pelo piso, encostando e desencostando da parede até chegar à porta de saída pela qual passa através da fresta entre a folha da porta e o piso e vai para sua caminhada noturna em busca de alimento.

De que se alimentam as baratas? Onde irá a esta hora noturna? Terá companhia em sua busca? Voltará viva ou será pisoteada por algum humano? Tivesse logo pisado nela e não teria todas essas dúvidas a ocupar meus pensamentos. Teria mesmo eu o direito de matar a barata? Não haveria de ser processado por alguma sociedade protetora das baratas e outros insetos nojentos? Baratas são mesmo nojentas? Vou até a cozinha e pego uma chaleira para esquentar a água para um café e logo me vem a dúvida, será que a barata entrou na chaleira?

O silencio se renova e eu penso em ligar a televisão, só penso, melhor só do que mal acompanhado. Olho para o abajur e ele me dá uma luz que preciso para ver o impossível acontecer, fecho os olhos por causa do excesso de claridade e a sala se enche de pessoas num converseiro sem fim. Estou no meio deles com um copo de bebida na mão disposto a fazer um brinde pelo ano que vai chegar, da cozinha vem o aviso da comida servida na mesa e o tilintar dos talheres anunciando que alguém não esperou pelo cerimonial. Ouço um barulho que vem da rua, abro os olhos e vou rapidamente ver o acidente entre um carro e uma moto, tem um rapaz ferido na perna e no braço, volto para dentro da sala e o abajur está me esperando. Devo escrever sobre o acidente ou fico esperando a barata voltar com notícias de fartura?

Elairton Paulo Gehlen


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