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sexta-feira, 31 de julho de 2020

A OUSADIA DE EMMETT LOUIS TILL

Meio embebecido por um Vinicius, encaro este teclado para, de alguma maneira cumprir meu papel de escrevinhador de crônicas, e fazer com que as palavras se alinhem de um jeito que agrade aos eventuais leitores esperançosos de uma história bem contada.

Não que me falte histórias para contar, longe disso, os tempos atuais abundam em inspirações, desde ministérios sem ministros até as ilusórias regras de distanciamento social existem infinitas possibilidades de se aglomerar em festas esporádicas neste país maravilhoso e continental.

         Mas, não posso deixar de olhar, de vez em quando, para o poetinha que se casou doze vezes e até o último continuava cantando o amor ‘que seja infinito enquanto dure’. Posto que é chama, há de se findar como há de acabar os radicalismos de qualquer extrema que se queira nomear fazendo florescer o entendimento entre as pessoas nessa estrada em que não ando só.

         Sei que há quem prefira os economistas aos poetas, que fazer, ‘se todos fossem iguais a você’, que graça teria viver. Entre o mercado e as palavras, os sentimentos de segurança balançam hora para o ouro e a prata, atrativos de ladrões e salteadores, hora para o amor e a graça atrativos de sonhadores e aventureiros. ‘Teu caminho é de paz e amor/ Abre os teus braços e canta/ A última esperança/ A esperança divina/ De amar em paz.’

         Bem que poderia ser sábado e a Academia de Letras organizaria um Sarau de poesia e então levaríamos os economistas para cantar as bonanças do capitalismo! Não cabem todos dentro, mas do lado de fora haveria espaço para o canto triste dos excluídos e sua eterna esperança nas promessas do bolo que haveria de crescer e ser distribuído, inda que em migalhas.

         Por hora, volto meus olhos para o velho e saudoso Vinicius em sua homenagem a Emmett Louis Till, o negrinho americano que ousou assoviar para uma mulher branca: “O how I hate to see that evenin’ sun go down...”  (Ó como eu odeio ver o sol da tarde se pôr...) Claro, era uma metáfora! Emmett foi assassinado no começo da noite. Já se passaram sessenta anos e ainda choramos o entardecer de negrinhos e pobres e índios que ousam assoviar. Até quando?


quarta-feira, 29 de julho de 2020

TEM UMA MÚSICA TOCANDO

Aproveito o dia que está frio e faço um chimarrão antes de sentar-me ao computador para a crônica e ouço uma música que vem da rua. Uma espiada pela janela e vejo um gol transportando a melodia como se levasse esperança de que logo poderíamos ver um show do Dagata num barzinho qualquer da cidade.

E esperança é meio que uma ilusão de que as coisas vão ser do jeito que queremos que seja. O casamento está acabando, tem gente que tem esperança de o outro morra e assim haja uma saída ‘honrosa’ e sem necessidade de um longo processo e as infinitas e doloridas reconciliações irreconciliáveis. O problema é que nem um dos dois quer morrer.

A música que veio já iniciada foi-se sem apresentar um fim e deixou na calçada um casal que discutia a relação mais ou menos como se discute o tratamento da COVID-19. De um lado aprovando totalmente o tratamento para a reconciliação definitiva e de outro defendendo o efetivo distanciamento social para evitar o agravamento do quadro já crítico da situação, sem tirar as máscaras, evidentemente.

Cá do primeiro andar do apartamento que aluguei para que meu filho pudesse ir de bicicleta para a escola fico pensando enquanto a melodia faz ondas nos pensamentos: Será que escola, algum dia, vai trocar o rigor das notas avaliativas pela musicalidade das notas que fazem da vida uma agradável e empolgante expectativa do público num show do Dagata naquele barzinho?

Deixo a bicicleta na sacada e vou ao computador pensando na improvável volta das aulas, tomou mais um chimarrão e reflito sobre o amor que algum dia fez música na vida do casal em isolamento afetivo. É uma música que não tem início, com a do gol e quando vemos já vai virando a esquina e não a escutamos mais. Melhor seria não ter provas avaliativas. Quem dera frequentássemos mais o barzinho e as músicas não terminassem nunca.


terça-feira, 28 de julho de 2020

MATEMÁTICA

A matemática é uma daquelas ciências que se o ensino fosse livre e os alunos pudessem escolher qual disciplina estudar, apenas uns cinco por cento escolheriam essa matéria. Não que seja difícil, fácil também não é, mas a aplicação na vida é tão grande que seria quase humilhante viver sem estudar os números e suas operações.

Um grupo de garotas discutiam no intervalo do recreio sobre qual salgado comprariam de lanche e se tomariam refrigerante ou suco natural. Eu não posso comer agora, estou acima do peso, qualquer valor a mais que cinquenta e quatro é acima! Neste caso, salgados e refrigerantes só são aceitos na inequação peso< 54. A professora buscava cativar alunos para sua insuficiente turma que até agora contava com apenas quatro alunos.

Professores de Artes, Inglês, e Português se vangloriavam de suas salas cheias. Até História e Geografia, sem nenhuma importância aparente nos tempos atuais tinham pelo menos o dobro de alunos da Matemática. Filosofia e Sociologia tinham sido abolidas e Química ficara restrito ao último ano do ensino médio.

Ausente da sala dos professores por um longo período em que buscava atrair mais alunos para sua disciplina, a professora Zuleide pensou uma estratégia diferente a passou a frequentar a reunião dos colegas nos intervalos para fazer um desafio: O professor, ou professora que conseguir melhor demonstrar a importância de sua disciplina dará aulas no lugar do outro por uma semana!

Desafio aceito imediatamente! Que importância tem a Matemática para o Português? E História? E Geografia? Pois foi exatamente aí que Dona Zuleide provou seu valor. Analisemos, disse a professora escrevendo o alfabeto no quadro, o alfabeto é um conjunto finito formado por 25 letras, se incluirmos o K e o Y. Esse conjunto finito permite uma quantidade infinita de combinações de letras que compõe toda a gramática da língua Portuguesa, Inglesa e muitíssimas outras línguas formando palavras que expressam sentimentos, contam histórias, marcam territórios, explicam as fórmulas dos elementos químicos e até descrevem o pensamento filosófico e sociológico que já não se ensina mais nesta escola.

Por um instante a sala ficou em completo silêncio, ninguém se atreve a contrapor argumento tão consistente. Por mais um instante o silencio dominou o ambiente. Já se dando por vitoriosa, a professora Zuleide virou-se para o quadro onde faria a tabela de suas aulas nas salas dos colegas quando o sino tocou informando o fim do intervalo. A correria foi grande. Com giz na mão, Dona Zuleide olhou para a sala vazia e sorriu aquele sorriso gostoso de quem sabe que venceu, mesmo não levando o troféu da vitória!


domingo, 26 de julho de 2020

DOMINGO NO PARQUE

Não fosse a quarentena e se poderia aproveitar a liberdade que os parques e praças proporcionam. Esta cidade, como de resto as demais, tem muitos parques e praças onde se pode ver a juventude domingueira sorridente exibindo seus corpos atraentes como moeda de grande valor na troca por mercadorias do mesmo quilate que andam tal e qual.  É o vigor da idade pela qual todos passamos, desperdiçando grande parte da riqueza natural consumindo produtos de qualidade duvidosa em troca de um prazer ilusório e de altíssimo risco.

Parques e praças são lugares convidativos ao exercício da vida saudável. Os parquinhos infantis se enchem de mercadorias que ainda mal saídas do processo de acumulação primitiva de capital, logo, logo ditarão as leis de mercado para o grande público ávido pelo consumismo desenfreado de sexualidade. Mal se dão conta os pais de seus erros, mas apostam todas as fichas que educarão seus filhos para a vida saudável que a natureza oferece pela extensão das áreas verdes e nascentes de água puríssima.

À sobra das frondosas árvores as famílias buscam o entendimento que não conseguem dentro das casas. Ali, aos aplausos da vizinhança e curiosidade dos demais, a tolerância e a cordialidade dão o tom dos relacionamentos até que o sol anuncia a hora dos preparativos para os cultos religiosos de domingo.

Sem quase serem notados, às vezes nem querendo ser e muitas vezes ignorados propositalmente, os mais idosos fazem seus passeios pelos parques a passos lentos observando os frutos da inovação tecnológica num misto de saudade e nostalgia, com pitadas de tristeza e decepção, aquele sentimento de que teria feito melhor se fosse jovem com o conhecimento que agora possui.

- Vamos, disse a senhora já idosa puxando o marido pelo braço, me ajuda a levantar que está na hora de irmos para casa.

Em casa, tomado o banho e terminado o jantar, o marido pega na mão da esposa e diz que precisa lhe confessar uma coisa.

- Vai me dizer que ficou olhando para aquelas novinhas desfilando no parque. Nem precisa, eu vi você olhando para elas, mas eu não ligo, elas não querem pessoas da nossa idade.

- Fiquei olhando, mas não é isso. É que na minha juventude eu fiz tudo que hoje eu acho que não devia ter feito, e você é essa mulher tão pura. Eu me sinto culpado.

- Pois não se sinta, disse a bondosa companheira de cinquenta anos, nós todos já fomos jovens!

 

 

Elairton Paulo Gehlen


sábado, 25 de julho de 2020

POESIA, MEU CARO. ISSO É POESIA!

O tempo, no fim de semana, é diferente do tempo nos outros dias.

No fim de semana, no tempo de quarentena, a cidade fica meio sem histórias para serem contadas, as ruas sentem falta do comércio e os bares ficam constrangidos de fazer aglomerações, por mais que o desejo de juntar gente às vezes seja maior do que o medo da fiscalização.

Num bar, dois amigos bebiam o fim de semana despreocupados quando o atendente avisou do horário de fechamento devido ao toque de recolher às oito da noite. Mas, no sábado? Já não se respeita mais nem o sábado? Reclamou o cliente. Sim disse o atendente, querendo dizer não. Dia de sábado não pode ter fiscalização, não é dia lícito para se trabalhar, disse o cliente na esperança de encontrar um argumento mais definitivo, e pediu mais uma cerveja, só mais uma!

Não quero aqui defender que se desobedeça o decreto municipal do toque de recolher, também não posso defender seu integral cumprimento, dado que em algumas situações se faz jus a burla pelo necessário tratamento psicológico, muitas vezes em momentos como este, onde o amigo é o melhor terapeuta disponível e a cerveja, sem defender seu consumo exagerado, pode ser um grande remédio para a fadiga mental de uma semana de intensas cobranças por metas impossível na empresa.

Feitas as devidas argumentações e contra argumentações, decidiu-se fechar o bar e manter o atendimento com uma reserva de cervejas numa caixa térmica, as luzes desligadas para disfarçar a fiscalização e o diálogo se deu entre os amigos.

- Eu tenho sede, meu amigo.

- Pois vou pegar mais uma...

- Pegue! Eu tenho sede de viver, preciso achar um jeito de sair dessa bolha chamada sistema.

- Bolha? Isso é um inchaço!

- Transbordar! Permitir, alargar as fronteiras, fazer um tratado internacional de entendimento emocional.

- Poesia, meu caro. Isso é poesia.

 

 

Elairton Paulo Gehlen


sexta-feira, 24 de julho de 2020

DIA MUNDIAL DO CÉREBRO

Já ouviu falar em ‘Dia Mundial do Cérebro”? Pois é, tem, e é hoje, quer dizer, ando meio esquecido, foi antes de ontem, dia 22 e tem tanta gente que ainda nem sabe o que é cérebro! A data é mais uma daquelas que se institui para dar importância à uma categoria de profissionais que legitimamente busca sua valorização no mercado, por isso a data tem o mesmo dia da data de fundação da Federação Mundial de Neurologia.

O ‘dia’ disso e daquilo são, claro, sempre uma reivindicação de quem precisa de alguma maneira aparecer e ser valorizado naquilo que se chama de ‘mercado’. Às vezes chega-se ao ridículo em algumas categorias, como por exemplo quando se extinguiu a obrigatoriedade dos exames psicológicos para renovar a CNH, foi uma grita dos psicólogos que perderam uma ‘boquinha’. Nada a ver com o dia do psicólogo, que é em 27 de agosto.

Eu gosto de exercitar meu cérebro todos os dias lendo bons livros e escrevendo essas crônicas que eventualmente tem uma ou duas pessoas que leem, e aproveito para me distrair vendo as postagens mais ridículas e sem noção do facebook. Caso você não saiba muito bem como manter seu cérebro ativo e cada vez mais produtivo, tem empresas privadas oferendo ‘métodos’ que são bastante eficientes e lucrativos, para os empreendedores, lógico!

Já o poder público, administrado por empreendedores privados, parece que não acham muito necessário desenvolver métodos de desenvolvimento do cérebro entre as pessoas comuns, isto é, os facilmente manipuláveis, quer dizer, os cidadãos que dependem do poder público para ter acesso ao conhecimento. Vai que resolvem pensar criticamente!

Pelo sim, pelo não, fica aqui meus parabéns a todos aqueles que, mesmo sem ter, ou poder, pagar por um método direcionado para seu cérebro conseguem olhar criticamente para o que se publica nas redes sociais e filtrar aquilo que vale apena ser desenvolvido intelectualmente separando o joio para a fogueira eterna.

 

Elairton Paulo Gehlen


quinta-feira, 23 de julho de 2020

ESTOU MEIO PERDIDO.

Jovens são inseguros e precisam de pessoas adultas ou os pais para desenvolverem suas habilidades como se os adultos fossem uma espécie de arrimo para o seu desenvolvimento. Quem é pai ou mãe sabe como é! Todos os dias e, parece que o dia todo, eles estão por ali perguntando sobre questões da vida, de como surgiu o universo ou como nasce uma criança ou por que a mãe estava gemendo ontem à noite. Tem perguntas que é difícil de responder...

É claro que os pais devem sempre mostrar segurança e apresentar alguma solução ou pelo menos uma resposta que seja aceitável nem que seja algo do tipo: ‘Porque é assim e pronto!’, mas a resposta mais provável é: quando você crescer você vai entender!

Esta semana um jovem de apenas dezessete anos me veio com um pedido de ajuda e eu pedi um tempinho para dar uma resposta. Disse ele: ‘Estou meio perdido, não sei que decisão tomar, você pode me ajudar?’ Claro, respondi, sou especialista em não saber que decisão tomar, mas antes vamos fazer uma coisa juntos.

Pensei em quantas decisões erradas eu havia tomado no passado e fiquei totalmente seguro para dar uma resposta totalmente afirmativa. Estávamos próximo de uma pizzaria e então pedi que escolhesse uma pizza para comermos juntos. Ficamos vários minutos vendo informações sobre as muitas possibilidades que tínhamos diante dos nossos olhos. Estávamos quase desistindo de fazer o pedido quando eu disse que ele deveria tomar uma decisão de escolha.

Ao final ele me perguntou se gostei do recheio, disse que sim, acho que ele não se convenceu, mas ficou quieto. Fui até o balcão e pedi para fazerem chá verde para nós, quando chegou perguntei se ele gostava, me respondeu: É! E tomou o chá. A decisão que você tomou para nós dois, eu disse, foi a melhor para uma pizza junto comigo, esse chá é o melhor que pensei para nós agora. Tome sempre decisões assim e o mundo vai gostar de você, ainda que não goste das tuas decisões.

Elairton Gehlen


quarta-feira, 22 de julho de 2020

A PRIMA

Um cronista gosta de uma história apaixonante, às vezes ela vem de onde menos se espera e de um jeito totalmente inimaginável e até confuso. Felizmente, quando ouço histórias que me parecem interessantes vou logo acionando o gravador do celular para poder aproveitar o conteúdo com o máximo de fidelidade. A história que passo a relatar só foi possível pela escuta atenciosa e grande reflexão. Veja a seguir o que me contou um sujeito de nome Valdemar enquanto esperava pelo ônibus no ponto da praça central:

Estou completamente apaixonado pela minha prima por parte de irmão. Seus olhos brilhavam de felicidade, tocou em meu braço e continuou, ela é linda, cabelos pretos lisos até o meio das costas, mostrou nas costas dele até onde iam os cabelos da prima, semana passada ela veio visitar meu pai que é tio dela por parte do primo, que é meu irmão por parte de pai. Mas ela é tua prima? Indaguei.

Vou explicar, ele disse, minha família é assim: eu tenho um pai e duas mães, uma que é minha mãe e outra que é mãe por parte de pai, um irmão é meu irmão, ouros dois são irmãos por parte de mãe e outro, ainda, é irmão por parte de pai. Meus dois irmãos por parte de mãe têm outros três irmãos, sendo que um deles é irmão por parte de pai que é pai por parte de mãe. O outro irmão meu, por parte de pai, tem dois irmãos que são irmãos por parte de mãe e um que é irmão por parte de mãe, que não é minha mãe. Então essa é a minha família!

A minha prima é prima por parte de meu irmão, que é meu irmão por parte de pai e primo dela por parte da mãe do meu irmão que não é minha mãe, só é minha prima por ser prima do meu irmão, se meu irmão não existisse ela não seria minha prima, de modo que desconsiderando esse parentesco que existe sem existir mesmo existindo, eu posso namorar com ela. Não posso?

Confesso que fiquei com uma grande dúvida se deveria aconselhar o namoro para completar a felicidade do casal ou quem sabe considerá-la apenas prima para não ter que ficar explicando tal situação toda vez que alguém lhe perguntar se casou com a prima.

 

 

Elairton Gehlen


CHIFRE EM CABEÇA DE CAVALO. EXISTE? EXISTE!

  Já botei no título o que poderia ser uma mentira, a ciência diz que cavalos não tem chifre, nem as éguas, mas na fazenda do Romero, que ...