A propriedade privada é direito constitucional, conforme o Art. 5º, inciso XXII. Já o Art 60, §4º garante que isso não mudará enquanto a atual constituição estiver em vigor. Tentei explicar isso para um nativo brasileiro que passou a ser conhecido como Índio, desde que Pedro Álvares Cabral chegou ao litoral deste continente pensando ter aportado nas Índias.
Com um corote na mão, já com menos da metade do conteúdo
disponível, Anastácio sentou-se ao meu lado no banco à sombra de um ipê e danou
a falar como se fôssemos velhos amigos. Não havia muita coerência nas palavras
e a justificativa estava claramente demonstrada na pequena quantidade de líquido
do corote, toda a conversa era cuidadosamente pensada com a pinga que já não
estava mais na embalagem.
Você é branco, ele disse desenrolando a língua umas três vezes,
vocês roubaram nossa terra! Virei o rosto e descansei meu olhar sobre minha bicicleta,
com a qual já tinha pedalado mais de trinta quilômetros e agora descansava para
os últimos dez até chegar em casa. Talvez ele tenha razão, eu tenho mesmo um
pedaço de terra, dez hectares que comprei e escriturei no cartório de registro
de imóveis.
O ipê que nos fazia sombra, sob a qual meu único argumento foi
de que o direito à propriedade é constitucional, estava na área de reserva indígena
Jaguapiru e Bororó. Terra de Índio, cortada por uma rodovia estadual por onde
os “civilizados” transportam de um tudo que é produzido depois que as caravelas
aportaram na Bahia no dia 22 de abril de 1.500 e começaram a levar toda a
riqueza possível para fora da Ilha de Vera Cruz, Terra Nova, Terra dos
Papagaios, Terra de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, Terra de Santa Cruz do
Brasil, Terra do Brasil e Brasil. Todos nomes pomposos dado ao nosso país,
nomes fortemente relacionados ao catolicismo para finalmente se chamar Brasil
em homenagem à árvore que sangrava de cor avermelhada.
Nóis era dono de tudo, agora só temos miséria! Até chegar nessa frase, o corote estava miseravelmente sendo jogado num matagal à nossa frente. Sem me olhar, Anastácio levantou-se com dificuldade e seguiu seu penoso caminho como se riscasse no chão o desenho das ondas do mar de Caravelas. Embarquei na bicicleta e percorri várias propriedades privadas até chegar em casa, onde procurei entender quem foi que primeiro adquiriu as terras dos povos nativos do Brasil. Entendi a reclamação do Anastácio. Antes de ter nome pomposo e católico, este lugar se chamava Pindorama, não tinha constituição e nem cartório de imóveis.
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