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terça-feira, 29 de setembro de 2020

UM CÂNTICO DE GLÓRIA

             Estamos sempre pedindo algo. Pedimos desconto em cada compra que fazemos porque acreditamos que o dono da loja já estipulou um preço maior do que o real e o dinheiro que temos está abaixo do valor de troca. Pedimos um favor porque acreditamos que alguém tem mais do que precisa e pode nos dar algo que não lhe fará falta. Pedimos amizade porque nos falta algo que não podemos comprar, ainda que tivéssemos poder aquisitivo para tal. Pedimos amor porque queremos algo a mais que não sabemos muito bem o que é, mas parece que é bom. Pedimos alguém em casamento porque não temos a menor ideia do que estamos pedindo.

Ontem à tarde eu estava andando pela Avenida Weimar Gonçalves Torres na esquina com a rua Pedro Celestino e ouvi gritos de Aleluia! Pensei ser alguém que pedia esmolas e teria sido atendido dando graças a Deus como sempre se faz quando se é atendido em alguma necessidade. Não vi ninguém na rua. Os gritos vinham de dentro de um imóvel em reforma e se transformaram em hinos de louvor.

Parei do outro lado da rua, à sombra de uma árvore e fiz o meu pedido silencioso para que aqueles gritalhões se deixassem ver. Logo saiu da construção um carrinho cheio de entulhos empurrado por um jovem de uns vinte e poucos anos que cantava alegremente o seu cântico de glória. De dentro da construção, de onde se podia ouvir batidas repetidas de marreta contra o concreto, saía, em alta voz outro cântico, diferente do primeiro. Dois homens trabalhando juntos e cantando louvores não combinados davam àquela obra um sentido diferente das demais edificações em reforma. Nada eles pediam, apenas davam seus gritos de Aleluia e Glória à Deus! E cantavam seus hinos individuais.

Fiquei mais um pouco observando. Nada mais eu tinha para pedir e nem para fazer nestes meus tempos de quarentena e aposentadoria. Aqueles pedreiros poderiam pedir um tempo de descanso ou aumento nos salários, quem sabe equipamentos de proteção individual, talvez máscaras para se proteger de doenças respiratórias naquele ambiente cheio de poeira e entulho, mas não, eles estavam gritando aleluia!

Continuei meu caminho. Tem algo de errado em algum lugar. Ou esses pedreiros estavam agradecendo por algo que eles não têm, ou quem tem muito está esquecendo de agradecer o muito que tem!

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