Translate

terça-feira, 15 de setembro de 2020

O CAMINHO INCERTO

             A vida é certa, o caminho nem tanto! Ouvi essa frase na rua e fiquei pensando no que ela poderia significar naquela conversa entre dois homens que passaram por mim em suas bicicletas com a marmita presa à garupeira. Um deles, mais falante, gesticulava com uma das mãos enquanto a outra segurava firme o guidão, o outro cabisbaixo mantinha ambas as mãos no guidão, só tirando uma de vez em quando para assoar o nariz. As botinas manchadas de concreto e as roupas sujas de cimento denunciavam a profissão de operários da construção civil. Passaram e a única frase que ouvi foi essa: A vida é certa, o caminho nem tanto.

Segui com os olhos o filósofo que passara o dia fazendo massa de cimento e provavelmente assentando tijolos de entendimento na triste existência do seu pupilo, a fim de que com as estruturas emocionais concretadas em cima de profundas estacas do conhecimento pudesse erguer as paredes de proteção emocional e dar aquele acabamento com material de primeira qualidade.

Os operários em suas bicicletas carregaram sua filosofia para uma rua transversal e não mais os vi, mas lembrei de já ter lido algo parecido, acho que da poetisa goiana Cora Coralina. O caminho incerto da poetisa durou setenta e cinco anos para só então cultivar seu jardim de versos no quintal da cultura e ser reconhecida como uma das maiores desse meio onde a sensibilidade empresarial é medida pelo potencial de vendas.

Tenho aqui comigo o livro do poeta Geraldo Sanguina, ‘Mixagem de poesia’ escrito com a sensibilidade de um cobrador que virou vigilante de banco. Quantos Geraldo Sanguina estão pendurados em andaimes de construção ou balançando no transporte coletivo ou ainda, andando de bicicleta com a marmita na garupa espalhando sua filosofia e suas rimas para quem se dispõe a ouvir e até para quem casualmente as ouve numa passada ligeira.

Há dias encontrei um poeta na feira, até fiz uma crônica em sua homenagem, Poesia na Feira, vivendo a sua vida, porque a vida é certa. Mas o caminho, a possibilidade de o poeta trocar a porta do banco pela academia, o filósofo descer do andaime e sentar-se à mesa do reconhecimento, esse caminho é incerto, tão incerto quanto reconhecer como intelectual quem compra, a peso de ouro, o caminho na trilha da mediocridade.

Um comentário:

  1. QUANTO TEMPO, HOJE ESTOU AQUI COMO SUA LEITORA,
    ESTOU LENDO AS SUAS POESIAS, QUANDO ME SOBRA UM TEMPINHO.
    HOJE RESOLVI,
    DIZER; COMO ESTÁ A SUA TARDE
    HOJE.
    ME CHAMO
    vera Ribeiro

    ResponderExcluir

ESQUERDOPATA!

  Ontem eu estava fazendo minha caminhada vespertina pela praça do Parque Alvorada e ouvi uns amigos que caminhavam e conversavam animadamen...