E as namoradas, seu Davi? Fiz esta pergunta para um senhor de quase setenta anos de idade que verificava cuidadosamente cada sacola na lixeira do prédio. Claro que essa pergunta não foi assim, de supetão, ela veio depois de um precioso tempo explorando a alegria daquele senhor que virava o lixo em procura de valores desprezados pelos moradores do condomínio. Estou achando dinheiro, me disse o simpático senhor enquanto pegava uma sacola cheia de latinhas vazias, até agora já encontrei dezesseis reais, contabilizou com um sorriso no rosto e amarrou mais uma sacola na garupa da bicicleta.
Seu Davi é o típico cidadão de bem. Trabalhou a vida inteira de
caminhoneiro para dar o sustento à família e agora vive com o dinheiro da
aposentadoria e para as pingas revira cada lixeira que encontra, em busca de
algo que tenha algum valor no mercado de reciclagem.
Não dá para dizer que faz um trabalho consciente para a
preservação do meio ambiente, mas esse extra que o Davi ganha para tomar suas
pingas, duas de manhã e três à tarde conforme me disse sorrindo, é de dar
inveja aos governantes que, apesar de existir uma lei que institui a Política
Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010, não se importam com um problema
ambiental gravíssimo como é o caso dos lixões.
Moro sozinho, disse o alegre senhor e danou a falar dos filhos e
de como os pais devem fazer. Quando o filho chegar nos dezoito anos tem que
mandar ele se virar, filhos crescem e não respeitam mais os pais. Quantos
filhos o senhor tem? Essa foi a pergunta mais difícil que fiz em nossa breve
conversa. Seu Davi abriu as duas mãos e continuou uma conta que começava no
oito: nove, ... dez, ... onze, ... doze é são doze, tenho doze filhos, e
repetiu o ‘doze’ como a confirmar que esse era mesmo o resultado da conta, mas
eu não visito meus filhos, se vou lá eles me perguntam se eu quero alguma
coisa, então nem vou mais.
A máscara cobrindo o queixo indicava que ele sabia bem da
obrigação de tê-la, ainda que não a usasse corretamente, mas as mãos revirando
cada sacola do lixo, sem uma luva, informavam que não era bem a consciência que
contava, mas talvez o medo da fiscalização quanto ao uso da máscara. Continuamos
conversando alegremente até que fiz a última pergunta: E as namoradas, seu
Davi? Os olhos brilharam acima do sorriso e a resposta foi uma evasiva que me
deixou em dúvida: Com essa pandemia não dá nem para beijar na boca... Riu e riu
de novo, embarcou na bicicleta e foi levando seu sorriso para o próximo prédio onde
haveria de encontrar mais algum dinheiro na lixeira.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir