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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

SEU DAVI

E as namoradas, seu Davi? Fiz esta pergunta para um senhor de quase setenta anos de idade que verificava cuidadosamente cada sacola na lixeira do prédio. Claro que essa pergunta não foi assim, de supetão, ela veio depois de um precioso tempo explorando a alegria daquele senhor que virava o lixo em procura de valores desprezados pelos moradores do condomínio. Estou achando dinheiro, me disse o simpático senhor enquanto pegava uma sacola cheia de latinhas vazias, até agora já encontrei dezesseis reais, contabilizou com um sorriso no rosto e amarrou mais uma sacola na garupa da bicicleta.

Seu Davi é o típico cidadão de bem. Trabalhou a vida inteira de caminhoneiro para dar o sustento à família e agora vive com o dinheiro da aposentadoria e para as pingas revira cada lixeira que encontra, em busca de algo que tenha algum valor no mercado de reciclagem.

Não dá para dizer que faz um trabalho consciente para a preservação do meio ambiente, mas esse extra que o Davi ganha para tomar suas pingas, duas de manhã e três à tarde conforme me disse sorrindo, é de dar inveja aos governantes que, apesar de existir uma lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010, não se importam com um problema ambiental gravíssimo como é o caso dos lixões.

Moro sozinho, disse o alegre senhor e danou a falar dos filhos e de como os pais devem fazer. Quando o filho chegar nos dezoito anos tem que mandar ele se virar, filhos crescem e não respeitam mais os pais. Quantos filhos o senhor tem? Essa foi a pergunta mais difícil que fiz em nossa breve conversa. Seu Davi abriu as duas mãos e continuou uma conta que começava no oito: nove, ... dez, ... onze, ... doze é são doze, tenho doze filhos, e repetiu o ‘doze’ como a confirmar que esse era mesmo o resultado da conta, mas eu não visito meus filhos, se vou lá eles me perguntam se eu quero alguma coisa, então nem vou mais.

A máscara cobrindo o queixo indicava que ele sabia bem da obrigação de tê-la, ainda que não a usasse corretamente, mas as mãos revirando cada sacola do lixo, sem uma luva, informavam que não era bem a consciência que contava, mas talvez o medo da fiscalização quanto ao uso da máscara. Continuamos conversando alegremente até que fiz a última pergunta: E as namoradas, seu Davi? Os olhos brilharam acima do sorriso e a resposta foi uma evasiva que me deixou em dúvida: Com essa pandemia não dá nem para beijar na boca... Riu e riu de novo, embarcou na bicicleta e foi levando seu sorriso para o próximo prédio onde haveria de encontrar mais algum dinheiro na lixeira.


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