Ela estava no semáforo com uma placa pendurada no pescoço que
cobria quase todo se belo corpo moreno, no rosto uma máscara de pano escondia a
tristeza, mas deixava dois olhos cansados verem o tamanho do desprezo que a sociedade cristã capitalista tem pelos
estrangeiros, contrariando o próprio texto base da fé que diz em Deuteronômio
10:19: “Amai, pois, o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito”.
Quando o semáforo abriu, andei mais alguns metros, estacionei o
meu carro e fui ter um particular com a moça da Venezuela, não porque me
lembrei do texto bíblico, mas porque certamente já fui um ‘estrangeiro’ neste
lugar. Na década de 1980, quando aportei por estas bandas do Mato Grosso do
Sul, não havia uma única pessoa conhecida a quem pudesse recorrer. Dei-lhe a
moeda e ela me ofereceu um doce, não peguei o doce, ela me ofereceu um olhar
triste, tomei para mim e devolvi-lhe um sorriso acanhado e algumas perguntas.
Quantas perguntas eu fiz? Não sei. As respostas que me deu são infinitas,
ainda hoje, dez dias depois, encontro respostas dela para minhas perguntas,
algumas que não compreendo, outras que fico curioso por saber mais e ainda
algumas que não fazem o menor sentido numa sociedade dita civilizada. Enquanto
conversávamos, o sinal fechou e abriu algumas vezes, os carros paravam e
arrancavam e a moça estava sempre com o pote de doces na mão e a placa
implorando ajuda, pendurada no pescoço.
Ontem recebi uma mensagem do meu amigo Maurício, venezuelano
também, que veio ao Brasil há uns três anos, com a esposa, em busca de uma vida
melhor. Está na Venezuela por uns tempos para cuidar de sua mãe, logo voltará
para Dourados onde estão a esposa e o filho. Quando chegaram à esta cidade,
ficaram três dias em nossa casa. Tempo preciosíssimo.
Lembrei do Maurício quando perguntei para a moça do semáforo
pelo seu nome. Ela me respondeu e eu ainda estou procurando a resposta. Me
disse que se chama Mari. Era ‘a’ resposta ou era ‘uma’ resposta? Não sei. Tanto
faz. Essa pergunta veio no meio de uma conversa não muito difícil do tipo: como
foi que tu vieste parar aqui.
Minha dor estava nela, eu
podia sentir, dor doída, de quarenta anos. Uma história arrastada pelas
estradas, marcada pelo abandono, adoecida pela rejeição, gangrenada pela
miséria, guiada por uma única estrela: esperança! E sustentada por uma força,
que deu lugar ao choro incontrolável quando lhe fiz a última pergunta: E os
teus filhos?
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