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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

O NÃO-TEMPO E O INFINITO

           


            O tempo que efetivamente existe, o tempo presente, este não pode ser medido, o que se mede é o tempo passado e/ou o tempo futuro, e estes não existem, um porque deixou de existir, o outro porque ainda não existiu. Quanto ao tempo presente, este não pode ser medido.

É na matemática que me apoio para demonstrar "matematicamente” a inexistência do tempo. E, a equação é simples: TP (Tempo Presente) = 1/∞ (um dividido por infinito), ou seja, uma parte em relação ao total do tempo que é infinito. É uma fração que “tende” a zero, o que quer dizer que se você, em um determinado momento, tentar medir, não conseguirá, pois no exato momento em que você tentar medir, o tempo já será passado, uma fração 1/∞ de tempo terá passado e no momento  seguinte o valor já será infinitamente menor, sendo impossível determinar o quanto é. Ainda assim, esse instante, que sequer pode ser medido, é mais importante que todo o passado e, também, o futuro!

Tá, mas para que serve isso? Talvez você esteja pensando. Para que se ensina o conjunto dos números irracionais nas escolas? Eu pergunto. Talvez fosse melhor sociologia. Ainda se lembra o que significa osmose? E o dia do fico! Ah, por favor, né! Quem fez ensino médio, certamente já estudou logaritmo. Usou isso algum dia na vida? E raiz cúbica de trinta e um, o cavalo branco de Napoleão, os piolhos da princesa Carlota Joaquina...

Pois eu lhe digo: é nessa exata fração inexata de tempo que depositamos toda nossa energia, geralmente lamentando o passado ou ansiando pelo futuro, daí pensamos estar nos preparando para viver o presente, um presente longínquo que, quando finalmente vir a sê-lo, nada mais será que uma fração 1/∞, ou seja, um nada!

E, é nesse nada que somos ludibriados pelos políticos, roubados pelos banqueiros, extorquidos pelos capitalistas, relegados pela burguesia, excluídos pelo sistema, abandonados à própria sorte pelos médicos, esquecidos nas prisões pelos advogados e enganados pela mídia.

A cada 1/∞ de tempo alguém investe bilhões no mercado financeiro que nada produz, e milhares morrem de fome. Na minha conta, esse nada de tempo pode ser o momento certo para abandonarmos essa corrida dos ratos em que nos enfiaram e dizer um NÃO (bbbeeemmm ggggrrraaaannnnddddeeee) a todo o processo de dominação cultural e olhar ao nosso redor para ver o quanto de belo existe fora das passarelas e o quanto é bom valorizar quem está por perto.

1/∞, é o tempo que você precisa para se libertar!!!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A RAINHA DA BOA VISTA DISSE ADEUS



“Não me acorda que eu estou dormindo!”, essa era apenas uma das dezenas de expressões lúdicas da Rainha no alto dos seus oitenta e oito anos de idade. Nascida em 18 de novembro de 1.933, no distrito de Coqueiros do Sul, RS, mudou-se ainda jovem para a localidade chamada BOA VISTA, na época pertencente ao município de Sarandi, RS onde aos dezoito anos de idade foi eleita a mais bela mulher do lugar, daí o título de Rainha.

“A cerca faleceu!” Descendente de imigrantes alemães, a nossa Majestade, ainda se lembrava de episódios acontecidos durante a segunda guerra mundial. Enquanto nossos valorosos Pracinhas lutavam contra o Nazismo, na pacata Boa Vista as autoridades proibiam que se falasse em alemão, idioma predominante na comunidade. Sem saber da proibição, quando chegou na escola cumprimentou os colegas com um delicioso: Guten Morgen, pelo que foi levada de castigo e informada da dura proibição. No dia seguinte um aluno não compareceu à escola e, quando o professor perguntou para a irmã o motivo dele não ter vindo respondeu, em português, claro: “A cerca do potreiro faleceu!”

Economizando um Patacão! A escola oferecia ensino para as quatro séries iniciais em uma única sala de aula e cada professor lecionava para duas séries ao mesmo tempo. Os salários eram pagos pela comunidade, então os pais contribuíam com um Patacão (equivalente a três patacas, ou seja, 960 Réis) por mês para cada aluno matriculado.  Quando estava no quarto ano, os professores brigaram “feio” no pátio da escola e um deles abandonou as turmas e foi embora. Para que as aulas não parassem de ser ministradas, o remanescente professor procurou o pai da nossa homenageada e pediu que ela ajudasse com o ensino nas duas séries órfãs do briguento fujão, daí em diante não precisaria mais pagar o Patacão de mensalidade. Era uma aprendiz de professora aos dez anos de idade!

Não tinha fotógrafo! Eleita Rainha da beleza de Boa Vista aos dezoito anos, desfilou pelas ruas da cidade, com direito à banda de música, até o salão de baile onde valsou com o virtual futuro marido, um show, só não havia fotógrafo para registrar o momento triunfal. O registro se deu tempos depois quando por ali passara um fotógrafo e pedira hospedagem no salão de baile, que também era pensionato. O buquê foi colhido ali mesmo, das flores que aparecem ao fundo.

No meio do mato. Nove dias de estrada e o caminhão de mudança chegou ao novo destino no dia 25 de junho de 1.952 no pobre reino de Novo Sarandi. Pobre, o reino e a Rainha! Precariamente instalada na Vila e miseravelmente vivendo no meio do mato, em seu “palácio” sempre tinha lugar para mais um, não só desconhecidos que precisavam de acolhimento, mas de filhos que, de um em um alimentavam o desespero de um reino falido. Este escrevinhador é o último da prole, indesejado nascituro no reino, resistiu no serviço da Rainha até o último dia.

 O último suspiro. Depois de cumprir setenta anos de mandato, a Rainha respirou pela última vez. Já idosa, voltava às salas de aulas do ensino fundamental para ministrar aulas de história dos “primeiros tempos”. Foi presidente do Apostolado da Oração, do Bolãozinho, do Clube dos Idosos e nas diretorias dessas entidades contribuiu por décadas. Mas o tempo, este mesmo que não pode ser medido, a não ser no passado, quando já não é, ou no futuro quando ainda não é, este mesmo tempo, cruel e infalível, marcou a data do fim e, a Rainha, a mais bela mulher da Boa Vista, a Princesa do Clube de Idoso Sempre Unidos, daria seu último suspiro.

Estava tão bela a Rainha, deitada em seu caixão, tão suave seu semblante, quase sorria, parecia rir dos que permaneciam neste reino de incompreensões, acho mesmo que estava prestes a receber a Coroa stephanos, incorruptível, para um mandato de glória no Reino da Eternidade. A Rainha da Boa Vista, que neste mundo se chamava Helga Gehlen fechou definitivamente os olhos para as mazelas da humanidade no dia 19 deste fevereiro, nos braços deste escrevinhador.

Até breve, minha Rainha!


sábado, 19 de fevereiro de 2022

A CRÔNICA DA DOR

 A dor que dói,

                         o sentimento,

                                                  solidão.

dói a dor,

                        vazio

     dói!

 

Os olhos

                        fechados

                                               as lágrimas

os olhos

                        não tem olhar

                                               o infinito

 

O tempo

                        é finito

                                               vazio

A dor

                        é infinita

                                              

 

A tristeza

                        é a dor

                                               que dói

a tristeza

                        é infinita

 

Ninguém deve viver além

A ciência não tem direito

                                    de prolongar a dor da alma.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

JUSCELINO MORREU E FOI PRO CÉU (Parte III)

 (OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: O texto abaixo é a terceira e última parte de um conto que será publicado no próximo final de semana no jornal Folha de Dourados folhadedourados.com.br. Comente se quiser)

Juscelino andou pela Rua Aurora sem nenhuma pressa. Olhou os jardins das casas e prédios, acenou aos passantes e se interessou quando alguém lhe pediu uma ajuda por favor. Na padaria Pão Gostoso comprou o pão integral que gostava, dois litros de leite de saquinho e umas bolachas de maisena. Ia saindo e a moça do caixa pensou conhecê-lo, quis lembrar seu nome, deu de ombros. Seguiu pelo corredor público até alcançar a Rua Fortaleza, virou à direita e seguiu até o número 3.564 onde parou e olhou cuidadosamente os detalhes da porta antes de girar a maçaneta e entrar.

- Papai, papai...

- Oi filho.

- O vovô já tá dormindo!

- Amor, a janta está na mesa. Crianças já para o banheiro lavar as mãos.

- Vamos filho, coma tudo que hoje vocês brincaram bastante.

- Lá no parque tinha um homem bem legal, ele jogou bola com a gente...

- Depois veio a polícia, queria sabem que era...

- É filho, vocês precisam ter cuidado com estranhos...

- E o vovô quando que ele vai jantar?

- É verdade que o vovô vai viver mil e trezentos anos? Foi a mamãe que falou...

O “Vovô” estava sentado confortavelmente em uma cadeira de balanço, tão confortável que já dormia há mais de meia hora, mas acordou de repente quando o netinho disse que viveria essa infinidade de tempo, quis levantar-se para contestar o garoto, mas sentiu uma presença como se encontrasse consigo mesmo, então recostou-se outra vez na cadeira para mais um sono, mais tarde jantaria seu refogado de abóbora com carne moída.

- Amor, gritou Juliana da cozinha, você comprou pão integral?

- Não, querida, respondeu João. Ia comprar, mas acho que esqueci...

- Mamãe, posso comer um pouco daquelas bolachas de maisena?

 

 

O Sol foi descansar o dia, o banco descansa Juscelino enquanto o parque ilumina o caminho percorrido. O parque não descansa, o parque tem vida, o parque é o Jardim, Juscelino está no parque, a Ciência está perdida nela mesma, não tem descanso. A Ciência ilumina o caminho do parque, têm muitos caminhos, muitas luzes. Juscelino está no parque. Juscelino morreu. Vovô morreu. As luzes do parque mostram o caminho para a Ciência. Segue o caminho, tem muitas luzes no Iluminismo. A ciência prolonga os dias de sofrimento, mas não impede a morte. Vovô morreu e a Ciência continua seu caminho.

- Bom dia Juscelino, me fale do teu pai.

- Eu tinha setenta e dois anos... – Juscelino pôs as mãos nos bolsos e os olhos nos pés, uma árvore cruzou seus passos e outra tocou-lhe as costas levemente. Um bolso deixou a mão direita sair e mostrar ao longe um bando de garças boeiras voando em bando. – Eu tinha setenta e dois anos quando me lembrei, pela última vez, do meu pai. Ele ficou hospitalizado, a Ciência prolongando o seu sofrimento por vinte e cinco dias, e morreu.

- E depois, de que mais você se lembra?

- Daí ouvi meu filho dizer que se eu morresse logo seria um alívio para todos.

- Isso foi ontem, Juscelino. O sofrimento acabou.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

ATCHIM! SAÚDE, R$ 8.000,00 POR ANO.

                 UTI é um desses lugares onde a gente espera nunca ter que passar além da placa e da própria definição: Unidade de Terapia Intensiva. Pois é, hoje entrei numa para ficar pelo menos até amanhã de manhã. Mesmo admitindo que esteja mal, e que, de certa forma esteja necessitando um tratamento intensivo, essa internação é só mais uma daquelas regras que se quebra pelo bom-senso. Minha mãe, oitenta e oito anos, está sob tratamento médico hospitalar e pediu para que o filho pudesse ficar junto dela.

Acabei de ter uma conversa com a simpática Júlia Lionardo, e ela me garantiu que sim, aqui tudo está limpo, muito limpo, ainda assim ela passa o pano em cada cantinho à procura de uma sujeira qualquer que por ventura tenha querido brincar de esconde-esconde. Mal saiu a Júlia, toda sorridente com seus apetrechos de limpeza e entrou o Cristiano Bortoletto, me cumprimentou e fez um breve relato de como foi a cirurgia, um sucesso, mostrou-me o raio-x da prótese que fora colocada para fixar o fêmur que tinha quebrado e disse que a recuperação estava indo bem. O problema agora eram os rins e os intestinos que andavam preguiçosos. Júlia cuida da limpeza, Criatiano é cirurgião, ambos têm o mesmo valor para mim, pois estão cuidando da minha mãe que, aos oitenta e oito anos de idade caiu e quebrou o fêmur, muito próximo do quadril. Sem os cuidados do Cristiano ela não teria mais nenhuma chance de mover a perna, sem os cuidados da Júlia, talvez morresse por infecção hospitalar.

De um lado da cama, um aparelho eletrônico monitora os batimentos cardíacos, a respiração e a pressão arterial, do outro, quatro tubos com medicamento invadem o sistema venoso. Descobri que na equipe de enfermagem tem pelo menos uma atleta, a Luciana está sempre indo e vindo com algum cuidado especial, calculo que em menos de duas horas deve ter feito uma marcha atlética de pelo menos uns dez quilômetros. Exagerei? Perspectiva! A Leonice, a Gabriela a Marilu e a Sabrina completam o Time de enfermagem.

O doutor Maicon veio me dizer o que eu já sabia, que estava difícil “pegar” veia e sugeriu o que eu nem imaginava, “pegar” uma veia no pescoço, a jugular, para um quinto tubo de medicamentos, antes trouxe um aparelho de ultrassom e achou uma veia no braço, não deu, procura-se por uma no pé, também não deu, vai na jugular mesmo. Junto com o Maicon estavam a Luana e Ana e a Naiara e a minha mãe sempre dizendo ai, ai, ai. UTI é um lugar assim, faz jus ao nome: Intensivo!

Quanto custa isso tudo? Bom atendimento é valor intangível, imensurável, adjetive como quiser, mas a estrutura tem custo. Se for público o plano se chama SUS e é custeado por recursos de todos os brasileiros. Neste caso, é privado e mantido por plano de saúde que meus pais mantêm há uns trinta anos e hoje custa aproximadamente R$ 8.000,00 por ano. Caríssimo para a maioria dos brasileiros, barato pelo atendimento. Este lugar se chama Hospital Rondon.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

JUSCELINO MORREU E FOI PRO CÉU (Parte II)

 

 (OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: O texto abaixo é a segunda parte de um conto que será publicado assim que estiver concluído. Esta parte é exclusiva para quem lê o blog. Comente se quiser)

Uma algazarra de crianças fez o outro lado do parque voltar os olhos para Juscelino. Tudo estava silencioso há poucos minutos e as crianças pareciam cochichar umas com as outras enquanto brincavam de carrinho transportando montanhas de terra para aterrar o buraco de um tijolo que fora arrancado do muro e por onde poderiam passar perigosíssimos ratos ou baratas muito nojentas. Juscelino tomou a bola delas, que estava abandonada, emprestada e começou a dar embaixadas, daí um dos garotos se aproximou e ficou olhando até que a bola chutou seu pé e ele pulou e gritou de alegria com as três embaixadas que dera. Misteriosamente as obras do aterro foram paralisadas, enquanto uma galerinha fazia o maior fuzuê ao redor daquele moço musculoso e bonitão. Do outro lado do parque, entre os adultos olhos que se voltaram para aquela algazarra, uma boca pegou o telefone e ligou imediatamente para a polícia solicitando providências urgentíssimas, pois havia um adulto muito estranho e bonito brincando com crianças ingênuas e indefesas.

Quando a polícia chegou todas as crianças estavam com o braço esticado e o dedo indicador direcionados para o Leste.

- Recebemos uma denúncia de que havia um adulto estranho brincando com as crianças...

Esclarecido o fato de que o mundo não conhece o paraíso, Juscelino pode, outra vez, andar pelo parque. Mal dera cinquenta passos atléticos e estacou atrás de uma frondosa figueira, por entre as árvores passeava uma conversa de casal, ora para oeste, onde brincavam as crianças em algazarra, ora para o Leste, onde um andador sentara seu amo a um banco solitário e triste. As crianças tinham todos os planos de vitória e riqueza. O andador deveria se conformar com a morte do Amo.

Duas crianças passaram em desabalada carreira para um salto olímpico nos braços do pai e na cintura da mãe.

- Pai, você me ama de verdade?

- Claro que eu te amo, pais amam os filhos eternamente!

- E você, mamãe?

- Eu também, minha filha, desse mesmo jeitinho!

Cheias de orgulho, as crianças voaram para o oeste até que a algazarra as alcançou.

- Se ele morresse logo, seria um alívio para todos nós...

A infância que não o teve na infância, agora o tem infantil na idade adulta!

sábado, 5 de fevereiro de 2022

JUSCELINO MORREU E FOI PRO CÉU - (I)

 (OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: O texto abaixo é a primeira parte de um conto que será publicado assim que estiver concluído. Esta parte é exclusiva para quem lê o blog. Comente se quiser)

JUSCELINO MORREU E FOI PRO CÉU

Havia chovido por toda aquela noite e a terra estava encharcada, as árvores ainda pingavam água das folhas enquanto os pássaros acordavam o dia com seus cantos pulando de galho em galho, poças de água se formavam no chão refletindo um céu claro que amanhecera sem uma nuvem se quer! A janela do quarto se abriu no primeiro andar e ainda uma última gota de chuva, vindo do telhado, passou pelos olhos de Juscelino e foi prender-se ao chão onde plantas ornamentais olhavam distraidamente para o bosque de árvores centenárias.

“Âghhhh”, fez Juscelino enquanto se espreguiçava abrindo os braços para o mundo e os olhos para o céu. Mal sabia onde estava, tão bem dormira aquela noite molhada. Dormira sono profundo, acordara quase anestesiado. “Ârghhhh”, flexionou o corpo até o chão e voltou, abriu outra vez os braços. O Sol está um dia lindo! Virou-se e andou até encontrar um “Olá” quase sorridente, depositou sobre o banco do jardim a confiança de que precisava para falar e sorriu: A vida é o infinito no denominador, tende a zero, mas você sempre acha que pode acrescentar mais um!

- Como se sente no teu primeiro dia?

- Meu pai morreu, ele disse e olhou para si mesmo. Ficou em pé para se ver melhor, a roupa estava bem em seu corpo, fechou a mão e puxou o antebraço até próximo do ombro, sentiu os bíceps apertando a manga da camisa, ergueu também o outro braço e sentiu a musculatura do peito. Sim, era jovem ainda, deu dois passos adiante e olhou na poça d´água limpa, viu nela a figura de Narciso.

- Me fale do teu pai...

- A morte é o infinito da vida. - Juscelino deixou essa frase flutuando até o horizonte, foi fechando os olhos aos poucos até que a última letra desaparecesse no infinito. – Desapareceu, ele disse, mas se eu tivesse mais um grau de lente, então poderia vê-la ainda um pouco, e depois mais um grau... Ele não era rico, nem pobre, chamava-se Elpídio, passou a vida inteira esperando pelo dia da morte e, quando ela finalmente chegou, tinha ainda a esperança de acrescentar mais um dia ao seu sofrimento.

- Ah, morte! É quando o tempo que queremos infinito se mostra finito para finalmente ser o que é: infinito!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

AIRBNB NÃO É DE VERDADE, MAS É MUITO VERDADEIRO

             Ano passado fiz várias viagens para Dourados e sempre ficava hospedado em hotel, até fiz elogios e escrevi duas crônicas falando dos urubus que diariamente visitam a piscina do “Alphonsus” que agora não é mais Alphonsus, mas Bravo City,  e não tenho do que reclamar, o atendimento no Bravo e em outros hotéis onde me hospedei sempre foi elogioso. Em outubro fui para Natal e tive a maior decepção, o hotel onde passei meus catorze dias de férias, a menos de cem metros da praia de Ponta Negra, parecia ônibus fazendo sua última viagem antes de ir para o ferro-velho. Como diz o ditado: “há males que vem para o bem!”

Decidido a não mais comprar pacote de viagem que inclua hospedagem, passei a buscar por informações que me dessem alternativas de hospedagem e foi aí que me lembrei de pesquisar esse tal de AIRBNB. Hoje estou em Dourados, outra vez, confortavelmente instalado numa casa inteira, mobiliada, que aluguei por valor menor que diária de hotel, só que com muitas vantagens, a começar pela quantidade de pessoas que, neste caso pode chegar a três sem alterar o preço de hospedagem.

AIRBNB é uma empresa que ajuda proprietários a alugar sua casa ou apartamento simplificando o processo de contratação e pagamento e permitindo que o viajante tenha mais espaço e conforto nas hospedagens. Ainda que a sigla não signifique quase nada nesse processo, o aplicativo parece funcionar muito bem. AIR, significa “ar” em Inglês e surgiu quando os fundadores da plataforma iniciaram o negócio alugando colchões infláveis para visitantes que procuravam lugar para ficar, mas os hotéis estavam todos lotados, e BNB é “Bed And Breakfast” que, numa tradução livre quer dizer: Pousada (cama e café da manhã), também não confere com a realidade do negócio. O que se aluga são casas e os colchões são de espuma mesmo e não se oferecem breakfast, mas os móveis e os utensílios para que o visitante possa, se quiser, preparar seu breakfast ou outra refeição. Meu breakfast hoje foi sobra de pizza da janta de ontem! Sobrou cerveja também, mas não tomei no desjejum.

Quando cheguei, ontem, o proprietário mostrou-me a casa e, em dado momento, dirigiu-se a um móvel em especial, olhou para mim e disse: Aqui tem uma escrivaninha, soube que tu és escritor! Além da escrivaninha e todos os belos móveis da casa posso contar com a prestimosa atenção dos anfitriões, José Humberto e Danielle, facilmente encontrados na internet pelo endereço: https://www.airbnb.com.br/rooms/47869474?guests=1&adults=1 ou simplesmente AIRBNB dourados onde tem vários outros imóveis para sua escolha para vários gostos e gastos. De minha parte acho que vai ser difícil escolher um hotel outra vez, principalmente na praia de Ponta Negra. Deve ter alguém por lá alugando casa ou apartamento pelo AIRBNB!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

LIBERDADE

 

NÃO,  NÃO,  NÃO...

 

Chega

          de não

 

Agora

                      Quero

                                 O

SIM!!!

 

               

 

           

            S

       I

       M

       !

       !

 

 

Sim,

vou escolher

       a

liberdade!!!

 

 

Quanto custa?

 

Não sei.

 

SER LIVRE

 

Não tem definição

somente uma prática

ir além do planejar

romper todas as regras

romper com o passado

e ser o que se é!

 

Não precisa de uma rima

Liberdade não tem regra

Nem verso

Nem prosa

Só tem

Vida!!!!!!!!!!

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

SE VAIS AMAR

 

Se vais amar:

                             ame!

           Não fiques

                             falando

Falando não vais nunca

                             amar.

 

Se vais me amar:

                             ame-me!

          Não fiques

                            prometendo

Prometendo não vais nunca

                            me amar!

 

Se queres ser

                            amada

          Não fiques

                            esperando.

          Esperando não vais nunca

                            ser amada!

 

Quando amares

                            perca

                                      tudo

          e

                           ganharás

                                     o amor!!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

QUANTO DE VIDA PRECISAMOS PARA PODER MORRER?

             A expectativa de vida do brasileiro é de 76,8 anos segundo último levantamento do IBGE, que não inclui o período da pandemia do novo coronavírus. Esta média, claro, inclui os que morrem muito jovens ainda e que praticamente não puderam viver a vida por suas próprias decisões e, também os muito velhos que já não decidem como viver, são os outros que literalmente tomam as decisões por eles.

Uma Pessoa adulta quando entra para o mercado de trabalho recebe uma informação bem básica de que seu dia será dividido em três partes: 8 horas para o trabalho, 8 horas para o lazer e 8 horas para dormir; as horas trabalhadas serão remuneradas e o dinheiro será destinado para as despesas pessoais das outras dezesseis e se sobrar pode ser poupado ou investido.

A regra é clara, o patrão compra um terço da vida do trabalhador e, de propriedade deste, transforma o tempo adquirido em força de trabalho e este em produção, vende o produto e apropria-se privativamente do lucro. Com dinheiro na mão, o capitalista faz algo extraordinariamente grande! Além de possuir e administrar sua própria vida, adquire e administra, como sua, um terço da vida de todos os seus empregados. Com essa observação, que é verdadeira!, o trabalhador, enquanto tal, vive apenas um terço dos anos de vida, dado que dorme outro terço e vende ao patrão o restante.

Antes, este mesmo trabalhador certamente dedicou anos de vida preparando-se para o emprego. Esse tempo também pertence ao patrão, pois todo o aprendizado lhe é entregue em troca de um salário, mas o patrão nada lhe pagou por isso, recebe gratuitamente e ainda exige a qualificação profissional para admiti-lo no emprego! Cada vez mais se exige que crianças muito jovens sejam entregues a instituições educativas, roubando-lhes que há de mais precioso: sua infância.

Não satisfeito em se apropriar da infância e da juventude sem remunerar absolutamente nada, e ainda adquirir monetariamente um terço da vida “útil” dos trabalhadores, os patrões exigem dos governos que retirem o direito à aposentadoria, elevando a idade e diminuindo a remuneração, até o limite em que o trabalhador já não tenha mais disposição física para viver com alguma qualidade.

Então, quanto é mesmo o tempo em que se “vive” antes de morrer?

sábado, 1 de janeiro de 2022

IRRACIONAL

Eu desisto

                        de ser racional

                        desisto

 

O fruto da árvore

                        não tem o menor

                        sentido

 

não sinto desejo

                        sinto

                        desejo

 

o desejo que

                        sinto

                        puro desejo

 

não é

                        razão

não é

                        não é desejo

 

Emoção

 

Não quero ser racional!!!!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

ANO NOVO: INVESTIR PARA O FUTURO!?!?!?

             Eu já fui tachado de Chato por escrever crônicas muito verdadeiras!  Chato é aquela pediculose pubiana que incomoda e causa constrangimento e irritação, no caso o Pthirus púbis, que irrita a pele, mas, se for um escritor... Já estou numa idade em que não tenho mais nenhuma necessidade de muitas curtidas em minhas publicações, também não espero reconhecimento público pelo meu trabalho, então estou ‘de boa’, como dizem os jovens, para escrever sem rodeios. Se meus textos alcançarem um ou dois leitores interessados, já me dou por satisfeito!

E, se por acaso, pelo menos um estiver pensando em poupar para o futuro, que tal um plano de aposentadoria? Quando chega o ano novo todo mundo canta aquela música que fala de muito dinheiro no bolso e saúde para dar e vender. Não desejo estragar a festa de ninguém, então vamos lá, falar de dinheiro no banco e saúde no hospital, que é de onde a gente tira esses produtos para o consumo, especialmente quando se está aposentado. Mas, se esses planos de aposentadoria propostos pelos bancos e planos de saúde são tão bons para seus contribuintes, qual a vantagem dos operadores? Pela propaganda, eles devem ser muito bonzinhos!!

Andei fazendo umas contas, que matemático é assim, faz conta até para saber se vale a pena ter um amor! Não sou contra planos de aposentadoria, mas só queria entender o porquê de os bancos e as financeiras apostarem tanto no “seu bem-estar futuro” com planos tão “maravilhosos” de aposentadoria, em que você investe “um pouco” a cada mês e “garante” seu bem-estar na velhice. O texto a seguir não é uma recomendação para que você invista ou deixe de investir num plano qualquer.

Eu fui empregado da Caixa Econômica Federal por 28 anos e, como todo mundo sabe, economiários podem contribuir para um plano de previdência complementar onde o empregado paga uma parte durante o tempo em que trabalha na empresa e o empregador, no caso a CEF, paga a outra e quando o trabalhador se aposenta recebe um valor complementar. Eu optei por não contribuir e hoje vivo da aposentadoria do INSS, enquanto meus colegas tem um belo adicional em seus proventos, por outro lado, eu pude usufruir do dinheiro que daria para o fundo durante os vinte e oito anos que fui empregado na empresa! Foi uma escolha.

Previdência privada não é bem assim, o montante gerador do benefício é feito exclusivamente pelo contribuinte e o operador ainda cobra uma taxa para administrar o dinheiro e no fim o governo ainda cobra pelo menos dez por cento de Imposto de Renda sobre o valor total do benefício. Ainda assim pode ser bom, se você se dispõe a contribuir por um longo período, tipo uns trinta anos. Só não se esqueça que, se tiver uma crise generalizada no mercado financeiro, a empresa pode quebrar e o contribuinte ficar sem nada.

Eu disse, lá encima, que ia fazer uma conta, afinal sou matemático! Então vamos lá. Só para facilitar, vamos imaginar que uma operadora consiga atrair mil participantes que se disponham a pagar mensalmente o valor de R$ 1.000,00 por mês para ter uma aposentadoria de aproximadamente R$ 5.000,00 por mês depois de trinta anos de contribuição. O benefício está claro, R$ 5.000,00 por mês, mas qual é mesmo a conta do operador?

Simples, com mil participantes, o operador arrecada mensalmente a bagatela de R$ 1.000.000,00. Isso mesmo, um milhão de reais, e sabe do melhor? Só vai pagar a primeira parcela para o contribuinte depois de trinta anos quando já tiver arrecadado nada menos que R$ 360.000.000,00. Entendeu? Primeiro o operador do plano de previdência retira R$ 360 milhões de reais do mercado para só então devolver R$ 5.000,00 para cada participante!!

Nem todo participante paga R$ 1.000,00 por mês, mas existem, no Brasil, mais de 13 milhões de participantes, e arrecadação mensal supera a casa de R$ 8 bilhões mensais, aí já fica fácil de imaginar que o valor destinado aos bancos e financeiras é bilionário, e eu não estou nem aí se eles ficam ricos. O que me preocupa é como a sociedade empobrece. Esse dinheiro deveria estar no mercado, gerando empregos e bem-estar para todos.

Previdência privada é só um rabinho neste monstro chamado capitalismo financeiro. A verdadeira mensagem dos bancos e financistas é: deus é o dinheiro!! Adore o teu deus e danem-se os teus irmãos!

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

ESCOLA DE MENINOS E MENINAS

Uma escola é sempre uma escola, esse lugar onde a educação se dá por professores miseravelmente assalariados trabalhando na esperança da libertação intelectual de seus pupilos. Me perdoem a expressão, mas alunos parecem tão abandonados pelas famílias que, ao adentrarem pelos corredores das escolas, em regra, cabe-lhes perfeitamente pensar que estão em um orfanato, tutelados por professores inquietos e sofridos, vigiados pelos Bedéis de plantão, alimentados por cozinheiras famintas e dirigidos por algum orgulhoso diretor que se acha o Rei da Cocada Preta!

Uma das coisas mais impressionantes nas escolas, é a de que os alunos nunca crescem, entra ano, sai ano, mudam professores, elegem-se novos diretores e os alunos tem sempre a mesma idade. Estou passando este ano de 2.021 na mesma localidade onde estudei as séries iniciais a mais de cinquenta anos, esta semana passei em frente da mesma escola onde fiz o quinto ano escolar e lá estavam os mesmos alunos, seus uniformes e a idade que eu tinha a mais de meio século atrás. O curioso é que quando mudam os políticos, parece que o sistema educacional vai mudar; não muda, educação continua sendo uma forma de preparação para o mercado, onde os ricos exploram os pobres.

É dessas escolas, desse sistema educacional que saem a maioria dos professores, políticos, líderes espirituais, profissionais liberais, trabalhadores, e até escritores! que vão se distribuindo proporcionalmente entre explorados, a maioria, e exploradores, ambos bitolados num sistema capitalista reprodutor de miséria e hedonismo.

Não se pode esperar muito mais do que isso que temos, de uma sociedade onde quem deveria educar já sai deseducado da escola, ou políticos que aprendem logo cedo pelo exemplo dos pais que quanto menos qualidade tiver o ensino mais fácil iludir o eleitor, ou o líder espiritual que, de bíblia na mão apoia político fascista, ou o profissional liberal que cobra pelo serviço que não fez e até pelos erros que cometeu; todos simples mortais. E os escritores? Ah, estes têm a Academia!

Quando escrevi meu primeiro livro, ainda na década de 1.980, já me achava um imortal, até guardava rascunhos para futuros pesquisadores que desejassem publicar minha biografia. Mal sabia eu que era de leite que me alimentava, alimento sólido não podia suportar, era ainda uma criança brincando de intelectual. O livro nunca ganhou uma publicação e foi parar na churrasqueira onde se queimou junto com meu passado infantil. Quatro décadas depois, estou publicando meu terceiro livro e fui convidado para ocupar uma cadeira na nascitura Academia de Letras do Brasil de Dourados, um orgulho!

Academias de Letras são instituições sólidas onde o saber, a cultura e a pesquisa acadêmica são consolidadas e a produção intelectual se dá constantemente por escritores pesquisadores, intelectuais comprometidos com desenvolvimento da escrita, que divulgam suas produções literárias e as tornam acessíveis à população, sem bajulação deste ou daquele poderoso de plantão, mas transformando em letras sensíveis os sentimentos do povo, fazendo do rude o suave, da tristeza a esperança e da ignorância o saber revolucionário que empodera o fraco e sensibiliza o forte...

Me perdoem ter sonhado! Não, as Academias não são isso, em geral não vão além de Escolas de Meninos e Meninas que se alimentas de leite e brincam de Super-homem e Mulher-Maravilha. 

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

E ERA PARA SER NATAL...

   O carro de som passa na rua em frente de casa drapejando música natalina a flamular no vento quente e traz o inverno que se pendura nas árvores enfeitadas de gélidos cristais de algodão. Luzes piscam o colorido nos umbrais das portas sangrando a certeza da incerteza da salvação, nesta noite não haverá a morte do primogênito, todos estarão a adorar o deus da luxúria. Não há uma única informação de que o dia seja 25 de dezembro, mas sem ele, a que haveríamos de nos apegar para o milagre da multiplicação dos lucros?

    É quente esta tarde de verão dezembrino, o sol se põe, mas se esquece de retirar o calor que dorme a noite toda até que volte o sol no dia seguinte para acrescentar ainda mais quentura a esse dias de espera pela salvação das commodities numa chuva que, prometida pelos homens, não vem, nem mesmo triplicando os preços internacionais, se chovesse, a lavoura produziria e seria vendida para outros países, pelo menos teríamos dinheiro, enquanto isso, o Salvador descansa o sono dos justos.

  Jingle Bells flutuam na névoa poeirenta do tempo seco, brilhando notas pelo alto-falante musical que chama consumidores para aproveitar as ofertas imperdíveis do comércio. O amor é demonstrado em notas de dez, vinte, cinquenta, cem reais, mas se não tiver não se preocupe, aceitamos todos os cartões. Presentear é um gesto de amor, amor maior é presentear quem vai te presentear. Ainda que isso seja uma verdade mentirosa, é muito verdadeira a adoração que se faz ao verdadeiro Senhor do natal: Momo!

 O espírito natalino põe em liberdade delinquentes de bom comportamento que já estavam em liberdade mesmo antes do espírito natalino. Agora, o espírito lhes dá poder de persuasão e o dinheiro se aglomera em grandes cultos onde são ofertados aos ministros e dali carreados ao altar da hipocrisia para distribuição em partes diretamente proporcionais à capacidade de cada comerciante em ludibriar o consumidor com ofertas ilusórias de salvação hedonista. O leão é de ouro!

   Jingle Bells, Jingle Bells... ouro, incenso e mirra flutuam os Reis Magos no estábulo, a Glória foge apressada, o Egito cavalga a mula até o Rei, enquanto a morte domina o delinquente de bom comportamento assentado no trono. Jingle Bells, Jingle Bells, os comerciantes do Templo fora expulsos e as bancas derribadas! Jingle Bells, Jingle Bells, eu sei que Jesus talvez se alegre contigo, mas você, alegra-se com a vida de Jesus?

         Ele era um revolucionário!!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

UMA CARTA DO CÉU

(Carta de um advogado que morreu e está no Céu, onde cada profissional deve passar um longo período de tempo convivendo exclusivamente com seus colegas de profissão)

Caros colegas advogados, aliás, doutores advogados, que é assim que gostais de ser tratados, mesmo que a maioria de nós jamais tenha sentado nossas doutas bundas num curso de mestrado, quiçá doutorado. Me desculpem o palavreado um pouco chulo, mas aqui onde me encontro agora, de nada adiantam expressões em latim ou palavras difíceis de serem compreendidas, o Juiz, Justo Juiz, diga-se de passagem, coisa rara por aí também, prefere a verdade demonstrada com simplicidade e pratica sempre a justiça, outra coisa rara nesse mundo dos vivos. Não quero me alongar nas iniciais, mas dizer que esse mundo onde estais agora é dos vivos chega a beirar o ridículo, daqui se pode ver a morte sempre presente em vosso meio, aqui, sim a vida é plena!

Vos escrevo esta missiva para dizer que estou bem aqui e para que tenhais esperança, pois mesmo sendo pouquíssimos os que passam pela porta estreita, não é impossível que um camelo passe pelo fundo de uma agulha. Mas, não se iludam, mesmo tendo o privilégio dos poucos que advogam no Reino, aqui ainda não é o Céu dos Céus. Neste lugar, cada categoria deve passar um longo tempo de purificação, convivendo exclusivamente com seus colegas de profissão, então, desde que cheguei, exatamente no dia 2 de abril de 2005, tenho me relacionado somente com advogados, todos salvos, claro, mesmo assim não tem sido fácil. Parece que nossa profissão é a essência da vaidade. Aqui, ninguém pode ser chamado de doutor e isso é um choque até para os mais Santos dos jurisconsultos.

Há uma história que até aqui chegou, trazida pelos anjos correspondentes vindos daí da Terra, que diz que quando o Papa João Paulo II morreu e se apresentou na entrada celestial, São Pedro pediu-lhe um pouco de paciência, pois havia acabado de chegar ao Céu um advogado que teria a preferência. O Papa teria argumentado que fora chefe da igreja e que mesmo em vida era considerado Santo. São Pedro teria dado duas leves batidas no ombro e informado que Papas já haviam vários no Céu, mas advogados, bem, este que ali estava às portas do Paraíso, este seria o primeiro! De fato, o ocorrido se deu e, coincidentemente o advogado era eu mesmo. Mas, necessário se faz uma pequena correção, mesmo tendo a preferência sobre o Santo Padre, não é bem verdade que eu tenha sido o primeiro advogado aqui onde se vive eternamente, mal entrei e um anjo me encaminhou para o escritório de advocacia do Céu, onde haviam poucas pessoas, trajes celestiais e uma auréola sobre a cabeça,  “estes são todos os advogados” disse e foi embora.

Me desculpem ter tomado vosso precioso tempo com essa história do Papa, mas é que aqui temos tanto tempo disponível que vocês nem conseguem imaginar! Os prazos dos processos são determinados pela data da morte do réu. Não há outro prazo, até essa data o réu pode receber o perdão gratuita e voluntariamente, não se fazem apelações, não há recursos, nada. Eu sei, muitos de vocês diriam: Então, como vamos ganhar dinheiro? Lamento informar, mas esse jeito de fazer com que o processo se prolongue infinitamente, é um jeito estúpido de ganhar dinheiro. Cada vez que você faz isso, você está produzindo prova contra ti mesmo. Daqui se pode ver tudo, agora mesmo estou vendo um conluio entre um advogado do exequente e outro do executado, combinando como fazer para prorrogar o prazo do julgamento e tirar o máximo de dinheiro de ambas as partes!

Eu morri em 2 de abril de 2005. Nestes dezesseis anos em que estou advogando pelas causas celestiais não achei um justo sequer. Então, caros colegas militantes do direito, chega de se arvorar pelos tribunais cheios de razão e superioridade, a grande verdade é que os que mais se orgulham, mais serão humilhados! Nesta década e meia pude fazer uma pesquisa que talvez ajude a compreender os fatos. Escolhi uma cidade, aleatoriamente e verifiquei o julgamento final, esse do Justo Juiz, em duzentos processos em que o advogado e o cliente já haviam morrido. Acreditem, apenas um advogado foi admitido ao escritório celestial e aqui está trabalhando há trinta e dois anos.

Não posso dar detalhes sobre nosso trabalho no Céu, mas, se talvez quereis um conselho, só um que seja, eu diria: Deixem de ser arrogantes, pois isso não tem valor nenhum perante o Justo Juiz! E não se esqueçam, aqui sois réus e o prazo final do processo é o dia de vossa morte.

Eternamente...

 

Advogado.

domingo, 12 de dezembro de 2021

NAMORAR COMO ANTIGAMENTE

             - A gente podia namorar como antigamente...

João Pequeno queria namorar, e namorar como antigamente, sentar na sala e ver televisão, tomar chimarrão na área da frente e conversar, passear na praça, ir à igreja.

- Acho que não, antigamente não foi muito bom, aliás nada...

Maria Júlia queria ter namorado na sala escutando programas de rádio, tomado chimarrão no quintal, trocando a cuia por uma conversa boa, ir à igreja colher os frutos do espírito e até passear de mãos dadas. Mas, antigamente, seu sonho virou pesadelo, o brutamontes com quem se casou queria vencer na vida e ganhar dinheiro, cada vez mais, até que ficou muito rico e morreu enfartado depois de ter bebido muito numa festa com investidores.

- Eu acho que a gente podia...

João Pequeno estava determinado a recuperar um tempo que se perdera quando teve que trabalhar doze a catorze horas por dia, serviço bruto no campo, derrubando mato, fazendo poço. Se casara, antigamente, não dava para pensar em namoro, tinha muitas necessidades, todas urgentes.

- Talvez a gente podia, se agora ainda fosse antigamente...

Maria Júlia estava determinada a não recuperar o sofrimento de antigamente quando esperava, esperava e o que recebia era a notícia auspiciosa de um futuro maravilhoso quando tivessem ganho tanto dinheiro que não haveria mais necessidade de ganha-lo pois o dinheiro se ganharia por conta própria.

- Eu não quero o teu dinheiro, tenho o suficiente para nós dois...

 Antigamente, haviam as fotonovelas, uma sequência de fotos com as falas em ‘balõezinhos’ que contavam certamente a história do amor verdadeiro. As telenovelas começaram representando isso. Desde as novelas da Rocord, nos anos setenta, até os dias atuais muitas coisas mudaram. Quem almeja um ‘amor verdadeiro’ certamente fará referência ao namoro de antigamente. João Pequeno, que já conta seus setenta anos de idade, quer esse amor de fotonovela.

- O dinheiro nunca foi suficiente...

Maria Júlia, quase setenta, carrega as marcas do amor de fotonovela, não perdia uma edição de Fascinação, chorava lendo Capricho e sonhava com o príncipe encantado lendo Grande Hotel. O Príncipe apareceu, prometeu toda a riqueza do mundo e foi conquista-la. Quando, finalmente achou que tinha o bastante, fez uma festa para celebrar a aposentadoria, morreu no meio das comemorações.

- Maria Júlia! – ainda suplicou, pela última vez João Pequeno – não podemos deixar que o absurdo da existência nos roube a existência, ainda que ela seja absurda!

- João Pequeno – respondeu Maria Júlia, lágrimas nos olhos – ainda que pareça absurdo, eu quero namorar com você, mas não como antigamente, não temos mais tempo para isso!

sábado, 11 de dezembro de 2021

PORQUE HOJR É SÁBADO

 ... E eu encontrei

            o amor da minha vida

desencontrei...

                                    um minuto

 

Sábado

            o amor

talvez o amor

                                    da vida

talvez

                        desamor

talvez...

                                    talvez.

QUANTO É MESMO ETERNAMENTE?

  Num sábado à noite não sei como mensurar o quanto é eternamente, o próprio sábado já me parece eterno, então, se somo a esse eterno a an...