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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A RAINHA DA BOA VISTA DISSE ADEUS



“Não me acorda que eu estou dormindo!”, essa era apenas uma das dezenas de expressões lúdicas da Rainha no alto dos seus oitenta e oito anos de idade. Nascida em 18 de novembro de 1.933, no distrito de Coqueiros do Sul, RS, mudou-se ainda jovem para a localidade chamada BOA VISTA, na época pertencente ao município de Sarandi, RS onde aos dezoito anos de idade foi eleita a mais bela mulher do lugar, daí o título de Rainha.

“A cerca faleceu!” Descendente de imigrantes alemães, a nossa Majestade, ainda se lembrava de episódios acontecidos durante a segunda guerra mundial. Enquanto nossos valorosos Pracinhas lutavam contra o Nazismo, na pacata Boa Vista as autoridades proibiam que se falasse em alemão, idioma predominante na comunidade. Sem saber da proibição, quando chegou na escola cumprimentou os colegas com um delicioso: Guten Morgen, pelo que foi levada de castigo e informada da dura proibição. No dia seguinte um aluno não compareceu à escola e, quando o professor perguntou para a irmã o motivo dele não ter vindo respondeu, em português, claro: “A cerca do potreiro faleceu!”

Economizando um Patacão! A escola oferecia ensino para as quatro séries iniciais em uma única sala de aula e cada professor lecionava para duas séries ao mesmo tempo. Os salários eram pagos pela comunidade, então os pais contribuíam com um Patacão (equivalente a três patacas, ou seja, 960 Réis) por mês para cada aluno matriculado.  Quando estava no quarto ano, os professores brigaram “feio” no pátio da escola e um deles abandonou as turmas e foi embora. Para que as aulas não parassem de ser ministradas, o remanescente professor procurou o pai da nossa homenageada e pediu que ela ajudasse com o ensino nas duas séries órfãs do briguento fujão, daí em diante não precisaria mais pagar o Patacão de mensalidade. Era uma aprendiz de professora aos dez anos de idade!

Não tinha fotógrafo! Eleita Rainha da beleza de Boa Vista aos dezoito anos, desfilou pelas ruas da cidade, com direito à banda de música, até o salão de baile onde valsou com o virtual futuro marido, um show, só não havia fotógrafo para registrar o momento triunfal. O registro se deu tempos depois quando por ali passara um fotógrafo e pedira hospedagem no salão de baile, que também era pensionato. O buquê foi colhido ali mesmo, das flores que aparecem ao fundo.

No meio do mato. Nove dias de estrada e o caminhão de mudança chegou ao novo destino no dia 25 de junho de 1.952 no pobre reino de Novo Sarandi. Pobre, o reino e a Rainha! Precariamente instalada na Vila e miseravelmente vivendo no meio do mato, em seu “palácio” sempre tinha lugar para mais um, não só desconhecidos que precisavam de acolhimento, mas de filhos que, de um em um alimentavam o desespero de um reino falido. Este escrevinhador é o último da prole, indesejado nascituro no reino, resistiu no serviço da Rainha até o último dia.

 O último suspiro. Depois de cumprir setenta anos de mandato, a Rainha respirou pela última vez. Já idosa, voltava às salas de aulas do ensino fundamental para ministrar aulas de história dos “primeiros tempos”. Foi presidente do Apostolado da Oração, do Bolãozinho, do Clube dos Idosos e nas diretorias dessas entidades contribuiu por décadas. Mas o tempo, este mesmo que não pode ser medido, a não ser no passado, quando já não é, ou no futuro quando ainda não é, este mesmo tempo, cruel e infalível, marcou a data do fim e, a Rainha, a mais bela mulher da Boa Vista, a Princesa do Clube de Idoso Sempre Unidos, daria seu último suspiro.

Estava tão bela a Rainha, deitada em seu caixão, tão suave seu semblante, quase sorria, parecia rir dos que permaneciam neste reino de incompreensões, acho mesmo que estava prestes a receber a Coroa stephanos, incorruptível, para um mandato de glória no Reino da Eternidade. A Rainha da Boa Vista, que neste mundo se chamava Helga Gehlen fechou definitivamente os olhos para as mazelas da humanidade no dia 19 deste fevereiro, nos braços deste escrevinhador.

Até breve, minha Rainha!


2 comentários:

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