- A gente podia namorar como antigamente...
João Pequeno queria namorar, e
namorar como antigamente, sentar na sala e ver televisão, tomar chimarrão na
área da frente e conversar, passear na praça, ir à igreja.
- Acho que não, antigamente não foi
muito bom, aliás nada...
Maria Júlia queria ter namorado na
sala escutando programas de rádio, tomado chimarrão no quintal, trocando a cuia
por uma conversa boa, ir à igreja colher os frutos do espírito e até passear de
mãos dadas. Mas, antigamente, seu sonho virou pesadelo, o brutamontes com quem
se casou queria vencer na vida e ganhar dinheiro, cada vez mais, até que ficou
muito rico e morreu enfartado depois de ter bebido muito numa festa com
investidores.
- Eu acho que a gente podia...
João Pequeno estava determinado a
recuperar um tempo que se perdera quando teve que trabalhar doze a catorze
horas por dia, serviço bruto no campo, derrubando mato, fazendo poço. Se
casara, antigamente, não dava para pensar em namoro, tinha muitas necessidades,
todas urgentes.
- Talvez a gente podia, se agora
ainda fosse antigamente...
Maria Júlia estava determinada a não
recuperar o sofrimento de antigamente quando esperava, esperava e o que recebia
era a notícia auspiciosa de um futuro maravilhoso quando tivessem ganho tanto
dinheiro que não haveria mais necessidade de ganha-lo pois o dinheiro se
ganharia por conta própria.
- Eu não quero o teu dinheiro, tenho
o suficiente para nós dois...
- O dinheiro nunca foi suficiente...
Maria Júlia, quase setenta, carrega
as marcas do amor de fotonovela, não perdia uma edição de Fascinação, chorava lendo Capricho
e sonhava com o príncipe encantado lendo Grande Hotel. O Príncipe apareceu, prometeu toda a riqueza do mundo
e foi conquista-la. Quando, finalmente achou que tinha o bastante, fez uma
festa para celebrar a aposentadoria, morreu no meio das comemorações.
- Maria Júlia! – ainda suplicou, pela
última vez João Pequeno – não podemos deixar que o absurdo da existência nos
roube a existência, ainda que ela seja absurda!
- João Pequeno – respondeu Maria
Júlia, lágrimas nos olhos – ainda que pareça absurdo, eu quero namorar com
você, mas não como antigamente, não temos mais tempo para isso!
Admirável
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