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sexta-feira, 31 de maio de 2019

O QUE IGUALA SÃO JUSTAMENTE AS DIFERENÇAS


À noite, diante do meu computador, tomando meu café com açúcar orgânico e comendo umas bolachas maria, fui escrever minha crônica. O silêncio noturno parecia não trazer nenhuma inspiração, liguei o som e deixei tocando Pink Floyd, liguei também a TV e deixei num filme da net flix, em japonês que é para não entender nada do que estavam falando. O som psicodélico e o filme em japonês eram tão diferentes que eu nem sequer tentava entender um ou outro. Deixei o barulho tomar conta do ambiente e fixei os olhos na tela do computador. Já estava escrevendo sobre o frio do inverno que se aproximava quando ouvi gritos na rua, gritavam tão alto que parei minha escrita e prestei atenção, poderia ser só mais um barulho se misturando aos outros, mas não era, falavam em português e eu entendia o que falavam. O fato de falarem uma língua compreensível para mim fazia com que os gritos, ainda que irritantes, fossem familiares e aceitos ou pelo menos acolhidos em minha memória de forma diferenciada aos outros barulhos da sala. Fui até a janela e abri-a lentamente. Dois homens discutiam energicamente um com o outro por ciúmes, a mulher de um teria dado trela para o outro. A janela aberta deixou o som da sala invadir a rua e os que brigavam interromperam sua luta para olharem para minha janela. Por um momento ficamos assim, olhando um para o outro em silêncio. Fechei a janela e voltei ao computador, os dois intensificaram a luta e se agrediram, a polícia foi chamada e ambos foram levados pelo camburão.
Voltei ao texto que estava escrevendo. Eu não sentia frio, mas sentia que por um instante que seja, eu, o ciumento e o traidor nos igualamos quando abri a janela.

Elairton Paulo Gehlen

sexta-feira, 24 de maio de 2019

LIBERDADE


Há mais de trinta anos que a liberdade procura guarida em mim. Não que eu não a queira, muito pelo contrário do contrário do contrário. Com trinta anos, há trinta anos atrás, meu sonho de liberdade entrava definitivamente em contradição. Ao entrar em um emprego público, fiquei definitivamente preso por quase outros trinta anos que é o prazo máximo que um detento pode ficar detido neste país. Esse foi o meu segundo ‘contrário’, isso, o segundo, o primeiro fica para depois do terceiro.
Pelos últimos trinta anos, evidentemente não há que se falar em liberdade, mas agora estou definitivamente aposentado e aquele sonho de liberdade adormecido em berço esplêndido parece acordar em longos bocejos espiando em volta se a babá se encontra desencontrada. Não, não se encontra... desencontrada. Se encontra como se ficasse de plantão por vinte e quatro horas, todos os dias da semana, inclusive sábados, domingos e feriados a me dizer que ‘agora’ é hora de pensar na estabilidade porque a velhice bate à porta e é preciso estar à porta para atende-la e parece que ela vem carregada de dores e remédios para dores, doenças e remédios para doenças e um papel muito comprido com todas as parcelas do seguro sepultamento que devem ser pagas antes de morrer.
Antes que as parcelas vincendas se tornem vencidas, vamos ao primeiro contrário. Claro que é antes dos trinta anos! O que era mesmo que eu estava procurando naquele tempo? Ah, sim: Liberdade... sem medo! Depois de ser vigiado pelos pais, torturado pelos professores e explorado pelo patrão, descobri algo fantástico que alimenta sonhos de liberdade: L I V R O S! Você já leu Summerhill, Liberdade sem medo? Pois é. Encontrei esse livro quando eu já era um ‘rato de biblioteca’. Quanto mais eu dedicava tempo para os livros, menos eu procurava emprego. As ideias fartas e a barriga... com fome, muita fome.
Eu ia morrer se eu ficasse livre, o sistema não aceita pessoas livres. Esse foi o primeiro contrário. Eu sei que é uma péssima ideia ficar olhando para trás, mas tem uma pergunta que não cala: Não seria melhor ter morrido livre?
Elairton Paulo Gehlen

sexta-feira, 17 de maio de 2019

O PRESENTE

 Não sei como alguém recusa um presente que alimentaria seus sonhos mais lindos. Aquilo que seria como combustível para a máquina da existência. Ou será que estou enganado?

Natan é um presente a ser entregue. Especial. Cheio de magia e poderes. Natan está pronto. Só lhe falta aquele momento especial. Momento para ser aceito e repetido. A emoção procurando caminhos nas veias e saindo pelos poros. E o presente ali para ser entregue.

Mara nunca está pronta. Tão ocupada está em seus afazeres que nem percebe Natan. Já é tarde da noite, a casa ainda desarrumada. É preciso dormir.

O presente não pode ser entregue assim. Existe uma condição. Para ser entregue, o presente tem primeiro que ser aceito. Natan se esforça. Ele sabe que o presente deve ter prioridade. O presente tem poderes inimagináveis. Só o fato de recebê-lo faz com que todas as coisas fiquem belas. Tudo fica bonito. É a magia do presente.

Mara vai dormir. Natan não pode dormir. Precisa cuidar. Toda sua atenção está voltada para ele. As outras coisas só fazem sentido se o presente for entregue.

Mara está dormindo. Há dias que ela dorme mais cedo para repor as energias. As ocupações do emprego, da casa, academia, salão. Tantas coisas. É preciso dormir. Natan pode esperar. Por que será que ele não sossega e vem dormir? Bem que ele poderia ajudar com a arrumação da casa.

  • - Vem dormir Natan!

Natan não pode dormir. Está cuidando o presente. Já não sabe mais o que fazer. Quando fala do presente, Mara desdenha. Agora não . Estou cansada, preocupada. Outra hora... O presente precisa ser entregue. Está sufocando a vida de Natan. Sai da cama, olha o quintal. Vai jogar fora. Liga a TV, oferece-o à personagem da cena. Vai para a rua encontrar alguém que queira. Em algum lugar acha. Não dá para entender. Aquele presente não parece ter sido feito para ser entregue ali. Natan vai embora. Volta para casa.

Mara vai trabalhar, ganhar dinheiro necessário para as despesas de convênio médico, roupas novas, calçados, academia para ficar mais atraente, salão de beleza para ficar mais bonita. Tão dedicada ela é que fica irritada quando os filhos desobedecem suas orientações. Mal Natan acaba de chegar e Mara já vai relatando sua indignação com as coisas que não deram certo. Ela parece um leão. Quer tudo à sua maneira. Ela queria que a casa estivesse perfeita.

Natan fora trabalhar e acaba de chegar com o presente para ser entregue. Não pode entregar se Mara estiver reclamando. Mais tarde, quem sabe. Melhor seria não ter esse presente para entregar. O sábado vem e Natan vai se distrair, tomar sauna, beber cerveja. Depois carrega seu presente pelas ruas da cidade.

Mara volta do salão de beleza. A casa está arrumada. A roupa escolhida. Hoje está tudo bem. Mara agora é Maravilhosa. Não sei por que mas a paz apareceu. Já estou com saudades de Natan...

Natan se distrai com seu presente e acaba reencontrando aquele local que outrora achara. Nenhuma preocupação, nenhuma reclamação..., nem sono. Ali está alguém de braços abertos para receber o presente. Natan resiste. Não podia ser. Ainda resiste. Não resistea mais. Entrega o presente.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

CARPE DIEM


No princípio não havia nada. Nem o dia se fizera de todo, só alguns raios de luz se faziam anunciar vindos de muito além do horizonte e a Terra era sem forma e parecia vazia. Um galo cantou, outro respondeu enquanto as galinhas se remexiam num barulho quase silencioso. O dia estava sendo acordado e João ligou o rádio, como de costume, para ouvir moda sertaneja e as primeiras notícias do dia. Abriu a porta e ali estava o jardim e as árvores do conhecimento e da vida eterna. Reviu, em sua memória, todo o bem e todo o mal que lhe sobreviera em toda sua vida.
Abriu os braços como que tateando o infinito das abcissas na linha das coordenadas cartesianas depois procurou alcançar todos os pontos das ordenadas, ficando na ponta dos pés. Fora do plano viu um morcego seguindo atrasado para seu esconderijo. A claridade às vezes incomoda! No horizonte o sol pintava o céu de um colorido maravilhoso. E o dia lentamente trazia toda a bondade sobre a Terra.
Desceu ao jardim para observar as belezas que havia de cuidar e observou os frutos deliciosos e proibidos. No curral soltou o bezerro depois de tirar o leite da vaca mimosa, jogou o trato das galinhas e voltou para o café da manhã. O filho sonolento reclamando da mãe que o acordara muito cedo para a escola. Um dia normal se fazia enquanto a humanidade se perdia nas entranhas do capitalismo.
O sol ardido anunciava a seca do relacionamento depois que a cobra atiçou o desejo de consumo desenfreado. Experimenta, é bom e vai abrir os teus olhos para um mundo maravilhoso! A conta encerrada por falta de fundos e o cartão de crédito bloqueado. João foi expulso do jardim com a sentença do juiz determinando o leilão do sítio.
Carpe Diem! Em fadigas encontrou o sustento, enquanto a maldade do mundo se tornou conhecida. Errante andou, vendo que as filhas dos homens eram formosas, o coração corrompido, olhou para trás e viu a Torre de Babel. Enquanto a carne militava contra o espírito, ouviu outra vez aquela voz que vinha do além. Virou a esquina e viu o pregador que repetia: ‘Carpe Diem, aproveite o dia, faça tudo que o teu coração mandar, mas não te esqueça que de tudo terás que prestar contas um dia’.

Elairton Paulo Gehlen

sexta-feira, 3 de maio de 2019

A MORTE ................... DO ENTENDIMENTO

       He was a writer. Já não tinha mais as letras porque elas simplesmente não estavam. Muito barulho atrapalha o sonho. The dream is over! A morte lenta aprecia o vento frio e vai sendo anunciada a cada palavra em vão. O coração não sabe da morte e continua batendo infinitamente, jorrando sangue sobre a vida banhada na miséria do relacionamento.

He died. Não há dúvida. Morreu. Morte anunciada no primeiro dia de vida. Em comum. Nada em comum. O trator barulhento revira a terra e poda na raiz da planta que daria sementes de vida. Os outros já são mesmo mais importantes e não há espaço para o cultivo, as outras vidas estão florescendo e não devemos deixar de aprecia-las. As outras vidas sufocam a lavoura como uma infestação de ervas daninhas. A vida continua e ele respira as mazelas acumuladas desde sempre. Alimenta-se no monturo.   

O entendimento das palavras que não se entendem faz o desentendimento ser melhor, cheio de palavras, vazio de entendimento. Carroça vazia faz muito barulho. O forte trovão que ressoa de longe até longe e a certeza da escuridão tenebrosa que vem depois da luz. Raio de luz. Suddenly the lights went out. Letras que se arranjavam luminosas, frases que tinham sentido, personagens que se amavam. Suddenly. Para onde foram... Went out.
 
It’s me!

Elairton Paulo Gehlen

sexta-feira, 26 de abril de 2019

LAURA


Pensei já ter todas as informações que precisava para escrever um livro, pois o relato parecia ter terminado. Procurei por um título: A Visão de Laura, A Viagem, Segredos de Laura, mudança de fase... . Deixei a escolha do título para depois e iniciei o relato. Laura tinha me falado sobre sua visão e eu pensei que isso me bastava, mas Erico veio me dizer que o Flávio, estagiário homossexual do seu escritório, era uma lagarta porque seus pais criaram um filho e ele parece ter se transformado em uma espécie diferente, nascera menino mas crescera menina e se passasse por uma metamorfose, como as lagartas, quem sabe não seria então um homem em vez de mulher, homem/mulher, homossexual sei lá ele disse. - Isso é preconceito.- Não – ele disse – não há discriminação contra ele, nós somos bons amigos e ele é uma excelente pessoa. Temos uma boa política de inclusão e todos aprendemos a conviver com ele. Eu só estava pensando, se ele se tornou homossexual por causa da influência do meio onde viveu ou se já nasceu homossexual. De qualquer forma, o natural dele é ser homem.- Você já perguntou para ele? - Não, claro que não. São só conjecturas da minha cabeça.
- Se a tua vida fosse um jogo de vídeo game, em que fase você acha que estaria? - Como assim, um jogo de vídeo geme? - Um jogo, onde se muda de fase quando se cumpre determinadas tarefas. - Não tenho a menor ideia...
- Então veja, numa determinada fase da nossa vida, vamos recebendo informações que, logo que as recebemos ficam por algum tempo em nossa memória, chamada de consciente, que segundo estudiosos da psicologia tem em torno do dez por cento de todas as informações que acumulamos em nossa memória. Aos poucos, essas informações vão se deslocando para o subconsciente e se juntam a outros noventa por cento da memória. - Isso não é só ‘numa determinada fase’...
- Aí é que está o jogo e as mudanças de fase. As crianças precisam brincar para aprender a se relacionar com as outras crianças, com os adultos e com tudo que as cerca, mas quando deixam de ser crianças e se tornam adultas, precisam mudar de fase. - A criança precisa brincar para mudar de fase. – Disse Érico.
- Isso. Não temos ideia do que possa ter acontecido na infância de uma pessoa. Quando ela ‘muda de fase’ carrega no subconsciente todas as informações que recebeu. Quando passa pela adolescência, mesma coisa, juventude, mesma coisa e assim por diante. Que condições temos de julgar uma pessoa se ela nasceu homossexual ou se tornou depois em alguma fase da vida? - Isso vale para os ladrões, corruptos, criminosos, etc... - Vale?
Eu não queria entrar em questões específicas, então fui buscar uma cerveja e começamos a falar de futebol, meu time havia ganho o campeonato estadual, fiz um brinde, Érico brindou, meio sem graça porque o seu time do coração fora eliminado no primeiro jogo da fase de mata-mata. Enveredamos para a política e dali para a poesia que nos esperava há anos na biblioteca. Pablo Neruda, poeta chileno, ‘um dos maiores’, como disse Érico, ainda encanta muita gente sensível por aí. Tomei da prateleira um exemplar de ‘Confesso que vivi’, e me surpreendi ao saber que o engenheiro que só falava de metas conhecia tão bem esse poeta. - Um dos maiores! – Ele disse e tomou da prateleira um livro que ainda não tinha lido: ‘O Rio invisível’.
Começamos a ler as poesias e as crônicas escritas durante a adolescência e juventude do poeta. O tempo passou sem ser notado e o estoque de cerveja também. Às duas e meia da madrugada anunciei, com a voz arrastada, a última garrafa. Já não tínhamos olhos para as letras e há algum tempo compúnhamos versos que enchiam a sala de harmonia, de alegria, melancolia e tristeza num cantarolar sem fim, entre risos e lágrimas íamos falando do que pensávamos e também daquilo que as palavras vão produzindo por si próprias, sem a nossa vontade. - E eu nem sabia que era poeta! Era. O engenheiro percebera que havia poesia em cada segundo de sua vida. Pediu papel e caneta. Escreveu, literalmente, as mal traçadas linhas. - Não estou enxergando muito bem, mas acho que depois dessa brincadeira eu estou mudando de fase!

Elairton Paulo Gehlen

quarta-feira, 17 de abril de 2019

FELIZ PÁSCOA!


Parece que estamos iguais, ele disse olhando a imagem de Jesus pregado na cruz do calvário. Já estou virando uma caveira de tanto sofrimento. Os malfeitores estão por todo lados só que eles não estão pregados numa cruz. Vivem cada dia como se uma redoma de vidro os protegesse, e eu aqui doido para jogar uma pedra e despedaçar essa vidraça!
Parece que estamos iguais, disse olhando para a imagem de Jesus, loiro, olhos azuis, cabelos de salão de beleza, túnica lavada com homo total e amaciante, pele macia e olhar despreocupado sobrevoando os céus enquanto seus seguidores depositam fielmente o dízimo no gazofilácio.  É bênção, disse enquanto observava a pintura encomendada a peso de ouro a um renomado artista pagão.
Está chegando a Páscoa e eu estou chegando aos meus setenta anos como se fosse mesmo um cordeiro indo para o matadouro. Para trás ficaram os pastos verdes, cheios de gado gordo do patrão, por onde andei trabalhando duro e sem lá muitos direitos. Ganhei cada dia como se fosse o único, sem saber se teria o seguinte para ganhar.
 Páscoa é tempo de vitória! Repousando em verdes pastagens e me banhando em águas tranquilas. Olho em redor e em derredor e só me vejo como um leão rugindo. Eu é que dou as ordens. Não quero nem saber quem foi que cuidou do pasto e menos ainda quem fez aquele lago maravilhoso para eu passar dias festivos com meus amigos em águas límpidas.
Comi o pão que o diabo amassou, afinal ele é mesmo o príncipe deste mundo. Agora vou deixar esse sofrimento, já não tenho mais forças, deixei-as todas com o senhor deste lugar. Se juntar tudo que passei, talvez seja como ser pregado na cruz. Cada dia fui açoitado, cada dia o madeiro ficava mais pesado. Olho em volta e só vejo os ladrões que roubaram minhas energias. Agora estão sorteando minha força de trabalho e se regalando no lucro que produzi. Só me resta pensar na ressurreição.
Quem diria, dia após dia comendo do melhor desta terra. Da sabedoria fiz as coisas deste mundo para meu prazer, da miséria do povo fiz o templo e da ignorância minha riqueza material. Quisera eu poder viver mil anos e ainda assim não gastaria tudo que acumulei. Mas, agora parece ter chegado ao fim. Essa é a minha cruz, toda minha riqueza está sobre ela e eu a tenho que carregar para a morte. Quem dera pudesse ressuscitar!
 
Elairton Paulo Gehlen
        
FELIZ PÁSCOA!

sexta-feira, 12 de abril de 2019

DROGA


O pensamento atropela as ideias e mais uma... só mais uma baforada... o mundo se descortina apresentando todas as evidências. Telúrica, a vida passa a 1.600 quilômetros por hora para dar a volta ao dia apresentando o show da hipocrisia humana por toda a superfície.

A fumaça abafa o entendimento dos olhos. Espraia sobre as veias abertas da América Latina, sufoca o apetite de liberdade superficialmente tratado como democracia. É a magia do entendimento. A verdade e o baseado são partes da mesma coisa.

Enquanto o pulmão degenera, os olhos veem a chuva tóxica de verdades levando de enxurrada o entendimento. Conhecereis a verdade que aprisiona, que mata, que exclui. Conhecereis a verdade que liberta. A verdade gera lucro e o lucro é infinito porque a ganância não tem limites. O infinito do lucro vem do infinito da miséria. A verdade que liberta vem das veias abertas da América Latina.

Olhos se fecham, a boca se abre. Por que chamam a isso de droga? Se é o que eu quero e me faz bem, é droga? O sistema é uma droga! Alucina as pessoas, vicia, excita. Eu sou contra essa droga. A lei permite que o capitalista roube, todos os dias, os trabalhadores. Eu não roubei o meu baseado!

Droga!

 

Elairton Pulo Gehlen

sexta-feira, 5 de abril de 2019

CALENDÁRIO


Quando as ideias vem do calendário, eu fico olhando os dias esperando que após dezembro me venha todos os meses dos anos passados. Passo por cada aniversário depositado na folhinha e me lembro dos anos, muitos anos, jogados no lixo poucos minutos depois da eterna celebração de cada dia. As horas e os minutos estão de fora, são detalhes e detalhes não importam para uma vida civilizada onde as aparências são feitas de grandes realizações. Cada dia é uma realização e as manchetes são claríssimas para cada mês. Acabou? Acabou! Mês que vem tem mais e você deixou de existir.

Viro a folhinha e me vem o mês de abril: mentira! verdade! Nem vi a revolução passar porque nesse golpe eu tinha seis anos de idade. O orgulho do militar que perseguia comunistas era como um conto de fadas falando de um tempo bom que nunca chega. Esqueceram de jogar essa folhinha no lixo! Não fui buscar saudades onde havia remorsos, só via meu pai, cooptado, procurando prender que só queria ser livre. Agora escrevo um livro, mas não sei os detalhes, são como os minutos, não contam no calendário.

Achei na gaveta uma fotografia para a carteira de trabalho: 04/01/1978. Trabalhei quarenta anos para o capitalismo, agora me vem o sistema dizer que não posso mais ser sustentado por que sou um peso para a previdência. Não é possível que um aposentado sobreviva por tanto tempo! Se eu pudesse, não faria tudo de novo. Alimentei um sistema que quer me comer.

Não gosto das ideias que vem do calendário, elas trazem um horizonte cheio de muitas sombras que se projetam sobre a vida impedindo o futuro de aparecer.

 

Elairton Paulo Gehlen

terça-feira, 2 de abril de 2019

É DE MANHÃ


Faço planos para meu dia
Faço anos a cada dia
Rompo em tristezas e alegrias
À noite, finjo ter sido feliz o meu dia!

Tenho uma nova tarefa a fazer
Tenho muitos motivos para não fazer
Tenho muitos motivos para viver
E muitos outros para não viver!

Meu livro está aberto
Meu personagem espera
Por dezenas de primaveras
Que o final seja feliz!

É de manhã
Faço planos incertos
No meio da história
Uma tragédia infeliz.

Elairton Paulo Gehlen




sexta-feira, 15 de março de 2019

CONVERSA


Tomou emprestado a Joel, a roupa de água estendida no varal, para trazer à vida a morte. A roupa do Joel estendida no varal não era a morte, nem foi a roupa que veio à vida, só a metáfora. De tão bonita que era, fez lembrar de Manuela estendo roupas para secar ao sol. Estendidas as roupas, secava-se também espraiada numa cadeira de balanço, daquelas que regula o encosto das costas e quase se deita como numa esteira de praia. Manuela estendia todas as roupas, era tão ‘todas’, que ficava estendida ao sol usando somente uma única e tão pequena peça de roupa que parecida mesmo não estar usando nenhuma.

Casado a pouco, os olhos armados até os dentes percorriam as muralhas do varal atentos a qualquer movimento suspeito. Depois vinham as noites de festa e os filhos aumentando as roupas do varal, que agora ocupavam o lugar da cadeira.

Chovia e as ‘roupas de água’ estendidas no varal lembravam Manuela. Os filhos se foram comprar roupas para seus próprios varais. Manuela nunca mais secou-se ao sol. Horas inteiras ficavam na varanda tomando chimarrão e falando dos netos: Tão bonitos eles estão!

A cadeira da varanda agora fala insistentemente da morte que levou para o infinito aquela que usara a minúscula peça de roupa ao sol. Mas a morte, sentada na cadeira da varanda, consolando a infinita dor da perda, em todo o tempo lembrava da solidão, ainda mais cruel que a morte.

 

Elairton Paulo Gehlen

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

AS COISAS


Às vezes não sei bem o que significam as coisas.
Às vezes as coisas simplesmente significam.
às vezes bastam as coisas...
Às vezes bastam os significados...


Tem coisas que levo anos para ter,
Tem coisas que levo anos para entender,
Tem coisas que levo anos para encontrar,
Tem coisas que levo anos para amar.


Faço coisas que nada significam
Faço coisas que me complicam
Faço coisas que simplificam
Faço coisas que me edificam.


Sempre procuro coisas para fazer
Sempre procuro coisas para ter
Sempre procuro coisas para amar
Sempre procuro coisas para me ocupar.


Às vezes tem coisas que faço sempre,
Às vezes tem coisas que nunca faço,
Às vezes tem coisas que me entristecem,
Às vezes tem coisas que me enternecem.


Às vezes...
São tantas coisas...

 





Elairton Paulo Gehlen

QUANTO É MESMO ETERNAMENTE?

  Num sábado à noite não sei como mensurar o quanto é eternamente, o próprio sábado já me parece eterno, então, se somo a esse eterno a an...