Pensei já ter todas as informações
que precisava para escrever um livro, pois o relato parecia ter terminado.
Procurei por um título: A Visão de Laura,
A Viagem, Segredos de Laura, mudança de fase... . Deixei a escolha do
título para depois e iniciei o relato. Laura tinha me falado sobre sua visão e
eu pensei que isso me bastava, mas Erico veio me dizer que o Flávio, estagiário
homossexual do seu escritório, era uma lagarta porque seus pais criaram um
filho e ele parece ter se transformado em uma espécie diferente, nascera menino
mas crescera menina e se passasse por uma metamorfose, como as lagartas, quem
sabe não seria então um homem em vez de mulher, homem/mulher, homossexual sei
lá ele disse. - Isso é preconceito.- Não – ele disse – não há discriminação
contra ele, nós somos bons amigos e ele é uma excelente pessoa. Temos uma boa
política de inclusão e todos aprendemos a conviver com ele. Eu só estava pensando,
se ele se tornou homossexual por causa da influência do meio onde viveu ou se
já nasceu homossexual. De qualquer forma, o natural dele é ser homem.- Você já
perguntou para ele? - Não, claro que não. São só conjecturas da minha cabeça.
- Se a tua vida fosse um jogo de
vídeo game, em que fase você acha que estaria? - Como assim, um jogo de vídeo
geme? - Um jogo, onde se muda de fase quando se cumpre determinadas tarefas. -
Não tenho a menor ideia...
- Então veja, numa determinada fase
da nossa vida, vamos recebendo informações que, logo que as recebemos ficam por
algum tempo em nossa memória, chamada de consciente, que segundo estudiosos da
psicologia tem em torno do dez por cento de todas as informações que acumulamos
em nossa memória. Aos poucos, essas informações vão se deslocando para o
subconsciente e se juntam a outros noventa por cento da memória. - Isso não é
só ‘numa determinada fase’...
- Aí é que está o jogo e as mudanças
de fase. As crianças precisam brincar para aprender a se relacionar com as
outras crianças, com os adultos e com tudo que as cerca, mas quando deixam de
ser crianças e se tornam adultas, precisam mudar de fase. - A criança precisa
brincar para mudar de fase. – Disse Érico.
- Isso. Não temos ideia do que possa
ter acontecido na infância de uma pessoa. Quando ela ‘muda de fase’ carrega no
subconsciente todas as informações que recebeu. Quando passa pela adolescência,
mesma coisa, juventude, mesma coisa e assim por diante. Que condições temos de
julgar uma pessoa se ela nasceu homossexual ou se tornou depois em alguma fase
da vida? - Isso vale para os ladrões, corruptos, criminosos, etc... - Vale?
Eu não queria entrar em questões
específicas, então fui buscar uma cerveja e começamos a falar de futebol, meu
time havia ganho o campeonato estadual, fiz um brinde, Érico brindou, meio sem
graça porque o seu time do coração fora eliminado no primeiro jogo da fase de
mata-mata. Enveredamos para a política e dali para a poesia que nos esperava há
anos na biblioteca. Pablo Neruda, poeta chileno, ‘um dos maiores’, como disse
Érico, ainda encanta muita gente sensível por aí. Tomei da prateleira um
exemplar de ‘Confesso que vivi’, e me
surpreendi ao saber que o engenheiro que só falava de metas conhecia tão bem
esse poeta. - Um dos maiores! – Ele disse e tomou da prateleira um livro que
ainda não tinha lido: ‘O Rio invisível’.
Começamos a ler as poesias e as
crônicas escritas durante a adolescência e juventude do poeta. O tempo passou
sem ser notado e o estoque de cerveja também. Às duas e meia da madrugada
anunciei, com a voz arrastada, a última garrafa. Já não tínhamos olhos para as
letras e há algum tempo compúnhamos versos que enchiam a sala de harmonia, de
alegria, melancolia e tristeza num cantarolar sem fim, entre risos e lágrimas
íamos falando do que pensávamos e também daquilo que as palavras vão produzindo
por si próprias, sem a nossa vontade. - E eu nem sabia que era poeta! Era. O
engenheiro percebera que havia poesia em cada segundo de sua vida. Pediu papel
e caneta. Escreveu, literalmente, as mal traçadas linhas. - Não estou
enxergando muito bem, mas acho que depois dessa brincadeira eu estou mudando de
fase!
Elairton
Paulo Gehlen
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