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sexta-feira, 26 de abril de 2019

LAURA


Pensei já ter todas as informações que precisava para escrever um livro, pois o relato parecia ter terminado. Procurei por um título: A Visão de Laura, A Viagem, Segredos de Laura, mudança de fase... . Deixei a escolha do título para depois e iniciei o relato. Laura tinha me falado sobre sua visão e eu pensei que isso me bastava, mas Erico veio me dizer que o Flávio, estagiário homossexual do seu escritório, era uma lagarta porque seus pais criaram um filho e ele parece ter se transformado em uma espécie diferente, nascera menino mas crescera menina e se passasse por uma metamorfose, como as lagartas, quem sabe não seria então um homem em vez de mulher, homem/mulher, homossexual sei lá ele disse. - Isso é preconceito.- Não – ele disse – não há discriminação contra ele, nós somos bons amigos e ele é uma excelente pessoa. Temos uma boa política de inclusão e todos aprendemos a conviver com ele. Eu só estava pensando, se ele se tornou homossexual por causa da influência do meio onde viveu ou se já nasceu homossexual. De qualquer forma, o natural dele é ser homem.- Você já perguntou para ele? - Não, claro que não. São só conjecturas da minha cabeça.
- Se a tua vida fosse um jogo de vídeo game, em que fase você acha que estaria? - Como assim, um jogo de vídeo geme? - Um jogo, onde se muda de fase quando se cumpre determinadas tarefas. - Não tenho a menor ideia...
- Então veja, numa determinada fase da nossa vida, vamos recebendo informações que, logo que as recebemos ficam por algum tempo em nossa memória, chamada de consciente, que segundo estudiosos da psicologia tem em torno do dez por cento de todas as informações que acumulamos em nossa memória. Aos poucos, essas informações vão se deslocando para o subconsciente e se juntam a outros noventa por cento da memória. - Isso não é só ‘numa determinada fase’...
- Aí é que está o jogo e as mudanças de fase. As crianças precisam brincar para aprender a se relacionar com as outras crianças, com os adultos e com tudo que as cerca, mas quando deixam de ser crianças e se tornam adultas, precisam mudar de fase. - A criança precisa brincar para mudar de fase. – Disse Érico.
- Isso. Não temos ideia do que possa ter acontecido na infância de uma pessoa. Quando ela ‘muda de fase’ carrega no subconsciente todas as informações que recebeu. Quando passa pela adolescência, mesma coisa, juventude, mesma coisa e assim por diante. Que condições temos de julgar uma pessoa se ela nasceu homossexual ou se tornou depois em alguma fase da vida? - Isso vale para os ladrões, corruptos, criminosos, etc... - Vale?
Eu não queria entrar em questões específicas, então fui buscar uma cerveja e começamos a falar de futebol, meu time havia ganho o campeonato estadual, fiz um brinde, Érico brindou, meio sem graça porque o seu time do coração fora eliminado no primeiro jogo da fase de mata-mata. Enveredamos para a política e dali para a poesia que nos esperava há anos na biblioteca. Pablo Neruda, poeta chileno, ‘um dos maiores’, como disse Érico, ainda encanta muita gente sensível por aí. Tomei da prateleira um exemplar de ‘Confesso que vivi’, e me surpreendi ao saber que o engenheiro que só falava de metas conhecia tão bem esse poeta. - Um dos maiores! – Ele disse e tomou da prateleira um livro que ainda não tinha lido: ‘O Rio invisível’.
Começamos a ler as poesias e as crônicas escritas durante a adolescência e juventude do poeta. O tempo passou sem ser notado e o estoque de cerveja também. Às duas e meia da madrugada anunciei, com a voz arrastada, a última garrafa. Já não tínhamos olhos para as letras e há algum tempo compúnhamos versos que enchiam a sala de harmonia, de alegria, melancolia e tristeza num cantarolar sem fim, entre risos e lágrimas íamos falando do que pensávamos e também daquilo que as palavras vão produzindo por si próprias, sem a nossa vontade. - E eu nem sabia que era poeta! Era. O engenheiro percebera que havia poesia em cada segundo de sua vida. Pediu papel e caneta. Escreveu, literalmente, as mal traçadas linhas. - Não estou enxergando muito bem, mas acho que depois dessa brincadeira eu estou mudando de fase!

Elairton Paulo Gehlen

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