Não sei como alguém recusa um presente que alimentaria seus sonhos mais
lindos. Aquilo que seria como combustível para a máquina da existência. Ou será
que estou enganado?
Natan é um presente a ser entregue. Especial. Cheio de magia e poderes.
Natan está pronto. Só lhe falta aquele momento especial. Momento para ser
aceito e repetido. A emoção procurando caminhos nas veias e saindo pelos poros.
E o presente ali para ser entregue.
Mara nunca está pronta. Tão ocupada está em seus afazeres que nem
percebe Natan. Já é tarde da noite, a casa ainda desarrumada. É preciso dormir.
O presente não pode ser entregue assim. Existe uma condição. Para ser
entregue, o presente tem primeiro que ser aceito. Natan se esforça. Ele sabe
que o presente deve ter prioridade. O presente tem poderes inimagináveis. Só o
fato de recebê-lo faz com que todas as coisas fiquem belas. Tudo fica bonito. É
a magia do presente.
Mara vai dormir. Natan não pode dormir. Precisa cuidar. Toda sua atenção
está voltada para ele. As outras coisas só fazem sentido se o presente for
entregue.
Mara está dormindo. Há dias que ela dorme mais cedo para repor as
energias. As ocupações do emprego, da casa, academia, salão. Tantas coisas. É
preciso dormir. Natan pode esperar. Por que será que ele não sossega e vem
dormir? Bem que ele poderia ajudar com a arrumação da casa.
- - Vem dormir
Natan!
Natan não pode dormir. Está cuidando o presente. Já não sabe mais o que
fazer. Quando fala do presente, Mara desdenha. Agora não . Estou cansada,
preocupada. Outra hora... O presente precisa ser entregue. Está sufocando a
vida de Natan. Sai da cama, olha o quintal. Vai jogar fora. Liga a TV,
oferece-o à personagem da cena. Vai para a rua encontrar alguém que queira. Em
algum lugar acha. Não dá para entender. Aquele presente não parece ter sido
feito para ser entregue ali. Natan vai embora. Volta para casa.
Mara vai trabalhar, ganhar dinheiro necessário para as despesas de
convênio médico, roupas novas, calçados, academia para ficar mais atraente,
salão de beleza para ficar mais bonita. Tão dedicada ela é que fica irritada
quando os filhos desobedecem suas orientações. Mal Natan acaba de chegar e Mara
já vai relatando sua indignação com as coisas que não deram certo. Ela parece
um leão. Quer tudo à sua maneira. Ela queria que a casa estivesse perfeita.
Natan fora trabalhar e acaba de chegar com o presente para ser entregue.
Não pode entregar se Mara estiver reclamando. Mais tarde, quem sabe. Melhor
seria não ter esse presente para entregar. O sábado vem e Natan vai se
distrair, tomar sauna, beber cerveja. Depois carrega seu presente pelas ruas da
cidade.
Mara volta do salão de beleza. A casa está arrumada. A roupa escolhida.
Hoje está tudo bem. Mara agora é Maravilhosa. Não sei por que mas a paz
apareceu. Já estou com saudades de Natan...
A dormência do ser dentro de uma realidade criada traz pra cada um sua própria cela...
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