Uma viagem sempre deveria ter um
destino, mas este não era o caso do Raphael, assim mesmo, com “ph”, por ser
filho de pai Inglês e mãe Norte Americana, mesmo tendo nascido no Brasil,
Raphael foi registrado com esse nome estrangeiro que ele carrega em suas
viagens pelo mundo a fora em busca de respostas para perguntas que só faz
depois de saber que as respostas efetivamente não existem, então começa a
planejar a próxima viagem e gasta a farta mesada que o pai manda dos Estados
Unidos, onde mora atualmente e trabalha na embaixada da Inglaterra a serviço da
Rainha e do primeiro ministro, a mãe continuou no Rio de Janeiro por um tempo
até mudar-se para Campo Grande onde é professora livre docente em uma Universidade
e acaba de publicar seu quinto livro sobre filosofia, enquanto isso, Raphael
percorre as colinas de Kilimanjaro, no norte da Tanzânia, próximo da fronteira
com o Quênia, em busca de perguntas para respostas que não existem.
Raphael embarcou no aeroporto
internacional Ueze Elias Zahran, em Campo Grande e nunca se perguntou o porquê
desse aeroporto ter esse nome, seria muito óbvio, respostas simples embrutecem
as pessoas, dizia. Para os três amigos e a namorada que o levaram até o embarque
ele apenas sorriu e deu um leve aceno de mão, virou-se para o corredor, ajeitou
a mochila nas costas depois de passar pelo pórtico e do scanner corporal e seguiu
em frente em busca de mais um nada em um lugar qualquer da África.
Quando comprou a passagem, decidiu
que faria uma estadia de pelo menos um dia na cidade de Dar Es Salaam, no leste da Tanzânia, a maior cidade do país, talvez
tivesse alguma resposta para suas perguntas. Lá desembarcou às dez horas da manhã, almoçou
no restaurante The Waterfront Sunset
Restaurant & Beach Bar, na Sasany
Bay. Pediu frutos do mar e pagou o equivalente a R$ 95,00 pela refeição.
Andou pela baía, sempre com a mochila nas costas, e no meio da tarde tomou um
lanche e foi para o centro da cidade, visitou Kariakoo Market e a igreja St.
Joseph’s Cathedral of Archdiocese of Dar es Salaam. No mercado de Kariakoo
quase se divertiu com tanta gente simpática, seu inglês fluente facilitou o
contato com os vendedores e a moça da lojinha de Suvenir tinha um sorriso tão lindo que Raphael pensou em chama-la
para um café quando findasse o expediente, mas logo chegou um rapaz com jeito
apressado, deu-lhe um beijo na boca, e do bolso da calça tirou dois ingressos
para o cinema.
Na igreja de St. Joseph entendeu o
verdadeiro significado de Dar es Salaam, Lugar
de paz. Construída no estilo Gótico e com duas fileiras de bancos vazios
mal se ouvia o ruído da cidade e do Porto. Raphael sentou-se no último banco,
do lado esquerdo, próximo do corredor e por um minuto olhou fixamente para o
altar, queria descansar, andara a tarde toda em busca de perguntas e agora
encontrara silêncio por resposta. O que poderia perguntar num lugar assim?
Lentamente tirou a mochila das costas e colocou-a a seu lado no banco, passou a
mão sobre a mochila para sentir seu conteúdo e pensou que num lugar tão
silencioso poderia fumar um baseado e se unir ao nada do vazio do tempo. Fechou
os olhos, não podia ter sequer um cigarro de maconha na mochila numa viagem
dessas, acordou vinte minutos depois com o padre falando qualquer coisa em Suaíli, disse em inglês que não entendia
e o padre perguntou em bom inglês se ele gostaria se confessar.
- No,
I was just resting...
- Há muitas coisas das quais
precisamos descansar, disse o Padre em tão filosofal, passou levemente a mão
paterna pela cabeça de Raphael e dirigiu-se para a sacristia de onde só sairia
meia hora mais tarde para a missa vespertina, mas a essa hora Raphael já não
estaria mais na igreja.
Essa cidade lindamente estranha que
ia passando pelos lados marcava, no relógio da catedral, o tempo de cada passo
na rua, tempo que não existe, passos para lugar nenhum em um dia virando noite.
As portas do comércio iam fechando possibilidades de vida enquanto a vida fervia
nas ruas apressadas em carros e ônibus lutados carregando o peso de mais um dia
na cidade. Enquanto os passos da cidade entram no transporte coletivo a noite
voraz do tempo veloz engole as pessoas deixando nas ruas a escória da sociedade
depositada embaixo dos viadutos e em frente de lojas, rindo da escravidão
comercial e chorando a miséria da fome e do desprezo, fumando maconha e
praticando o flashblood. “A catedral,
há muitas coisas das quais precisamos descansar...”
Raphael jantou no Akemi Revolving Restaurant de onde se
tem uma vista maravilhosa da cidade e do mar. Teve que pedir duas vezes a
comida porque o garçom esqueceu de efetivar o pedido. Enquanto a comida não
chegava, ligou para o pai nos Estados Unidos e agradeceu pelo patrocínio, o pai
ficou feliz com a ligação e perguntou se precisava mandar mais dinheiro,
Raphael agradeceu e disse que mandaria a conta do cartão, o pai concordou, daí
desligou o telefone e Raphael ligou para a mãe, disse para ela que a cidade era
linda e que do restaurante dava para ver a cidade toda, a mãe achou tudo muito
lindo e disse que já estava outra vez com saudades, daí desligou o telefone e
Raphael ficou com aquela certeza de ela iria para o quarto chorar. A janta
chegou, finalmente, Raphael pediu mais um copo de vinho, comeu a sobremesa e
pôs tudo na conta do carão de crédito, o pai ganha muito bem trabalhando para a
Embaixada da Inglaterra.
As ruas de Dar es Salaam estão vazias
como a vida de Raphael, aqui e acolá uma escória vivendo no meio da sujeira,
são sobreviventes da noite, adaptados à cidade, enquanto todos correm para suas
prisões os excluídos mantém as portas abertas, restos de comida abundam pelas
lixeiras e restos humanos pelas calçadas, talvez um resto de maconha possa
também ser encontrado.
- Can
I get something, I have Money here...
A resposta veio em Suaíli, o negro
tragou fundo, passou o cigarro para o companheiro, soltou a fumaça lentamente e
ficou olhando o nada esfumaçado em sua frente, o companheiro repetiu o ato, o
negro disse algo olhando de lado para o branco estrangeiro, o companheiro riu,
o negro ficou sério. O negro virou-se, pegou dois baseados prontos e mostrou:
- Five dóllars...
Raphael acendeu o cigarro de maconha
e soltou a fumaça pela janela do Golden Tulip
Das Es Salaam City Center Hotel, abriu uma cerveja tirada do frigobar e então
fez a si mesmo a primeira pergunta dessa viagem: O que fez o filho do Consul da
Inglaterra se unir à escória da Tanzânia? Deitou na cama confortável do City e
tragou calmamente seu cigarro de maconha, era onze da noite, a mãe estava em
casa lendo Terra Sonâmbula do Mia Couto,
o pai estava em Nova York tomando whisky na casa do Consul do Brasil e amanhã
será dia de morrer em Kilimanjaro.