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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

ROUPA BRANCA



O ano começou como outro qualquer, com festança e fogos de artifício alimentando a ideia de que esse será mesmo o melhor ano da sua vida. Família reunida e cantando junto com a música: este ano será de paz no coração. Paz exteriorizada pelas roupas brancas e abraços fraternos entre os familiares. Meu vizinho, o José, dá para acreditar que ele fica em casa sozinho na noite de ano novo? Ele tem que mudar isso! José gostava de ficar sozinho, assistindo televisão, sempre tem filme bacana falando do ano novo.

         Janeiro conta seus dias e ela meio que se esquecera das roupas brancas. Você viu as promoções que estão fazendo agora? Deviam ter feito antes do natal para a gente poder comprar os presentes mais baratos. Mas não. Exploram até o último centavo, esses gananciosos, e quando ninguém mais está interessado, eles fazem ofertas para dizer que são bonzinhos.

         Seus familiares não aparecerem mais, mas os do José! Todos dias vem no fim da tarde para tomar tereré. Sentam na frente da casa, na sombra do pé de manga e ali ficam até escurecer. É irritante ver eles rindo sem motivo!

Anoitecia e nem a lua cheia, esplendorosa, fora capaz de trazer alegria. O dia fora de sol quente. Não sei como a gente ainda suporta esse calor! Também, derrubam todas as árvores, deviam plantar outras no lugar. Nuvens encobriram a lua e um vento anunciando chuva veio do Sul, acompanhado de relâmpagos e trovões. Agora vem essa chuva! Não dá nem para fiar aqui na varanda, só falta cair raio e queimar os eletrodomésticos. A chuva veio e a paz que já não estava ali foi levada para bem longe com a força do vento que derrubou as roupas do varal e fez bater com violência a porta do corredor.

         O sol fez um novo dia amanhecer, fez também a temperatura subir. Um espinheiro com flores brancas insistia em atravessar a tela numa luta inglória para adentrar ao jardim. Ao fim de alguns dias de luta, jogou suas sementes para o outro lado, fecundando a terra e gerando vários filhos. Ah, não. Era só o que faltava, agora temos espinhos no jardim!

         Irritada, foi para a sala ver televisão. As notícias davam conta de que sua aposentadoria ia mesmo perder poder de compra, já que a correção fora inferior à de outros índices da economia. Que droga, ela disse, parece que a paz só existe no dia do ano novo! E eu usei roupa branca para o que?

 

Elairton Paulo Gehlen

2 comentários:

  1. O que importa é o que temos por dentro, cor de roupa, status, dinheiro, poder... É tudo fugaz. O que está em minha consciência, molda meu caráter! Bela crônica.

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  2. o que importa e escrever, ser poeta, ouvir boa musica

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