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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

TEATRO


Olhei e vi, mas não vi. Vi o que não era para ser visto, mas não vi o que era. Meus olhos estavam tão acostumados a ver só o que era, que não pude entender o que não era. Estavam diante dos meus olhos, tão visíveis e tão invisíveis que eu podia ver, mas não podia ver.
 
O que chegava aos meus olhos era tão revelador de uma realidade invisível, tanto quanto era invisível a realidade que estava escondida por trás do que eu via. Então fiquei pensando, que eu também tenho o direito de pensar: se essa realidade visível é a representação de algo invisível, então tem que ter algo que está invisível, atrás dessa representação da realidade.
 
Fui ver. E vi. Eu queria saber como se construía o visível do invisível e o invisível do visível. Encontrei homens jovens, cada um com um sorriso no rosto, gestos compromissados com palavras descompromissadas, falando isso e aquilo desse e daqueloutro. Amizade revelada em camaradagem. Olhei e vi o que eram: Seres humanos, carnais. Um deles soltou um pum. Verdadeiramente humanos! Humanos demais!
 
Humanos como pais que brincam com seus filhos, como mães que amamentam seus bebês, como irmãos que brigam uns com os outros ou amigos que se querem bem. Humanos que se amam, se relacionam e se divertem com muitos pums, anedotas e milhares de piadas que rolam no WhatsApp.
 
Seres humanos sendo transformados em personagens. Pessoas que se transformam. Personalidades que se transformam. Então me lembrei da televisão. Seres humanos mascarados de personagens. Mascarados e sem pintura no rosto. Sem máscara, mas vivendo o personagem tão perfeitamente que é difícil até de pensar que aquele personagem tem por trás de si um ser humano que o representa.
 
Olhei e vi. Pais de família que deixam seus filhos na escola com a esperança de que vão aprender sobre cidadania, depois vão para seu trabalho e se transformam. Enquanto seus filhos estudam todas as possibilidades para tornar o mundo mais humano, ético e justo, os pais servem ao capitalismo na busca desenfreada por lucro a qualquer custo, não importando quão desumano, corrupto e enganosa é a transação comercial.
 
Olhei e vi. Mães que amamentam seus bebês com o mais precioso alimento disponível na natureza e depois vão ao supermercado comprar produtos industrializados e cheios de conservantes, estabilizantes e sódio.
 
Olhei e vi. Irmãos que brigam uns com os outros enquanto crianças, que se protegem na idade adulta e que que se matam na hora de repartir a herança que os pais acumularam ao longo de uma vida inteira.
 
Olhei e vi. Amigos que se querem bem serem assassinados em brigas tolas por puro preconceito ou egoísmo.
 
Vi professores fazendo pacto de mediocridade com seus alunos, enquanto um faz de conta que ensina outros fazem de conta que aprendem.
 
Vi médicos que fizeram o Juramento de Hipócrates, no qual juram praticar a medicina honestamente, deixar pessoas morrerem sem atendimento, porque não tinham dinheiro para pagar a consulta.
 
Vi banqueiros exigindo de bancários a venda de produtos que o cliente não quer e não precisa só para aumentar o lucro do banco.
 
Vi advogados cobrando valores exorbitantes, muito além do razoável, pelos serviços prestados a pessoas humildes.
 
Vi pastores cobrando ofertas em troca de promessa enganosa de prosperidade material.
 
Vi padres abusando de coroinhas porque a igreja não permite que se casem.
 
Vi uma rede de televisão enganando todo um povo só para manter os interesses de uma classe social.
 
Vi todas essas pessoas voltando para casa querendo que o mundo seja melhor!
 
Vi tantas coisas que minha cabeça ficou um pouco confusa se aquilo era real ou imaginário. Levei um choque. Fiquei mesmo confuso. O que é real? O que é imaginário?
 
Então fui perguntar ao ator. Quando ele representa ele sabe que representa. O teatro de palco é pensado para que as pessoas possam viver o imaginário sabendo que ali é a representação. E o ator me disse:
 
- Quando eu estou atuando eu devo fazer o papel do personagem e o meu personagem é de alguém que odeia os espectadores. Então, mesmo que eu represente esse personagem e demostre todo o ódio que ele, o personagem, tem por aquelas pessoas, eu não consigo odiar, na verdade eu tenho é muito amor por aquelas pessoas. Então eu não incorporo o personagem, eu represento ele para que as pessoas fiquem impactadas. Enquanto eu estou no personagem eu cumpro o meu papel porque ele é educativo e só sendo bem representado vai alcançar o objetivo que é alcançar a mente das pessoas...
 
Enquanto ele falava, eu fiquei pensando no palco da vida real.

Olhei e vi. O grande teatro do capitalismo odiando as pessoas, mas cada personagem cumprindo seu papel para alcançar as mentes. E o povo aplaude! E o povo aplaude!
 

Elairton Paulo GEhlen


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