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sexta-feira, 14 de setembro de 2018

POESIA: CIZÂNIA


CIZÂNIA

 


Quem dera as palavras não ditas

Fossem ouvidas e entendidas

E as ditas e muito malditas,

Fossem logo esquecidas!

 

A dor que sinto no peito entorpece,

A cabeça pensa, a razão enobrece.

O coração descansa

E o olhar envaidece.

 

Dói a alma

Conflita o coração

A mente em profusão

Vesânia, eu preciso evitar o trauma.

 

O falatório ocupa espaço

Melhor seria deixa-lo vazio.

Inania verba, o lixo do vocabulário,

Cizânia, quem planta trigo, o joio conhece.

 

 (Elairton Paulo Gehlen)

 

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

ENTREVISTA











ENTREVISTA 


A cortina baixa lentamente, mas ainda dá para ver o astro que brilha no palco mais importante do teatro. Dantesco. Essa palavra veio à memória porque o filho, que estuda no curso de letras, passara o fim de semana a falar sobre o inferno de Dante. Dantesco, mas muito bonito! Tinha acabado de ‘fichar’ o livro, atravessara o inferno, o purgatório e o Céu. Esse pôr do sol é tão maravilhoso que vale a pena trabalhar o dia inteirinho só para aplaudir essa peça do teatro da vida. A essas horas o trabalho já foi entregue.


            Algumas nuvens flutuam lentamente antecipando a escuridão da noite, mas deixando um restinho de sol ainda visível na manteiga do horizonte. Aos poucos a cortina está tão baixa que só se vê no teto do teatro um mar de estrelas piscando. Lá não tem agrotóxicos, nem contaminação de coisa alguma. Está vendo aquele satélite? Aposto que é espião dos Estados Unidos! É, tem contaminação e muita!


            Meditabundo, macambúzio, sorumbático. Que é isso mulher? Está me xingando? Tô não. Só estou vendo você aí tristonho. Tô triste não. Estava vendo o pôr do sol mais lindo do mundo e pensando que o meu trabalho é o mais importante do mundo. Tu gostas da natureza! Cultivar sem veneno, mandar todos os resíduos para a reciclagem. Vamos para dentro que hoje o patão vai dar entrevista na televisão, pediu para nós ver.


            Olha homem, como o patrão está bonito na televisão! Esse terno deve custar uma fortuna!, deve ser importado, e a gravata!, está vendo o sapato? É de couro de jacaré! Você está vendo? Não, mas fiquei pensando em qual carro que ele foi para lá. Eu queria ter pelo menos um desses popular, ele tem quatro, tudo de luxo. A gravata combina com a camisa e o terno. Estou pensando no carro dele.


            O tema de hoje é preservação do meio ambiente, anunciou a apresentadora. Na minha propriedade, EU faço todo o trabalho de separação dos materiais que vão para a reciclagem. Também não uso agrotóxicos, a minha produção é de orgânicos e EU combato as pragas e insetos com produtos naturais...


            Ih, o patrão vai mandar eu embora. Por que homem? Não viu ele falando que é ele que faz tudo aqui? Para que ele quer eu? Não homem, ele não pode mandar tu embora. Ele pensa que tu é ele e se ele mandar tu embora ele fica sem tu, daí ele fica sem ele. Entendeu?


(Elairton Paulo Gehlen)

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

SUSPICAZ





             SUSPICAZ




Prógono andava deveras suspeitoso



As nuvens de algodão no céu


Um raio de sol no horizonte


A tarde balançando entre o dia e a noite.


 


Abominoso esse entardecer anunciando noite


Misterioso é o tempo que passa mesmo parado


Na boleia, a solidão guia o destino


Mas há um desatino de pensar que não para.


 


Para quê, eu fiz tantas coisas nessa vida?


O sol acorda cada dia com a mesma vitalidade


A lua se renova a cada mês


A noite é a escuridão no fim do dia.


 


Das tantas coisas que fizera Prógono


Pouca coisa se aproveitou


Quase tudo sublimou no tempo


Evaporou, quase nada ficou.


 


A vida agora anoitecia em nuvens de algodão


No horizonte se punham as esperanças


É tarde para refazer o tempo perdido.


 


O entardecer que anuncia a noite do tempo


É um mistério que guia o destino


Num desatino que nem dá para pensar.


 


As coisas todas dessa vida


Tem vitalidade na luz interior


Que se renova mesmo na escuridão do fim do dia.


 


As coisas de Prógono estavam feitas


Ficou a essência do que se aproveitou


No mais sublime entendimento


Da vida que Prógono gerou.


 


(Elairton Pulo Gehlen)


segunda-feira, 3 de setembro de 2018

PALAVRAS









         I’ll talk you, repetiu umas três vezes num ritmo de rock in roll, como se seu inglês fosse fluente. Não era. Qualquer iniciante no estudo da língua perceberia que a frase fora imitada de uma música qualquer. Tivesse pelo menos um vivente ali, a frase não seria cantada. Desligou o rádio às pressas, olhou em volta meio assustado: ninguém. Ufa! Ligou o rádio de novo. Rolling Stones – Love is Strong.


         Eles não entendem nada do que eu falo, pensou enquanto o frio do meio do inverno trazia notícias da geada de três anos passado. Só umas lembranças. Naquele ano ficou tudo gelado. A safra foi perdida. Em 1990 o Collor congelou a poupança. O dinheiro da colheita estava lá. Perdido. O Governo tomou.


         Eles não entendem. A mulher foi embora. Não quero viver nessa miséria. Vou ser feliz. Deu para uns quantos e morreu de AIDS. No cemitério virou santa. O frio traz a lembrança de uma noite de verão quando a conheceu. Estava mais linda que os cachos de trigo na lavoura antes que veio a geada.


         I’ll talk you, falou baixinho sem saber o que estava dizendo.  A noite se pôs no sítio como um breu. Desligou o rádio e foi dormir, o telefone tocou. Pai, estou grávida, amanhã vou aí para você conhecer o meu namorado.


         Grávida, pensou ao desligar o telefone. Você não entende o suplício que isso gera. Queria falar para a filha não fazer isso. Tarde demais. O frio traz a lembrança de 1990. A poupança congelada pelo Banco Central, o dinheiro da safra ainda estava lá quando a filha nasceu, foi gerada na noite da geada.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

MAÇUDO


MAÇUDO

 

O dia acorda lentamente no horizonte e vai apresentando um colorido belíssimo no céu. Ah, o Céu, ela disse, deve mesmo existir? Tinha dúvidas se seria necessário a existência de um lugar melhor do que aqui na terra e onde só se pode ir privando-se de um montão de coisas. A porta da cozinha abre espaço para o jardim, uma bola vai transformando o colorido em amarelo e o brilho aumenta até não ser mais possível olha-lo fixamente. O galo canta, a galinha cacareja, e relógio da parece que nunca para. Mãe, cadê a mesa do café? Ai meu Deus, estou sempre atrás do serviço! Já vou.

           

            Cinquenta e cinco anos de vida! Desde que se casou, há vinte e oito anos, só faz trabalhar. Cada dia que amanhece traz consigo o amolante abodegado com todo direito de cada significado que tem a expressão. Café da manhã, tá já vou. Depois vai olhar o quarto da filha, quinze anos de idade, abodegado!  Quantas vezes te pedi para arrumar? Tô sem tempo, mãe, tchau. Trabalha sem sessar, fadigoso, quando pensa que está vencendo, olha para frente e lá está o serviço em grande vantagem! Tomara que exista mesmo o Céu.

 

            Mal termina de limpar a casa, o sol a pino e o almoço anseia por ser fecundado. Se pudesse abortava! Não pode. O marido vai chegar logo, circuncisfláutico, esperando que a mesa esteja posta e a filha entra pela casa berrando que tudo sumiu do quarto. Está no lugar, é difícil de achar. Por que não deixa onde estava? Abodegado. Se Deus quiser eu morro logo e vou para o Céu.

 

            O pôr do sol é lindo! Mas o corpo está tão cansado e as pálpebras pesam sobre os olhos que mal dá para ver o chão. Mais um pouco e a louça vai para o escorredor e posso dormir. Que foi mulher, está cansada? Depois reclama se o homem tem amante! O Céu existe, melhor acreditar, lá é um lugar de PAZ e eu não preciso me privar de um montão de coisas para ir.

Elairton Paulo Gehlen (Paulo Sarandi)

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

ENTRE A PANACEIA E A FOBIA







              Entre a panaceia e a fobia, os olhos fixos na fogueira e os minutos que se vão para nunca mais voltar. “Águas que movem moinhos”, pensou. Queria levantar e fazer tantas coisas... A lenha queima na fogueira para nunca mais ser útil para nada, só a cinza que vai fertilizar a terra da horta. A cabeça faz planos, mas o corpo já queimou toda energia disponível. Águas passadas não movem moinhos.


            A lenha é madeira de reflorestamento, os filhos cresceram e levam vida binária. Entre o zero e o um, programas do computador vão guiando a vida. No reflorestamento a vida é limitada e seletiva. O filho mais novo, goza o prazer de cada pelo que aparece e namora a garota virtual do Bradesco. Trabalhou a vida inteira na Caixa, não gosta do Bradesco nem de nenhum outro banco. O filho gosta, namora a Bia.


            No quarto ano de medicina desistiu da faculdade, acreditava em Panaceia, mas se deparou com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, passou a considerar hipocrisia fazer o juramento de Hipócrates. A madeira é de reflorestamento, a vida é seletiva, o fogo arde, a cinza vai para a horta e a fumaça é levada pelo vento. Hígia ainda faz sentido.


            Anda assustado com as notícias, o apocalipse, o fim dos recursos naturais, falta água na torneira em São Paulo, o último reservatório foi privatizado, remédio no posto de saúde, não tem dinheiro para a pesquisa nas universidades públicas, falta comida, a greve dos caminhoneiros, acabou o gás, agora só resta Virgílio: "Feliz aquele que conseguiu compreender a causa das coisas."

Elairton Paulo Gehlen (Paulo Sarandi)

QUANTO É MESMO ETERNAMENTE?

  Num sábado à noite não sei como mensurar o quanto é eternamente, o próprio sábado já me parece eterno, então, se somo a esse eterno a an...