I’ll
talk you, repetiu umas três vezes num ritmo de rock in roll, como se seu inglês
fosse fluente. Não era. Qualquer iniciante no estudo da língua perceberia que a
frase fora imitada de uma música qualquer. Tivesse pelo menos um vivente ali, a
frase não seria cantada. Desligou o rádio às pressas, olhou em volta meio
assustado: ninguém. Ufa! Ligou o rádio de novo. Rolling Stones – Love is
Strong.
Eles
não entendem nada do que eu falo, pensou enquanto o frio do meio do inverno
trazia notícias da geada de três anos passado. Só umas lembranças. Naquele ano
ficou tudo gelado. A safra foi perdida. Em 1990 o Collor congelou a poupança. O
dinheiro da colheita estava lá. Perdido. O Governo tomou.
Eles
não entendem. A mulher foi embora. Não quero viver nessa miséria. Vou ser
feliz. Deu para uns quantos e morreu de AIDS. No cemitério virou santa. O frio
traz a lembrança de uma noite de verão quando a conheceu. Estava mais linda que
os cachos de trigo na lavoura antes que veio a geada.
I’ll
talk you, falou baixinho sem saber o que estava dizendo. A noite se pôs no sítio como um breu.
Desligou o rádio e foi dormir, o telefone tocou. Pai, estou grávida, amanhã vou
aí para você conhecer o meu namorado.
Grávida,
pensou ao desligar o telefone. Você não entende o suplício que isso gera.
Queria falar para a filha não fazer isso. Tarde demais. O frio traz a lembrança
de 1990. A poupança congelada pelo Banco Central, o dinheiro da safra ainda
estava lá quando a filha nasceu, foi gerada na noite da geada.
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