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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

PALAVRAS









         I’ll talk you, repetiu umas três vezes num ritmo de rock in roll, como se seu inglês fosse fluente. Não era. Qualquer iniciante no estudo da língua perceberia que a frase fora imitada de uma música qualquer. Tivesse pelo menos um vivente ali, a frase não seria cantada. Desligou o rádio às pressas, olhou em volta meio assustado: ninguém. Ufa! Ligou o rádio de novo. Rolling Stones – Love is Strong.


         Eles não entendem nada do que eu falo, pensou enquanto o frio do meio do inverno trazia notícias da geada de três anos passado. Só umas lembranças. Naquele ano ficou tudo gelado. A safra foi perdida. Em 1990 o Collor congelou a poupança. O dinheiro da colheita estava lá. Perdido. O Governo tomou.


         Eles não entendem. A mulher foi embora. Não quero viver nessa miséria. Vou ser feliz. Deu para uns quantos e morreu de AIDS. No cemitério virou santa. O frio traz a lembrança de uma noite de verão quando a conheceu. Estava mais linda que os cachos de trigo na lavoura antes que veio a geada.


         I’ll talk you, falou baixinho sem saber o que estava dizendo.  A noite se pôs no sítio como um breu. Desligou o rádio e foi dormir, o telefone tocou. Pai, estou grávida, amanhã vou aí para você conhecer o meu namorado.


         Grávida, pensou ao desligar o telefone. Você não entende o suplício que isso gera. Queria falar para a filha não fazer isso. Tarde demais. O frio traz a lembrança de 1990. A poupança congelada pelo Banco Central, o dinheiro da safra ainda estava lá quando a filha nasceu, foi gerada na noite da geada.

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