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sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A CARROÇA


Está vendo filho, nem é preciso andar muito para se chegar a cem anos atrás, é só voltar uns sessenta e tudo se parece! É pai, essa carroça parece que levou a gente para o século passado. Sim, século passado, talvez até mais. Rodas de madeira raiada com uma proteção de ferro no perímetro da circunferência para não quebrar com os choques das pedras e a dureza do chão. Duas juntas de bois puxando uma carga pesada, uma tora tirada do mato que deve ser levada para a serraria.

Veja, meu filho, somos os proprietários e esses escravos aí do lado e atrás da carroça são nossa propriedade! Eles fazem nosso serviço e tudo o mais que mandamos, esses negros não pensam, só obedecem.   Os bois são muito fortes, hem, pai! É só bater que eles puxam essa carroça pesadíssima. Se eles soubessem a força que tem não fariam tanta força! São animais irracionais, por isso a gente pode bater neles e fazer eles trabalhar.

Bater até sangrar o lombo quando não obedecem, o corpo amolece, mas o tronco está firme e a argola de ferro não cede. Sabe por que? O tronco e a argola são o patrão!    E o relho também, vai boi, toma! Essa canga do pescoço e o cabeçalho da carroça é de quem manda!

O carro anda lentamente como o tempo, cinco passos do boi para dar uma volta na roda da carroça. Trezentos e oitenta giros da roda para andar um quilômetro. E muitos anos até o caminhão descarregar a tora na serraria!

Agora sim, é só soltar as catracas e deixar as toras rolar da carroceria. No lugar dos quarenta escravos, agora só preciso de dez trabalhadores com motosserras! E um caminhão com um motor muito forte, pai. Isso, quanto menos pagar de salário, mais eles trabalham porque tem que viver. Quanto mais pagar pelo caminhão mais ele produz, o caminhão é o patrão!

Estou pensando, pai, e... e... e, se nós fossemos os bois e os bois fossem nós, lá na carroça do século passado? Ai, era nós pendurados naquele tronco e amarrado naquela argola, levando pancada nas costas até sangrar!... N Ó S ?!?!?!?!?!?!

 

Elairton Paulo Gehlen

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