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terça-feira, 19 de abril de 2022

ENTRE O DEZENOVE E O VINTE E UM

            


            Que me desculpem os crentes mais conservadores, mas eu tomo uma bohemia e ouço músicas do mundo. Às vezes faço isso escrevendo um texto e, como agora, parece que as ideias vão tomando uma certa liberdade que não teriam sem esse ‘meio ambiente’. Aqui, em Dourados, onde temos, no conjunto, talvez uma das maiores Reservas Indígenas do país, não há como não associar o efeito de ‘uma bohemia’ ao ‘corote’. Fica bonito comemorar o Dia do Índio e logo depois xingar um nativo bêbado. Bonito? Não, isso é muito feio, melhor seria não comemorar a data, dia dezenove de abril não é dia do Índio, é dia de um povo excluído, massacrado e desprezado pelos que se acham ‘brancos’.

Amanhã será vinte e um de abril, Dia de Tiradentes. Me arrisco com mais uma latinha de bohemia enquanto a TV canta Chiquitita do grupo sueco ABBA. A Inconfidência Mineira era uma luta por independência das Minas Gerais do domínio português, Chiquitita grita nos meus ouvidos que: ‘És mais real que o chão que eu piso, que o ar em meus pulmões...’, e eu fico a pensar se não é hora de os Povos Nativos proclamarem sua independência num dezenove de abril qualquer. Na situação em que eles andam, precisam mais de um corote do que eu de uma bohemia. Aqui onde moro, no Parque Alvorada, estamos muito próximos de uma aldeia Bororó e todos os dias eu vejo índios passando em frente de minha casa pedindo se tem alguma coisa para dar. Esse país inteiro era deles, agora eles têm que pedir por alguma coisa??

Tiradentes clamava por independência em 1.789, mesmo ano da Revolução Francesa e um pouco mais que uma década da Independência dos Estados Unidos da América. A luta de Joaquim José da Silva Xavier não era exatamente uma luta popular, apenas aglutinava a insatisfação das elites mineiras contra a Derrama, mecanismo da Coroa Portuguesa que visava garantir o recolhimento do Quinto, imposto cobrado dos mineradores que dariam em pagamento da quinta parte da exploração mineral para o governo português. Os indígenas não terão nunca o apoio das elites, sua luta é popular e somente uma aliança com povos explorados pode fortalecer seu projeto de independência.

Eu tinha um certo orgulho de saber que minha tataravó foi uma índia. A história que me contavam, que meu tataravô teria ‘caçado a laço’ uma índia para ser sua mulher, casara-se com ela e dali nascera meu bisavô, depois minha avó, minha mãe e finalmente eu era muito romântica. Esse evento ficou romantizado por quatro gerações até que finalmente, pela voz de uma indígena, percebi o tamanho da violência praticada pelos meus ancestrais. Há poucos anos se ouvia a gritaria de uma elite contra a demarcação das terras indígenas do Panambi. Aquilo parecia uma violência do governo federal que ‘tomava’ a terra dos brancos para devolver aos índios. Nos últimos 1.500 anos os índios foram expulsos de suas terras e todo mundo parece considerar isso Progresso. Assim como meu tataravô se achou no ‘direito’ de se apropriar de uma pessoa, sim, apropriar significa tornar propriedade particular, da mesma forma as elites se apropriaram das terras indígenas.

Entre Tiradentes e Marçal de Souza Tupãi, fico com o último. Agora estou ouvindo Loves hurts, do Grupo Nazareth e tomando mais uma bohemia.

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