O mês de abril vai terminando e eu também. Um mês é só um mês e
uma vida é só uma vida. Um marco temporal. Data marcada para o fim.
Estatística: finda o quarto mês do ano; finda mais uma vida. Talvez eu viva
além desse mês que matou a quatro centésima milésima vida pela COVID-19, talvez
eu seja o próximo número, como posso me definir?
Agora vou tomar um vinho para celebrar que ainda estou vivo e o
mês não acabou. O que é um mês em um bilhão de anos e o que sou eu em sete
bilhões de pessoas? Para os matemáticos, eu sou matemático, um número que tende
a zero. Eu sou exatamente 0,0000000001428571 da população mundial, um número
completamente insignificante. Você também!! Se eu morrer, irão acrescentar + 1
na estatística e, pronto. Hoje é o último dia do mês de abril, talvez maio nem
venha a existir!
Ando na rua e vejo somente números. Três clientes numa loja que
deveria estar fechada para que eles não morram de Covid, cinco na farmácia
comprando remédio para prevenir a gripe e dezenas no supermercado fazendo
compras para alimentar os que continuam vivos. O comércio garante o cumprimento
das normas de higiene e distanciamento e até a limitação do número de clientes,
mas os ônibus estão lotados. E daí, são só trabalhadores!
Enquanto escrevo estas linhas, já penso no fim... de semana
quando não se deve pensar em nada que não seja o prazer de viver o feriado. Dia
do trabalhador. O trabalho dignifica o homem, a mulher, as crianças e produzem
riquezas que são apropriadas por pessoas que não trabalham. Ano passado os
maiores bancos no Brasil tiveram lucro de mais de R$ 61 bilhões!!!! A lista da
FORBES agora tem 66 bilionários brasileiros, todos com patrimônio acima de US$
1 bilhão. Em um mês morreram mais de 100 mil brasileiros de COVID. E daí? Eu
não sou coveiro!
E, já que o dia do trabalhador é no sábado, talvez eu deva tomar
mais um vinho. O álcool cria uma ilusão de que a vida pode ser o que pensamos
que ela possa ser, menos real que a realidade real e mais ilusória que a ilusão
da qual nos iludimos. Depois de meia garrafa penso que liberalismo econômico seja
como a mulher ideal: Nunca vou ter, mas lutarei até o fim para que ela seja
feliz! Enquanto luto, o tempo passa e eu fico me olhando no espelho, cada vez
mais velho, menos atraente, mas a mulher ideal do livre mercado desfila
esbanjando bilhões de dólares em festas privadas nas melhores das orgias
neoliberais! Quem sou eu?