À noite, diante do meu computador, tomando meu café com açúcar
orgânico e comendo umas bolachas maria, fui escrever minha crônica. O silêncio
noturno parecia não trazer nenhuma inspiração, liguei o som e deixei tocando
Pink Floyd, liguei também a TV e deixei num filme da net flix, em japonês que é
para não entender nada do que estavam falando. O som psicodélico e o filme em
japonês eram tão diferentes que eu nem sequer tentava entender um ou outro.
Deixei o barulho tomar conta do ambiente e fixei os olhos na tela do
computador. Já estava escrevendo sobre o frio do inverno que se aproximava
quando ouvi gritos na rua, gritavam tão alto que parei minha escrita e prestei
atenção, poderia ser só mais um barulho se misturando aos outros, mas não era,
falavam em português e eu entendia o que falavam. O fato de falarem uma língua
compreensível para mim fazia com que os gritos, ainda que irritantes, fossem
familiares e aceitos ou pelo menos acolhidos em minha memória de forma
diferenciada aos outros barulhos da sala. Fui até a janela e abri-a lentamente.
Dois homens discutiam energicamente um com o outro por ciúmes, a mulher de um
teria dado trela para o outro. A janela aberta deixou o som da sala invadir a rua
e os que brigavam interromperam sua luta para olharem para minha janela. Por um
momento ficamos assim, olhando um para o outro em silêncio. Fechei a janela e
voltei ao computador, os dois intensificaram a luta e se agrediram, a polícia
foi chamada e ambos foram levados pelo camburão.
Voltei ao texto que estava escrevendo. Eu não sentia frio, mas
sentia que por um instante que seja, eu, o ciumento e o traidor nos igualamos
quando abri a janela.
Elairton Paulo Gehlen