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domingo, 3 de novembro de 2024

UMA LOUCURA POR MIM! (PARTE 1 e 2)

 PARTE 1   -   O RESTAURANTE



            Dourados é uma cidade universitária, por isso atrai uma grande quantidade de jovens de vários estados que vêm estudar, muitos desses jovens gostam mais de bares e restaurantes do que dos bancos da faculdade! Nada que seja proibido, é até incentivado pela grande quantidade de estabelecimentos que se espalham pela cidade, muitos em ruas próximas do centro. Na rua Ponta Porã, um pouco afastado dessa muvuca fica o Ristorante e Pizzeria do Gringo, que atende um público um pouco diferenciado, moradores antigos da cidade preferem um som ambiente mais calmo para beber e conversar, e saber que quando falam serão ouvidos, o Ristorante fica lotado, especialmente nos finais de semana.

            José é um pacato cidadão, apesar de nunca ter entrado no Gringo, já passou em frente muitas vezes, até parou uma vez na porta para ver como era lá dentro, quando o garçom lhe perguntou se queria entrar, pediu uma informação qualquer e saiu. Uma semana depois voltou ao restaurante e pediu que lhe trouxesse uma garrafa de água, o garçom convidou para que entrasse e ficasse à vontade, mas José preferiu ficar na porta e observar. Tudo o que queria era saber como as pessoas se comportavam naquele lugar. “É o espelho do mundo, mas não vejo o reflexo de mim”. Uma moça que entrava virou a cabeça pensando que José tinha lhe falado, mas ele saiu, o namorado puxou-a para dentro e foram sentar-se à uma mesa onde já estava outro casal à sua espera.

            O carro do José, um Ford KA, recebeu as mãos suadas do dono sobre o capô e ficou esperando que a chave fosse enfiada na porta para liberar as travas e permitir que aquela timidez toda entrasse e tomasse conta da direção. Mas os olhos do dono estavam baixos demais para qualquer movimento das mãos. Enquanto isso, bem diante dos olhos do Ford KA, duas mulheres acendiam seus cigarros e reclamavam da solidão em meio a tantos homens solteiros loucos por um encontro. “O Cupido deve estar de folga, ou bebeu demais na muvuca dos estudantes no Centro”. A loira, que acendeu o cigarro primeiro e aparentava, assim como a outra, uns cinquenta anos, deu uma baforada longa e soprou para o alto, deixou os olhos subirem com a fumaça, então exclamou com sua pele tristemente branca: “Se eu fosse uma índia, faria um sinal de fumaça”.

            Acabada a fumaceira e dispensadas as bitucas, as duas mulheres, dotadas de pelo menos cinquenta anos de sabedoria, deram-se aos olhares dos muitos homens solteiros que bebiam cervejas e comiam pizza recheadas de risos, conversas animadas e olhares fugidios. A mesa ainda estava lá, disponível, então sentaram-se e encomendaram a janta e fizeram um brinde à solteirice. “Viva!” José continuava lá fora, com a certeza de que ali, naquele restaurante, bebia o seu desejo de relacionamento. Entrou no Ford KA e sentiu-se abraçado pelo sinto de segurança, abraçou o volante e sentiu um forte desejo de fazer um acordo com o Cupido e entrar no restaurante. Corou o rosto de vermelho e pensou que melhor seria ir para casa, os sonhos não seguem nenhuma regra, mas entrar no Ristorante, ah, isso seria uma loucura!


PARTE 2   -  UMA MULHER BONITA DE UNS CINQUENTA ANOS



Janice é uma mulher dessas que se pode chamar de culta, fez faculdade de filosofia na Universidade Católica de Campo Grande na década de 1.990, quando conheceu o Eduardo, jovem estudante de economia da Universidade Federal. Ambos se formaram em 1996, dois anos depois iniciaram juntos o curso de Letras, Janice queria ser professora, enquanto Eduardo sonhava com a carreira de escritor e já dava seus pitacos no Jornal Correio do Estado, publicando suas crônicas. Nessa época os cabelos da Janice ainda eram loiros e passavam do meio das costas, quase até a cintura.

O casamento foi em 1.999, logo depois que Janice conseguiu seu primeiro emprego de professora de filosofia numa escola particular. Fã de Proudhon e Bakunin por influência do agora marido, recebeu sua primeira observação sobre suas aulas ainda no primeiro semestre letivo. O diretor pedia que fosse dado menos ênfase aos movimentos anarquistas, era um pedido de alguns pais de alunos que entendiam que a escola não podia se colocar ideologicamente na contramão do neoliberalismo e da globalização, importante ideário do desenvolvimento capitalista mundial. A professora Janice tinha os cabelos ruivos que chegavam até quase o meio das costas.

As letras levaram Eduardo ao jornalismo e nas horas vagas continuava a escrever seus contos e crônicas. O casamento ia bem e os gêmeos nasceram em 2005. Quando Joãozinho e Marcinha fizeram o terceiro ano de idade, as professoras da escola organizaram uma festinha, Janice levou bolo, bolachas, salgados e refrigerantes e convidou os pais dos coleguinhas dos filhos para comemorar o aniversário dos gêmeos. Eduardo estava cobrindo o noticiário de um acidente grave ocorrido a pouco entre um trem e uma van escolar e só chegou quando a festa tinha acabado e os pais já tinham quase todos ido embora, ficando apenas a Janice que conversava animadamente com o Vicente, pai das meninas Júlia e Lorena que tinham um e dois anos mais que os filhos dela. A conversa estava tão animada e eles estavam tão próximos um do outro quando Eduardo chegou, que Janice corou completamente ao vê-lo, Eduardo sorriu, cumprimentou Janice com um beijo e entrou na conversa com o mesmo ânimo dos dois, fazendo perguntas e rindo e falando do seu trabalho e das crônicas e contos que escrevia. Em casa, Janice não sabia como se comportar, Eduardo percebeu o desconforto da esposa e tratou de acalma-la dizendo que não se preocupasse, ele confiava nela e ‘aquilo’ serviria para sua próxima crônica. “Estava mesmo precisando de alguma inspiração”.

Depois desse episódio, o amor entre ele se fortaleceu e a confiança também, Eduardo tinha admiradoras do seu trabalho com quem se relacionava amigavelmente, Janice também tinha seus admiradores e nem um nem outra demonstravam ciúmes por causa disso. Um dia Janice disse se sentir bem com essa liberdade, ao que Eduardo respondeu rindo: “Somos anarquistas!” Eduardo lançou seu primeiro livro de Contos em 2.015, em 2.020 publicou um romance e em 2.023 o segundo romance, este já em Dourados um ano depois da mudança. Janice continua lecionando filosofia, continua bonita, mas agora os cabelos são castanho-claro e compridos até os ombros. Joãozinho e Marcinha estão se preparando para o vestibular. Os pais encontraram uma pizzaria muito legal na rua Ponta Porã e sempre vão lá. Sábado passado reservaram uma mesa, mas ao  se sentarem o telefone tocou e Eduardo teve que sair às pressas para o Jornal de onde só saiu uma hora depois, Janice ficou, continuou tomando a cerveja que tinham começado e enquanto esperava pela volta do marido, o garçom lhe disse que “o cara que você estava esperando chegou”.


Um comentário:

CHIFRE EM CABEÇA DE CAVALO. EXISTE? EXISTE!

  Já botei no título o que poderia ser uma mentira, a ciência diz que cavalos não tem chifre, nem as éguas, mas na fazenda do Romero, que ...