Já botei no título o que poderia ser
uma mentira, a ciência diz que cavalos não tem chifre, nem as éguas, mas na
fazenda do Romero, que fica na fronteira do Brasil com a Bolívia, foi visto uma
égua com chifre, um só é verdade, mas era um chifre, e quem viu foi a dona
Mineirinha, como era, e ainda é conhecida a mulher do Romero. Só para constar,
o nome da Mineirinha é Reinalda Silva Romero. Antes de se casar se chamava
Reinalda da Silva Valenzuela, boliviana, filha de pai imigrante fugido da
Venezuela quando os militares massacravam o povo pobre que promoveu o Caracazo, em 1989. Juan Valenzuea, o pai
da Mineirinha, tinha participado do movimento em repúdio ao governo de Carlos
Andrés Pérez, mas se livrou do massacre fugindo para a Bolívia, onde se
empregou numa fazenda de gado no município de Puerto Quijarro, casou-se com
Josefa de Arenque com quem teve seis filhos, entre eles a belíssima Reinalda.
Puerto Quijarro fica muito perto do
Brasil e é comum os moradores de Corumbá atravessarem a fronteira para comprar
produtos naquela cidade boliviana onde roupas e calçados são vendidos a preços
mais baratos que do lado de cá da fronteira seca. Só oito quilômetros separam a
cidade boliviana da brasileira e até a cavalo se percorre essa distância com
grande facilidade. Há três anos, Romero fez esse trajeto em seu cavalo Rufino,
não era a primeira vez que atravessava para o outro lado da fronteira, mas foi
a primeira vez que voltou enamorado, perdidamente enamorado! No balcão da loja
de calçados onde fora comprar botinas novas para as festividades de São João,
dois olhos lhe sorriram um sorriso encantador, os cabelos negros roçando seus
pés enquanto a moça o ajudava a calçar a botinas pareciam prende-lo pelo
tornozelo, mas era o coração que já não podia libertar-se daquele corpinho
castelhano feiticeiro. “Como te chamas?” Perguntou Romero confessando as
emoções no rosto corado, a voz trêmula e sem saber o que fazer com as mãos. “Mi
nombre es Reinalda, pero puedes llamarme Reída”. “Eu sou Romero, eu tenho uma
fazenda de cavalos”.
Se era mesmo uma fazenda como queria
Romero ou apenas um sítio como queiram os vizinhos, isso pouco importa.
Interessa saber que Romero criava mesmo os cavalos, e eram de qualidade. O
sítio, ou fazenda, como quiser, tinha cinquenta alqueires com uma boa pastagem,
piquetes bem definidos por cerca de arame liso, boas instalações para os
cavalos e um rio de águas muito limpas fazendo a divisa com a fazenda do Seu
Firmino, criador de gado nelore. Romero, agora com 25 anos de idade, mora numa
casa grande herdada dos pais falecidos num acidente de carro há menos de um
ano, aliás toda a fazenda fora herdada, Romero era filho único, nascera ali e
ali pretendia morrer quando a hora chegasse, mas antes de morrer queria se
casar e ter filhos, pelo menos quatro. Quatro filhos era também o sonho do Pai,
mas depois que o pequeno Romero nasceu, a mãe teve um tumor no útero e teve que
o retirar, impossibilitando assim a chegada dos outros três filhos planejados
pelo marido. Agora, Romero poderia realizar o sonho do pai, se Reída
concordasse.
Reída, que ficara pelo menos uns
quinze minutos entre a porta da loja de calçados e a calçada em frente, depois
que Romero saíra de sua presença com as botinas no alforje do cavalo Rufino, já
não pensava mais em ser gerente da loja, os sonhos viam campos verdes e
cavalos, mitos cavalos, Campeiro, Lavradeiro, Campolina, Mangalarga, Mangalarga
Marchador, Pampa, Pantaneiro, Pônei... e em todos eles estava montado Romero,
menos no Pônei, neste estava uma criança. Seu filho? Estava vendo o destino?
Teria um filho com Romero? Se casaria com esse moço que viera comprar um par de
botinhas novas para festa de São João? Se Santo Antônio estiver olhando para a
Bolívia agora... Quem sabe!
Estava! Santo Antônio estava mesmo
olhando para Puerto Quijarro, ou talvez para a fazenda de cavalos em Corumbá, o
certo é que um ano depois Reída dobrava cuidadosamente a certidão de casamento
com seu novo nome: Reinalda Silva Romero. Mas logo foi apelidada de Mineirinha
por causa dos belos queijos que fazia e dos pães de queijo que assava no fogão
à lenha. Exatos nove meses após a festa de casamento nasceu João Ricardo que
agora está encantado com a irmãzinha Janaina que nasceu dia 13 junho de 2.023,
dia de Santo Antônio. Mineirinha continua vendo cavalos, muitos cavalos,
principalmente os Mangalarga Marchador que o marido amansa e treina para
vender. João Ricardo ganhou um pônei de presente de aniversário, mas só vai
andar nele quando estiver mais crescido. No dia do seu aniversário, que foi 17
de abrilo, Romero deu a égua Rina de presente para a esposa e ela sempre arruma
um tempinho entre os queijos e pães de queijo para montar nela e dar uns
galopes. Semana passada ela viu algo estranho, muito estranho enquanto galopava
quase na divisa com as terras do Seu Firmino que ficavam do outro lado do rio.
O marido tinha saído há três dias
para fazer negócios de cavalos em Campo Grande, mas chegara da viagem ontem,
mesmo dia que Seu Firmino viajara para Dourados, para participar da Expoagro,
onde tencionava comprar um lote de bezerros nelore. Sempre que Romero viajava e
ficava quatro ou cinco dias fora voltava cansado, mas com vontade de ir outra
vez para a cidade, os negócios eram bons e ele ficava feliz cada vez que ia.
Homem é pra isso, fazer negócios e ganhar dinheiro, agora com dois filhos era
preciso aumentar os lucros porque as despesas aumentavam por conta própria, e
se ele quisesse mais dois filhos, então quanto mais negócios, melhor. Só que tinha uma coisa muito estranha, tinha
um cavalo pastando perto da casa do Seu Firmino, Mineirinha reparou com
cuidado, era o Rufino, o cavalo do marido. Como poderia estar Rufino nos pastos
do vizinho se ele tinha ido com o cavalo para Puerto Quijarro comprar botinas
novas para as festas juninas que se aproximavam?
A égua Rina andava devagar para ver
se acalmava os pensamentos acelerados da dona. “Se o Firmino tá em Dourados,
que será que o Rufino está fazendo com a dona Maria que é a mulher do Firmino?”
De volta para casa, Rina, a égua da Mineirinha, foi direto para a porteira do
piquete e depois de solta correu pelo pasto, mas de um jeito meio esquisito.
Mineirinha ficou a olhá-la enquanto pensava no porquê de Rufino estar com a
mulher do Firmino. Lá longe a Rina relinchava, parecia incomodada, Mineirinha
notou que tinha alguma coisa diferente na cabeça, Rina deu a volta no piquete e
veio se aproximando da dona, andando meio sem jeito, parecendo desconfortável,
foi aí que Mineirinha notou alguma coisa diferente na cabeça da égua, ela tinha
um chifre bem no meio da cabeça. Como isso podia ser? Tinha isso a ver com o
Rufino pastando na fazenda do vizinho com a Maria, mulher do Firmino?
No dia seguinte, os vizinhos queriam
tirar uma foto e mandar para o Consultor do Globo Rural, mas Romero disse que
não, isso poderia criar caso na fazenda do vizinho do outro lado do rio. Chamou
a mulher de lado e disse: “Melhor não, vou mandar matar a Rina e te dou outra
égua para ti”. Assim o assunto deu-se por encerrado, ficando só as fofocas e o
causo da égua da Mineirinha com um chifre na cabeça que até hoje se conta por
verdadeiro. Eu nada sei, só estou contando o causo!
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