Dourados é considerada uma cidade modelo por ter uma excelente qualidade
de vida, infraestrutura completa e uma vasta oferta de lazer e entretenimento. Essa é a visão geral criada por IA,
a tal da inteligência artificial. Essa visão da IA é bem animadora porque eu
moro em Dourados há quase quarenta anos e ainda não tinha percebido que era
isso tudo! De qualquer forma, fiquei feliz de saber que eu moro há tanto tempo
numa cidade tão boa, fiquei feliz e fui curtir todas as possibilidades que a
cidade oferece, segundo a IA.
Logo de cara fui para a avenida mais
importante da cidade, a Marcelino Pires. Dizem que esse Marcelino teria doado
partes de suas terras para a fundação da cidade de Dourados, lá pelos idos de
mil e novecentos. Dizem também que ele não doou coisíssima nenhuma, porque as
terras que ele teria ocupado eram públicas, as tais terras devolutas, e por
tanto pertenciam ao estado que, aí sim, pelo Decreto nº 402, de 3 de setembro
de 1915, fez a reserva das terras públicas para a criação do patrimônio de
Dourados, foram 3.600 hectares, segundo o historiador Carlos M. Amarilha,
publicadas no jornal Campo Grande News.
A avenida Marcelino Pires foi uma das
primeiras ruas que conheci quando vim para Dourados nos idos de 1.985. É uma
bela avenida! Quando desci do ônibus, na rodoviária, e meus pés pisaram pela
primeira vez na Marcelino, meus sonhos encheram esse lugar com os mais lindos
desejos de uma vida nova, próspera e feliz! Neste tempo, a cidade já era Modelo,
reconhecida pelo Governador de Mato Grosso, Fernando Correia da Costa, através
da Portaria nº 314, de 27 de dezembro de 1.965. Vinte anos depois, eu pisava
este chão para estudar na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e trabalhar
para sobreviver e quem sabe até viver um pouco se o dinheiro fosse suficiente.
A avenida Marcelino Pires corta a
cidade de Oeste a Leste, dividindo-a praticamente ao meio. A metade ao Norte é
mais aburguesada, onde se encontram conjuntos residenciais com casas maiores e
mais luxuosas, cercadas por muros altíssimos e cheias de câmeras de segurança e
empresas de vigilância atuando vinte e quatro horas por dia com medo de que os
residentes em outros bairros lhes possas causar algum mal enquanto nadam em suas
piscinas olímpicas ou praticam esportes ou, ainda, fazem suas festas em grande
estilo.
No lado Sul, tradicionalmente se
localizam bairros mais populares e algumas áreas de ocupação e, de vez em
quando, algum princípio de favelização, um horror para os do Norte, uma ponta
de esperança para os do Sul. Mas, uma avenida não é um muro. Por mais que se
queira construir muros ideológicos e sociais, não se pode fazer leis que impeçam
a ocupação geográfica urbana, assim, já não se pode afirmar que as classes sociais
estão dividas pela Marcelino Pires. Antes que esta se prolongasse até o rodovia
BR 163, bairros populares já tinham atravessado a linha imaginária da divisão
e, hoje, a burguesia luta para se esconder atrás de muros e cercas elétricas, o
pobres já se aproximam demasiadamente dos condomínios!
Deixei a Avenida e fui até onde onde
ela termina, ou começa, e adentrei num enorme parque semiabandonado pelo poder
público. É o Parque Antenor Martins. O Parque homenageia o pecuarista do mesmo
nome, que foi também vereador por três mandatos. Um homem de posses,
representante da burguesia douradense. Curiosamente (?) a burguesia que esse
nome representa não frequenta o Parque. O local é apreciado por pessoas da classe
trabalhadora que residem em bairros populares próximos. Andei pela borda do
belo lago, por entre as árvores que sombreiam parte do gramado e fui me
refrescar na pequena reserva de mata num canto do Parque, próximo de um posto de
polícia da guarda municipal.
Andando tão silenciosamente quanto é possível
numa trilha, entre árvores e arbustos, ouvi uma conversa animada. Um grupo de
pessoas pareciam estar se divertindo, eu reconheci algumas das vozes, eram
pessoas amigas, aproximei-me e eles, ao me verem, nem tentaram disfarçar o que
faziam, estavam fumando tranquilamente seu cigarro de maconha. Me chamaram para
a roda e perguntaram se eu queria ‘dar um
tapa”... Eu... disse... que sim.
Maravilhaaaaa
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