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terça-feira, 29 de outubro de 2024

VEM


Vem ficar comigo

Nem que seja por um dia

Pra me fazer viver

 

Mas vem com saudades

Que eu te quero inteira

E boa como um dia de querer

 

E traz junto contigo

Aquele aroma gostoso do trigo

E o fermento que me faz crescer

 

Traz também o sonho

De viver comigo eternamente

E o impossível que dura para sempre

 

Então vem

E deixe eu te querer

Até que o impossível seja você!





sábado, 26 de outubro de 2024

A FESTA

 



Tinha um punhado de gente andando de um lado para outro e do outro para um, e era um punhado bem grande de gente, nem dava para contar, o Adriano pegou o celular e filmou aquelas gentes todas que estavam lá, indo e vindo e indo de novo, e tinha música e um montão de barracas vendendo de um tudo que se pode comprar em barracas que se enfileiram numa rua e ao redor da praça. Adriano continuou filmando porque era bem curioso ver tanta gente se agitando num sábado à noite, mas ele não sabia o que era, daí perguntou para um sujeito que tinha os cabelos bem compridos, trançados, estilo rastafári, usava calças bem largas, estilo oversized e uma camiseta, também de um número maior que o “normal”, destaquei porque agora já nem sei mais o que é normal, tantas pessoas pareciam usar camisetas e calças maiores que o número que até então me parecia normal que parece que o normal mudou. O de cabelos rastafári olhou meio desconfiado para Adriano e mostrou a enorme faixa sobre o palco, que dizia: FESTOP-FESTIVAL DE TODOS OS POVOS! Não falou nada. Nem foi preciso!

Adriano escutou um falatório bem alto do outro lado da praça e foi ver o que era, no caminho aquela gentarada toda se cruzando e era gente de todo tipo, uns branquelos como ele, outros negros, mulatos mestiços, índios, sei lá como se classifica os demais que estavam por lá, andando pela praça dava bem para entender a faixa sobre o palco. No meio da praça tinha uma fonte de água e do outro lado uma aglomeração de gente para ver uns escritores lançando livros. Não, eles não estavam atirando livros para cima, estavam dizendo que escreveram novos livros e que iam vende-los para quem quisesse comprar. Não demorou e eles já estavam cada um numa mesa autografando seus livros para quem quisesse adquirir. É bem chique ter um livro autografado pelo autor! Adriano saiu de lá com dois, um do Jaiminho e outro da Ana Cláudia Brida. Duas vezes chique!

No palco principal, uma cantora bonitona, toda vestida de preto, acompanhada por um guitarrista, um contrabaixista e um baterista, todos de preto, contava uma linda canção em guarani. Que voz! Adriano quis saber de onde ela era, talvez de Assunção, no Paraguai, ou de algum outro grande centro urbano. Mas não. Ela é de Dourados! Que talento! E é daqui! O nome dela é Dami Baz. Por esse mesmo palco passaram inúmeras apresentações, música, dança, contadores de história, ao lado da Tenda da Literatura também se apresentavam outros artistas. Parecia haver uma disputa entre o palco principal e a Tenda da Literatura para ver quem apresentava os melhores talentos artísticos.

O FESTOP, eu acho que é o evento cultural mais importante de Dourados, talvez até de Mato Grosso do Sul, são três dias de uma intensa programação congregando as mais diversas manifestações culturais da nossa cidade, trazendo para o mesmo local desde a música clássica trabalhada na Universidade até o funk, passando por pop rock e a música popular, muito bem cantada pelo jovem cantor João Martinelli, que ainda beira os dezesseis anos de idade.

O Festival de Todos os Povos está no calendário oficial de eventos da cidade de Dourados e de lá não deve sair nunca mais!

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

YOM KIPPUR

 



“As coisas sempre andam bem quando tudo está bem. Cara, essa foi de uma profundidade filosófica extraordinária! Eu amo filosofia e detesto adaptações, agora mesmo estou lendo um texto adaptado do livro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Comprei pensando ser o original, mas quando chegou e os meus olhos brilharam e estava tudo bem, daí prestei atenção na capa e lá dizia “Texto Adaptado”, mesmo assim comecei a ler o livro e vou ler até o final, com uma sofrência igual ouvir música sertaneja universitária, esse tal de sertanojo, que é uma adaptação horrível da verdadeira e bela música sertaneja”.

“O Yom Kippur já passou”, disse o judeuzinho que viajava no carro comigo. Eu percebi que um carro diferente tinha passado em alta velocidade, só não entendi a observação do judeuzinho que ia de carona comigo. “Tá”, respondi e continuei andando a 90 quilômetros por hora na minha saveiro. “O Yom Kippur, é importante se você quiser ficar sempre bem”, insistiu o judeu. Olhei de soslaio, esse judeuzinho só podia estar me gozando. “Não estou disputando corrida com esse ianki não sei o quê. De saveiro vamos chegar ao nosso destino do mesmo jeito, não precisamos de um carro como esse ianki...” “Yom Kippur, é o dia do perdão, já passou, mas você ainda pode perdoar, senão Deus vai apagar o teu nome do Livro da Vida”. “De quê eu deveria pedir perdão?”

O judeuzinho que me perdoe, antes que seja tarde, chama-lo judeuzinho, mas ele é judeu mesmo, o nome dele é Yosef. Eu o chamo judeuzinho devido sua origem e a baixa estatura que não passa de 1,55 metro de altura, mas agora vou apenas chama-lo pelo nome, Yosef, parece que ele sabe a Torá de cor, isso às vezes atrapalha nossa conversação, pois eu sou cristão não praticante e pouco entendo da cultura judaica. Se há um trabalho a ser realizado na sexta-feira e se estende para além do pôr-do-Sol, o judeuzinho, quero dizer, Yosef, para imediatamente e não há quem o faça concluir o trabalho. “Por nada deste mundo. Shabat!”, é sempre a resposta. “Eu sou crente, nós guardamos o domingo” é minha argumentação. “Então peça perdão por não cumprir o quarto mandamento”.

Para que as coisas fiquem bem, eu evito confrontar a Torá, não adianta, é como mastigar pedra brita, você nunca vai conseguir tritura-la para engolir. Quer ficar bem com o Yosef, então é melhor guardar o quarto mandamento. “Mas, o que esse Yomki...?” “Yom kippur. Você disse: As coisas sempre andam bem quando tudo está bem. Para tudo fiar bem, tem que perdoar, até os textos adaptados e os que cantam sertanojo”. “Tá bom” eu disse “eu perdoo os textos adaptados e os que cantam sertanojo, só não me obrigue a ouvi-los”. Pronto, dei o assunto por encerrado e liguei uma música do Pink Floyd no blue tooth do rádio do carro.

Meia hora mais tarde parei a saveiro para abastecer e fomos tomar café na lanchonete do posto de gasolina. Yosef fez uma reverência ao Deus da Torá e comeu um pastel de queijo, eu comi um pão de queijo. “O queijo nos unifica” ele disse e propôs um brinde a isso. Rimos e tomamos nosso café com leite, que também nos unificava, e saímos conversando alegremente. Do lado de fora da lanchonete um casal fazia seus ajustes de alguma conta sentimental que não fechava. “Me desculpa, isso não vai mais acontecer” dizia o marido, ou namorido, seja lá o que for. A mulher ainda argumentava raivosa quando entramos na saveiro e partimos, havia trabalho a fazer e era sexta-feira, tinha que terminar antes do pô-do-Sol.

Acho que o jud... Yosef queria falar algo sobre a discussão do casal do pátio da lanchonete do posto. Acho que eu não dei muito espaço para ele falar, primeiro aumentei o volume da música e disse que amo Pink Floyd, depois reclamei dos livros adaptados e do sertanojo e finalmente lembrei que deveríamos chegar logo porque era sexta-feira e o serviço tinha que ser concluído antes do pôr-do-sol e que o tempo estava formando para chuva e isso poderia atrapalhar. “Não vai atrapalhar, HaShem é poderoso e cuida de tudo para os que são fiéis” Tenho que reconhecer, Yosef é mesmo um homem fiel!

Às dez e meia estacionei a saveiro no canteiro de obras e fomos direto ao escritório onde um engenheiro fazia a programação do sistema de automação. A obra da construção dos silos estava praticamente concluída, agora era hora de verificar se todo o sistema de automatização estava funcionando. Eu não entendo nada de automação de silos, mas vi Yosef e o engenheiro de programação discutindo sobre o tempo, algumas nuvens bem escuras ameaçavam a conclusão das obras e o pedreiro tinha cometido um erro que estava atrapalhando o funcionamento de uma correia de transmissão. O engenheiro esbravejava raivoso, Yosef, calmamente pedia que ele o perdoasse.       “HaShen está do nosso lado”. “É, mas se a obra atrasar e passar das seis da tarde você não trabalha e fica tudo para a semana que vem!” Dito isso, o engenheiro se desculpou e Yosef o perdoou, assim Deus não apagou seu nome do livro da vida.

Às seis da tarde a obra foi dada por finalizada, enquanto toda a equipe se preparava para um churrasco e muita cerveja, Yosef retirado para um espaço distante, iniciava suas orações. Não adiantaram os insistentes convites, já era Shabat e o judeuzinho não iria festejar. Tentei convence-lo de que ali, naquele lugar ermo, talvez o Shabat pudesse iniciar no dia seguinte, mas ele não cedeu e ainda me chamou a atenção perguntando se eu agora já não ligava de ouvir sertanojo. É, sertanojo rolava solto e o churrasco era servido em porções e a cerveja estava bem gelada e era infinita, assim dá para perdoar facilmente o sertanojo. Tentei argumentar que o proprietário da fazenda, que era também um grande empresário em Ponta Porã, iria chegar mais tarde para confraternizar pela obra concluída, ao que Yosef me respondeu: “Shabat Shalon”.

Eram nove e meia da noite quando foi anunciado que Hussein estaria chegando. “Hussein?” Perguntou Yosef, desconfiado. O mestre de obras, intrigado com a pergunta fez questão de explicar que Hussein provavelmente seria seu compatriota, já que ele viera da Palestina há anos e fixara residência em Ponta Porã onde abrira lojas e ficara rico, muito rico! “Palestina” disse Yosef e saiu para longe de todos. Logo em seguida chegou Hussein acompanhado de quatro seguranças armados, cumprimentou a todos e agradeceu pelo empenho de cada um, fez de conta que comeu e até pegou um copo de cerveja e bebeu. Passado algum tempo, despediu-se de todos e rumou com seus capangas para o carro blindado, antes que entrasse no carro ouviu-se um barulho, algo tinha sido atirado contra o carro de Hussein, era uma pedra, uma enorme pedra, a maior que um ser humano muito raivoso seria capaz de atirar de uma distância de dois metros. Quem mais poderia ser, senão ele, o judeuzinho Yosef. “Ele é palestino, é terrorista” e atirou outra pedra certeira na cabeça de Hussein, abriu uma cratera atrás da orelha do empresário.

Uma semana depois fui visitar Yosef no presídio estadual, ele não estava abatido, achava que tinha comprido seu dever religioso de eliminar um incircunciso que ocupava a terra prometida. Antes de sair, olhei com ar compreensivo e disse: “Yom Kippur”.

Agora penso: Faz algum sentido?

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

AS RUAS DE DOURDOS

 



Dourados é considerada uma cidade modelo por ter uma excelente qualidade de vida, infraestrutura completa e uma vasta oferta de lazer e entretenimento. Essa é a visão geral criada por IA, a tal da inteligência artificial. Essa visão da IA é bem animadora porque eu moro em Dourados há quase quarenta anos e ainda não tinha percebido que era isso tudo! De qualquer forma, fiquei feliz de saber que eu moro há tanto tempo numa cidade tão boa, fiquei feliz e fui curtir todas as possibilidades que a cidade oferece, segundo a IA.

Logo de cara fui para a avenida mais importante da cidade, a Marcelino Pires. Dizem que esse Marcelino teria doado partes de suas terras para a fundação da cidade de Dourados, lá pelos idos de mil e novecentos. Dizem também que ele não doou coisíssima nenhuma, porque as terras que ele teria ocupado eram públicas, as tais terras devolutas, e por tanto pertenciam ao estado que, aí sim, pelo Decreto nº 402, de 3 de setembro de 1915, fez a reserva das terras públicas para a criação do patrimônio de Dourados, foram 3.600 hectares, segundo o historiador Carlos M. Amarilha, publicadas no jornal Campo Grande News.

A avenida Marcelino Pires foi uma das primeiras ruas que conheci quando vim para Dourados nos idos de 1.985. É uma bela avenida! Quando desci do ônibus, na rodoviária, e meus pés pisaram pela primeira vez na Marcelino, meus sonhos encheram esse lugar com os mais lindos desejos de uma vida nova, próspera e feliz! Neste tempo, a cidade já era Modelo, reconhecida pelo Governador de Mato Grosso, Fernando Correia da Costa, através da Portaria nº 314, de 27 de dezembro de 1.965. Vinte anos depois, eu pisava este chão para estudar na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e trabalhar para sobreviver e quem sabe até viver um pouco se o dinheiro fosse suficiente.

A avenida Marcelino Pires corta a cidade de Oeste a Leste, dividindo-a praticamente ao meio. A metade ao Norte é mais aburguesada, onde se encontram conjuntos residenciais com casas maiores e mais luxuosas, cercadas por muros altíssimos e cheias de câmeras de segurança e empresas de vigilância atuando vinte e quatro horas por dia com medo de que os residentes em outros bairros lhes possas causar algum mal enquanto nadam em suas piscinas olímpicas ou praticam esportes ou, ainda, fazem suas festas em grande estilo.

No lado Sul, tradicionalmente se localizam bairros mais populares e algumas áreas de ocupação e, de vez em quando, algum princípio de favelização, um horror para os do Norte, uma ponta de esperança para os do Sul. Mas, uma avenida não é um muro. Por mais que se queira construir muros ideológicos e sociais, não se pode fazer leis que impeçam a ocupação geográfica urbana, assim, já não se pode afirmar que as classes sociais estão dividas pela Marcelino Pires. Antes que esta se prolongasse até o rodovia BR 163, bairros populares já tinham atravessado a linha imaginária da divisão e, hoje, a burguesia luta para se esconder atrás de muros e cercas elétricas, o pobres já se aproximam demasiadamente dos condomínios!

Deixei a Avenida e fui até onde onde ela termina, ou começa, e adentrei num enorme parque semiabandonado pelo poder público. É o Parque Antenor Martins. O Parque homenageia o pecuarista do mesmo nome, que foi também vereador por três mandatos. Um homem de posses, representante da burguesia douradense. Curiosamente (?) a burguesia que esse nome representa não frequenta o Parque. O local é apreciado por pessoas da classe trabalhadora que residem em bairros populares próximos. Andei pela borda do belo lago, por entre as árvores que sombreiam parte do gramado e fui me refrescar na pequena reserva de mata num canto do Parque, próximo de um posto de polícia da guarda municipal.

Andando tão silenciosamente quanto é possível numa trilha, entre árvores e arbustos, ouvi uma conversa animada. Um grupo de pessoas pareciam estar se divertindo, eu reconheci algumas das vozes, eram pessoas amigas, aproximei-me e eles, ao me verem, nem tentaram disfarçar o que faziam, estavam fumando tranquilamente seu cigarro de maconha. Me chamaram para a roda e perguntaram se eu queria ‘dar um tapa”... Eu... disse... que sim.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

DE CONCHINHA

 



Eram cinco horas da manhã e o dia mal dava sinal que clareava pelas frestas da veneziana que protegia o quarto de amanhecer junto com o dia. Joana mexeu levemente o rosto, mas não abriu os olhos, não queria abrir, queria continuar dormindo, acordara de um sonho e queria continuar sonhando, era um sonho bom. Como qualquer sonho, esse também se parecia com um filme que estamos assistindo, mas do qual também somos atores em cena. Joana estava numa festa, dançando e bebendo, a música começou a tocar lenta e um homem que já a observava, veio dançar com ela, ele era lindo, falava coisas agradáveis e, do nada, lhe beijou na boca. Delícia de beijo!! De repente estava em casa e o cara da dança lhe falava coisas familiares, era o mesmo cara da festa, mas era o seu marido, e lhe dava flores e ela o beijou como mesmo beijo da festa e, então fizeram sua festinha particular, beberam cerveja e estavam alegres, andavam para o quarto deixando peças de roupa pelo corredor. Quando ela acordou e tomou consciência de estava mesmo no quarto e com pouquíssimas peças de roupa, o marido ainda dormia. Talvez dormia.

Joana passou a mão levemente pelo corpo e sentiu a presença da camisola de seda, sem abrir os olhos tirou-a lentamente pensando em como seria o sonho se não tivesse acordado. Talvez continuasse o sonho se o marido acordasse e colocasse sua perna esquerda entre a suas como ele gosta de fazer, encostando o peito nas suas costas e passando a mão por baixo do seu braço... Joana estava excitada. Quis acordar o marido, mas não queria mudar de posição, passou a mão por detrás de si para tocar levemente o marido, não o alcançou. Mediu a distância em sua frente, um braço, então estava no meio da cama e um braço para trás... não alcançou o marido? Esticou mais um pouco o braço e alcançou a lateral da cama. Então abriu os olhos sobressaltada.

- Marcelo? – Chamou Joana quase num susto.

“Deve ter ido ao banheiro”, pensou. “É isso que dá tomar cerveja antes de dormir, depois da primeira não sabe a conta da última”. Joana estava agora com os olhos bem abertos, sem nenhuma chance de o sonho continuar, “talvez ele volte do banheiro animado...”. Voltou a se deitar de lado, deixou a perna esquerda um pouco afastada para quando o marido voltar já ter o espaço para a sua perna entre as dela. Esperou assim por um tempo, mas nada dele aparecer. Nada, nem um barulho sequer que viesse do banheiro. Nada. Joana sentiu vontade de se virar na cama, mas queria que o marido a encontrasse ‘nessa’ posição, ele não resistiria e o sonho teria continuidade! Mas ele não vinha! Do banheiro não vinha nenhum ruído. “Será que desmaiou?”

Sentou na cama e olhou para o relógio no celular, cinco e meia. Já não adiantaria voltar a se deitar de lado com a perna esquerda um pouco afastada, angustiada como estava, mesmo que Marcelo voltasse para o quarto cantando Roberto Carlos, não adiantaria, a ansiedade acomodara os hormônios, cada um em seu berço. O que Marcelo estaria fazendo no banheiro até esta hora? Foi lá para ver, o banheiro estava vazio, ninguém por lá. Decerto estaria na cozinha. Joana olhou-se no espelho do banheiro e se achou muito bonita! Ensaiou uns passos de dança sensual e puxou levemente a calcinha para baixo como se fizesse um strip, os hormônios acordaram e saltaram do berço num pulo só, olhou em volta, estava só. Voltou ao quarto e vestiu uma calça de abrigo rosa e uma blusa de malha fria, pôs os hormônios de volta no berço e foi até a cozinha.

Os passos ligeiros e a pisada firme denunciavam o mau humor! A luz apagada indicava que não havia ninguém preparando o café da manhã.

- Marcelo? – Agora Joana chamava em voz alta.

Olhou o relógio da parede e viu os ponteiros marcarem quinze para as seis. O dia já estava claro. Dentro de casa ele não estava, então só podia estar no quintal. A brisa fresca da manhã apanhou Joana de frente, ela sentiu aquele ar puro com cheiro das plantas. Como é bom morar numa casa com quintal grande! Os pés de acerola cheios de suas pequenas flores, as jabuticabas carregadas de frutos maduros, delícia! A goiabeira esperando pelo fim do ano e as bananeiras dando cacho. Uma pequena horta produzindo verduras para as saladas e até umas galinhas proibidas já ciscavam o quintal, tudo cuidado pelo Josimar, trabalhador que há dois anos toma conta do quintal para Joana. De agora em diante quem vai mandar nele será o Marcelo. Marcelo? Cadê o Marcelo?

- Marcelo? – Joana perguntou, mas ninguém respondeu.

Joana sentiu fome, voltou à cozinha para o desjejum. Esquentou o leite, juntou uma colherinha de café instantâneo e tomou comendo duas fatias de pão integral com geleia de amora e uma fatia de queijo prato, comeu, também, uma banana e uma maçã e foi escovar os dentes. Quando entrou no banheiro foi olhar-se no espelho e lembrou da cena de streep que ensaiara há pouco. Não resistiu e foi tirando as roupas ao som de uma música imaginária, primeiro tirou a blusa de malha fria, depois a calça de abrigo, passou a mão suavemente pelo corpo e ameaçou tirar a calcinha. Joana sentiu-se muito atraente, os hormônios estavam outra vez acordadíssimos! Daí pensou em Marcelo, por que ele não estava ali? O telefone chamou, Joana saiu em disparada para atender. Era Marcelo.

- Marcelo? Onde você está? – A voz estava aflita!

- Bom dia meu amor! Como assim, onde você está? Estou em casa, acabei de acordar.

- Em casa, como assim, eu te procurei por todo canto.

- Estou em casa, na minha casa. Bom, minha, mas só até hoje. Logo mais à tarde, quando nos casarmos, então a minha casa será aí, na tua casa e a tua casa, então, será a nossa casa. Daí você não precisará mais me procurar, pois eu vou te acordar cada dia daquele jeito que te acordei antes de ontem, de conchinha, com a minha perna entre as tuas e minha mão passeando pelo teu corpo. Ah, não vejo a hora!

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

TAMBÉM SOU CANDIDATO

 



A eleição já passou, mas eu ainda estou em campanha.

Eleição é quase como uma prova de vestibular numa universidade pública, só que às avessas. Para entrar na universidade, pública, claro, o candidato tem que estudar muito e fazer a prova sozinho, deixando os professores do cursinho ou do ensino médio de fora. No processo eleitoral tudo se dá ao inverso, as questões das provas são geralmente respondidas pelos assessores e, candidatos incompetentes e sem nenhum mérito acabam sendo aprovados e ocupam vagas que deveriam ser ocupadas por pessoas mais competentes e comprometidas com a sociedade. Mais ou menos como nos cursos de Educação à Distância das faculdades privadas, onde as provas são aplicadas, também à distância, sem nenhum controle da instituição e o aluno é sempre aprovado porque as vagas são infinitas e o maior interesse da instituição é o valor da mensalidade que o aluno vai pagar a cada mês do curso, igualzinho os candidatos que estão comprometidos em receber, a cada mês do mandato, o salário destinado ao cargo eletivo. Mas, só alguns passam na prova das urnas.

Eu já fui candidato a muitas coisas: no movimento estudantil, associação de moradores, sindicato, produtores rurais da agricultura familiar e até a vice-prefeito da minha cidade, só esta última não fui eleito, a única em que seria remunerado! Acho isso uma grande injustiça. Me candidatei a marido algumas vezes, mas aí só deu despesas, e grande! Ultimamente ando me candidatando a ganhador da mega-sena, é uma eleição difícil, eu sei, mas se ganhar, ah, se ganhar, até para marido me candidato outra vez, mesmo sabendo do prejuízo. Nem ligo!

Sábado joguei na mega-sena, domingo votei para prefeito e vereador, não ganhei em nenhum dos pleitos, nem eu nem meus candidatos. Dizem por aí que se apostar muito dinheiro na mega-sena a probabilidade de ganhar aumenta, dizem também que para ganhar uma eleição se gasta muito dinheiro, às vezes mais até do que o valor total do salário durante o mandato. Sei lá, é o que dizem. Pela estrutura de algumas campanhas, eu até acredito neste dito, cada um que se explique. Ontem me disseram que era dinheiro do fundo eleitoral. Então a dinheirama que gastam nas campanhas é meu também? Pera aí, se parte desse dinheiro é meu, então que seja gasto com os candidatos que eu apoio. Que história é essa de pegar dinheiro do orçamento público para fazer campanha contra o público! Será que tem dinheiro público para campanha de candidato a marido? Depois é só se inscreve no Bolsa Família...

Administrar uma cidade e quase como administrar uma família, é preciso cuidar para que todos sejam atendidos em suas necessidades e ela, a cidade, é como uma esposa, gosta de estar bonita e receber o carinho do administrador, em suma, é bem um casamento. E família é mesmo um negócio complicado, tem gente que não dá conta de administrar a família e se candidata a administrar a cidade! Quando ganha a eleição e toma posse faz festa e começa a Lua de Mel, mas quando os problemas surgem, logo dá um jeito de juntar os amigos correligionários e começa a pensar no divórcio, é preciso organizar outro relacionamento, outro cargo, deputado, talvez, daí o dinheiro que seria para a saúde, educação e segurança vai para a jogatina. Milhões de reais do dinheiro público são gastos na aposta de uma nova eleição. Isso é traição?

Me disseram que aqui em Dourados isso não acontece. Eu acreditei, mas que seja a última vez! Agora vou me dedicar a minha candidatura, eu quero ser marido, mas primeiro vou ganhar na mega-sena.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

A VIDA NÃO É GENTIL

 



Algumas pessoas são extremamente gentis. O Padre Júlio Lancelotti parece ser uma dessas. Pelo seu trabalho diário em atenção às pessoas que tem necessidades muitas pelas ruas e avenidas de São Paulo, dá para se dizer que Padre Júlio é um sério candidato à Santo da Igreja Católica. Sua gentileza produz dezenas de milagres todos os dias. Gentileza é o produto mais valioso que alguém pode dar a um ser humano perambulando pelas ruas, com fome, com sede, vestindo trapos, cabelos e barba do ano passado e cheirando a cachorro molhado. Em determinado período da minha vida eu já estive bem perto disso. Nessa hora, quando alguém trata um ser desses, quase desumano, com alguma dignidade, isso parece um ato revolucionário. E é. Pessoas fedendo e sem nenhuma capacidade de alimentar o sistema capitalistas não devem ser tratadas com dignidade, elas atrapalham a vida de quem produz riquezas materiais. ....??.... .

Mulheres boas são as perfumadas, sorriso pronto nos lábios pintados de batom e rosto enfeitado por cabelos alisados na chapinha, tratados com shampoo e condicionar, sem contar a pele bem hidratada e a lipoaspiração em algumas partes do corpo. E a gentileza? Mulheres tem que ser bonitas, os homens é que tem que ser gentis! Em geral não são. E quanto mais poderosos, mais se tornam uns brutamontes. É bíblico que os seres humanos nascem maus, e continuam sendo maus porque o meio onde vivem é mau, o sistema social é excludente e concentrador. Ficamos maravilhados com o capitalismo Norte Americano, onde o país mais rico do mundo patrocina o horror que está sendo cometido por Israel contra os Palestinos. Quem se importa? O Estado Judeu investe aproximadamente US$ 270 milhões, isso mesmo, de dólares, o equivalente a R$ 1,3 bilhão, por dia na guerra contra um povo que nem sequer um país é. Se, gentilmente, investisse metade disso, ou ainda mentos, em projetos de desenvolvimento daquele povo, jamais teria que fazer guerra nesse local.

As guerras são a vitrine do sistema, juntos Israel e Rússia gastam o equivalente a aproximadamente 8 bilhões de reais por dia nas guerras atuais. Dinheirama que vai para a indústria bélica, me faça a gentileza de entender que isso não tem nada a ver com gentileza! Tem a ver com gentileza o pãozinho que o Padre Júlio distribui nas ruas em São Paulo, mas isso não dá lucro para a indústria de armas e nem poder aos que se acham os donos do mundo. Padre Júlio é um pouco daquilo que gostaríamos de ser, mas não somos. Somos muito mais os brutos que jogam bomba em cima das pessoas pobres, das mulheres e crianças, para alimentar o sistema que mata e exclui.

Estou escrevendo este texto com raiva, então faça a gentileza de me perdoar, estou com raiva de ver a instituição religiosa que canoniza pessoas gentis se transformarem em defensoras de uma elite estúpida que odeia as pessoas que mais precisam de gentileza. Estou com raiva de ver instituições religiosas que dizem amar o salvador dos mais pobres e das viúvas, pedindo, exigindo o dízimo de quem não tem pão para comer e construindo templos luxuosos onde Deus não habita, pois Deus não habita em santuários feitos por mãos humanas. (At 17-24). Estou com raiva de ver um povo que se diz povo eleito matar milhares de homens, mulheres e crianças inocentes e ainda ter coragem de se prostrar diante de um muro e lamentar a maldade humana com o texto sagrado nas mãos. Estou com raiva, muita raiva de saber que as igrejas estão cheiras de pessoas gananciosas que dizimam povos originários e no domingo batem no peito dizendo: Minha culpa, minha máxima culpa, mas na segunda-feira continuam cultivando o ódio. Eu estou com muita raiva desse sistema que dá mais valor ao capital que às pessoas e à natureza de Deus. Eu estou mesmo com muita raiva!

Gentileza é uma pequena ilha num oceano de estupidez. Quero fazer morada nessa ilha, plantar canteiros de desejos, alimentar bichinhos de estimação, cultivar o fruto proibido e morrer de amor pela pessoa que se disponha a ser a mais próxima. Estou de malas prontas!

CHIFRE EM CABEÇA DE CAVALO. EXISTE? EXISTE!

  Já botei no título o que poderia ser uma mentira, a ciência diz que cavalos não tem chifre, nem as éguas, mas na fazenda do Romero, que ...