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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

COMO É A LETRA?

           


              Não sei você, mas eu já ouvi muitas músicas e me emocionei com elas até o ponto de chorar e sem entender uma única palavra porque a música era cantada em inglês ou francês ou outra língua que eu não conhecia. Agora já não fico boiando completamente se a música é em inglês e, confesso que ao compreender a letra perdi muito da emoção que me era passada porque deu um novo sentido para aquela música, por exemplo: Rivers of Babylon, deixou de ser uma música que dançávamos soltos bebendo cuba livre nos bailes mundanos para se tornar uma música religiosa que remete ao Salmo 137 da Bíblia e, Rock and Roll Lullaby era uma música que se dançava agarradinho com a certeza de uma letra romântica, mas na verdade falava de uma mãe muito jovem (Sixteen, dezesseis anos) que criava o filho sozinha e com muita dificuldade e à noite cantava uma canção de ninar rock and roll.

A vida parece cheia dessas músicas que não entendemos bem a letra, mas dançamos ao ritmo das notas. Os economistas usam palavras em inglês para nos dizer que se o mercado vai bem então a música é boa e nós dançamos; os políticos usam palavras que não conhecemos para nos dizer que são honestos e nós dançamos; pastores falam em línguas estranhas para nos dizer que seremos salvos e nós dançamos; espíritas usam palavras de pessoas mortas para nos falar de vida e nós dançamos; poetas usam de metáforas para nos falar de amor e nós dançamos, dançamos como dançávamos Rock and Roll Lullaby, porque em tudo era o amor de uma mãe angustiada e miserável que não sabia como fazer para criar seu filho.

Criei meus filhos ouvindo música em línguas que não conheço e lutei uma vida contra moinhos de vento para no fim, só no fim, compreender que a letra era outra e a música romântica não falava de amor mas de miséria, e ainda que os mortos possam falar de vida e a salvação seja uma promessa para depois da morte, deve haver mil razões para que o inferno seja aqui e agora. O morro que desceu sobre São Sebastião é o mesmo que desceu sobre Petrópolis ano passado matando pelo menos 152 pessoas. Também é o mesmo que desceu sobre São Paulo, também é o mesmo que desceu sobre o Recife e sobre centenas de outras cidades deixando um rastro de destruição e mortes de pessoas que fizeram suas casas em locais inadequados e o poder público deixou tocar a música romântica, mas a letra era de uma língua estranha e o povo dançava enquanto os votos eram contados um a um nas eleições até que a natureza revelou o real conteúdo da música e seu significado de angústia e miséria: Rock and Roll Lullaby!

Neste carnaval, neste mesmo que São Sebastião conta seus mortos enquanto os milionários fogem de helicóptero, aqui em Dourados o poder público faz caravana para curtir a homenagem feita em Corumbá ao nosso município. Bacana a homenagem, música romântica, enquanto nos postos de saúde a morte espreita cada cidadão angustiado e miserável e nas escolas se espera pelo kit robótica, talvez cante em português, pelo menos uma parte da música:

“Now things were bad and she was scared

But whenever I would cry

She’d calm my fears and dry my tears

With the rock and roll lullaby”

 

(Então as coisas estavam ruins e ela estava assustada

Mas sempre que eu chorava

Ela acalmava meus medos e enxugava minhas lágrimas

Com a canção de ninar rock and roll)

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