Hoje é dia de finados. Ontem fui ao cemitério e ele estava lindo! Era dia de Todos os Santos, uma data totalmente fora da razão humana que busca no imaginário um consolo para suas culpas e atribui aos mortos algum poder inexistente na esperança de soluções fáceis para problemas difíceis. Todos os Santos da igreja católica não são nada mais que uma tentativa de racionalizar a fé, ainda que em paradoxo com o texto básico da mesma fé que afirma não haver um sequer que seja justo, portanto Santo.
As flores do cemitério eram belas e
enfeitavam cada túmulo. Eu estava lá, assentei um vaso de flores no túmulo de
meu pai e outros dois para homenagear meus avós. Flores de plástico, as naturais
não duram dentro de vasos e ainda acumulam água onde proliferam mosquitos
transmissores de doenças. Levei minha mãe, ela sentou-se à sombra de árvores
plantadas ao longo do corredor que vai da entrada até o centro, caminho
percorrido por cada féretro antes de ser depositado na cova eterna. O cemitério
é esse lugar, onde os mortos parecem estar eternamente vivos. Há quem tenha
verdadeiro pavor de entrar ali, especialmente se for noite e mais ainda se for
lua cheia!
Nenhum Santo havia ali, nem vivo, nem
morto. Os melhores, claro, já haviam morrido e os piores limpavam os túmulos e
depositavam flores. Ainda que Todos os Santos não sejam capazes de aliviar a
culpa dos vivos, estes voltam aos bandos no dia de finados para rezar pela alma
dos mortos para livra-los das agruras do Purgatório e quiçá enganar o diabo,
roubando-lhe a alma do ente querido. Quem dera os mortos pudessem revirar-se no
caixão e estender o braço para fora da cova com a verdade bíblica de que não
existe purgatório e é totalmente inútil qualquer cerimônia após a data fatídica.
Dona Helga estava lá, aos oitenta e
sete anos de idade sua principal oração é para ter uma boa morte! Não tem medo,
sua fé garante que será salva, e isso parece anular todo o absurdo da existência
humana. Acabei de limpar a lápide onde estão os ossos de meu saudoso pai e ela,
a Dona Helga, minha mãe, me diz pela n-ézima vez que, quando ela morrer eu não
vou precisar me preocupar, ela já providenciou tudo, a vaga no cemitério está
garantida. Dona Helga, e todos que já não tem mais histórias novas para contar
e, por isso repetem inúmeras vezes as mesmas antigas histórias, quando as
contam, além de irritar as pessoas que tem a obrigação de as cuidar, dizem,
mesmo nas repetidas histórias, que já viveram e tinham esperança em cada
projeto de vida, em cada atitude, cada palavra de fé ou consolo, em cada
trabalho voluntário, em cada tarefa comprida, cada filho criado ou produto
posto no mercado, que a vida poderia fazer algum sentido. No fim, parecem ter
orgulho de já ter providenciado seu próprio velório. Olho para minha mãe e me
pergunto: Qual é o sentido desta vida?
Bem no meio do cemitério, a
prefeitura deixou uma grande caçamba para recolher as flores inúteis, quase
todas de plástico, sem vida, artificiais como a vida de quem as leva ao
cemitério.
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