Há muitos anos atrás, num pobre e vasto país da região Sul das Américas, país este, diga-se de passagem, que havia participado de uma grande guerra promovida por interesses de outro país, europeu, que desconfiava que o comércio na região seria dificultado pelo grande desenvolvimento econômico de um terceiro país sul-americano, resolveu-se dar mais garantias para seus militares para atrair mais jovens à carreira. Entre as muitas propostas de incentivo à caserna, decidiu-se que além das ex-mulheres, também as filhas e até irmãs solteiras teriam direito a uma pensão vitalícia, caso o feliz guerreiro viesse, infelizmente, perder sua vida no serviço à pátria.
Houve mesmo um grande interesse pela
carreira militar. De olho nas pensões, nas guerras e na virilidade desses
valorosos servidores da pátria, também cresceu enormemente o interesse das
moçoilas casadoiras. Na rua do Ouvidor ouvia-se muito falar em como seria bom
casar-se com um soldado. Muito mesmo se dizia das benzedeiras e ciganas que
receitavam esse ou aquele chá de benzimento ou faziam tal ou qual previsão da
carreira militar do futuro marido. Grande sucesso fez Dona Zaldina dos Prazeres
que montou sua tenda na Praça do General, onde benzia as pretendentes para que
seus filhos fossem a maioria do sexo feminino, elas serão seu melhor
investimento, dizia enquanto cobrava alto valor pelo vaticínio.
Desde que o projeto da pensão fora
aprovado e as filhas dos militares também passaram a receber pensão vitalícia,
os atos fúnebres se tornaram eventos sociais importantes, com fotos nas capas
dos principais jornais e comentários em todos os salões. Como se sabe, quando
um assunto ganha as mídias, logo aparecem especialistas. Muitas pesquisas foram
feitas e em pouco tempo se percebeu que, caso a guerra prosseguisse por um
longo período, se teria, naquele pobre país, uma nova e importante classe
social em ascensão, com remuneração garantida e vitalícia!
Jusciliano Pereira, neto de
portugueses vindo para a Colônia ainda jovem, viu esta se tornar um país
independente. Enquanto ainda se debatia com os hormônios da puberdade, tentou
inutilmente ascender às forças da Marinha, buscou as Armadas sem sucesso, mas
firmou-se como chefe de gabinete do Senador Adroaldo Jarride. Queria o cidadão
Jusciliano dar segurança à sua família. Sabia ele que as mulheres pouco espaço
tinham para fazerem carreira sem depender de um casamento e, mesmo este, se não
fosse com um militar, dependeria do marido vivo e, marido vivo, raramente
representava o bem-estar para as mulheres naquele pobre país de memória
colonial. Já sei, disse um dia, minhas filhas serão mulheres de militares,
custe o que custar! Tem muitas vantagens, dizia, além de eles irem para a
guerra deixando-as mais livres, se morrerem até mesmo as filhas estarão seguras
para toda a vida.
Jusciliano foi abençoado com três
filhos, um belo garoto que aos dezoito anos ingressou para a Marinha. Josephina,
que se casou aos dezessete com o sargento Mathias e teve duas lindas filhas,
orgulho do Vô. Cecília, coitada, formou-se professora e casou com o Manoel,
bisneto de portugueses que tinha uma padaria na rua Quinze de Março. Por esse
tempo, o mundo só falava da Grande Guerra Mundial, Sargento Mathias estava
preparado para ir, mas seu país não foi lutar pelos ideais de Liberdade, pelo
quê Jusciliano lamentou profundamente.
O tempo passou e, quando finalmente
eclodiu a Segunda Grande Guerra e o exército convocou os militares para darem
a vida na Itália, as netas de Jusciliano, filhas do sargento Mathias já estavam
adultas. A mais velha realizara o sonho do avô, casando com o jovem soldado
Araujo, recentemente convocado para a Guerra. Mas Adriane, já balzaquiana, para desgosto do pai
e também do avô Jusciliano, enamorara-se de um jovem artista, queria casar-se
com ele, mas se casasse perderia a pensão iminente, já que seu pai, o agora
Tenente Mathias, acabara de embarcar para a Itália onde estaria na frente de
combate, muito próximo da morte heroica e da sua pensão vitalícia.
- Então, exclamava tristemente, eu
nunca vou poder me casar?
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