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quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A DANÇA

             Genilson chegou ansioso, passou os olhos aflitos pelo ambiente na esperança de não ver conhecidos por ali. Entre as mesas, desalinhadas, atravessou risos e conversas soltas, copos sendo cheios e esvaziados, um jovem casal trocava um beijo rápido, a moça da outra mesa acariciava a mão do namorado e olhares cúmplices indicavam que algo poderia acontecer mais tarde. Um jovem tímido corou as bochechas quando a garota disse que queria namorar.

No balcão, pessoas avulsas davam conta da solidão bebendo cerveja. Um verdadeiro quebra-cabeça onde peças poderiam se encaixar perfeitamente não fossem os muros construídos entre os jogadores.

- Uma cerveja, por favor....  Posso sentar?

- Não sei, pergunte para o dono do bar...

- Bem, acho que isto significa que posso, você é muito gentil, obrigado.

- Se pensa que vamos conversar, esquece. Só quero ficar aqui, calada.

- Com pouca espuma. Obrigado. Não quero. Se quisesse conversar estava lá na mesa com os amigos. Não quero os amigos. Só quero uma cerveja...

- Aai, disse a moça, atropelada por um cliente. Virou rapidamente a cabeça, palavrão escorrendo pelo beiço, recolhido rapidamente pela língua e devidamente engolido diante dos lindos olhos azuis que se desculpavam enquanto o corpo balançava alcoolizado.

- Desculpe..., eu... só quero mais uma... uma... cerveja.

- Eu quero mais do que uma cerveja...

- Achou... o cara certo.... Foi tudo o que conseguiu dizer antes de cair completamente desacordado.

Genilson tomou a cerveja totalmente alheio. Eu sei o que você sente, disse olhando para dentro do copo como se conversasse com a cerveja.

- Falou comigo? Perguntou a moça voltando para a banqueta ao balcão, passando as mãos pelos cabelos e ajeitando a blusa. Antes de sentar puxou a mini-saia para baixo, esfregou as mãos uma contra a outra e quase sorriu.

- Não, não falei contigo. Você não quer conversar. Só disse que sei, também perdi meu sorriso para um olhar brilhante.

- Eu ia me vingar. Tomara que não tenha morrido.

O bar, que assumira um silêncio sepulcral, voltara a vida. Não se faz velório no bar.

- Você a amava?

Genilson rodou o copo e o líquido dentro fez ondas que iam e voltavam acompanhando as bordas. Na parede, atrás do balcão, acima da portinhola que dava acesso à cozinha, uma pintura mostrava um casal dançando ao som de uma banda de música.

- Eu não sei dançar.

- Não precisa, eu dançava muito bem. Não sei fazer ondas.

Um carro do Conselho Tutelar encostou no meio fio. Uma senhora uniformizada entrou no bar acompanhada de dois policiais. Duas garotas tentaram se esconder no banheiro, foram levadas à força.

- Também fui presa, três vezes, disse a moça, mas onde deviam fiscalizar nunca foram.

- Eles pagam bem?

- Sim.

- Então é melhor eu me conformar!

- Como é o nome dela?

- Salete.

- Eu já vou, talvez eu a encontre no meu trabalho.

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