Se apaixonar é tão fascinante como
andar de patins. É tão lindo ver os outros andando livremente como se
estivessem flutuando sobre nuvens de algodão, com fones de ouvido ligado
ouvindo música romântica e recebendo o abraço permanente do vento que os beija
na boca e acaricia a face, o corpo aquece e os olhos brilham de alegria. Mas, é
só calçar um par de patins e sair por aí se apaixonando que os tombos vêm e o
corpo amolece, e o cotovelo dói, ah, o cotovelo dói muito!
A paixão é um foguete, ou uma
fogueira, te faz sair do chão queimando violentamente, desestabiliza os
sentimentos girando no ar e se afasta rapidamente da realidade. O espaço e o
tempo se tornam absolutamente relativos e as regras de moralidade não podem ser
visitadas a uma distância tão grande. O foguete te leva para o ar, a fogueira
queima os neurônios. Nenhuma força de gravidade faz sentido para quem está no
meio de uma fogueira da paixão. Tudo queima, só um abraço, um específico
abraço, é capaz de alinhar os planetas, gerando uma força de atração inimaginável
no mundo racional.
Se apaixonar é um ato revolucionário.
Há um senso coletivo na paixão: todos os homens são liderados pela testosterona
e todas as mulheres seguem fielmente o estrogênio. São lideranças seguramente
socialistas, distribuem igualmente os desejos sexuais entre todos os liderados,
orientam a aproximação entre os grupos e, principalmente, determinam que a
união seja festiva e rebelde, mas também confusa. Depois de milhões de anos em
vigência, essa instituição social, com forte aderência em todas as camadas
sociais, ainda sofre violenta rejeição daqueles que ainda não entenderam que
essa força é inabalável e a classificam como demoníaca. O demônio está embaixo,
nas profundezas do inferno, a paixão leva para o alto, para o céu!
Todas as glórias do amor provém da
paixão. Então, se o mundo todo se apaixonar... Mas, nem todos se apaixonaram,
tinha um, pelo menos um que não viveu as glórias do amor. Ele era europeu,
poderia ser de qualquer continente, mas era europeu. Não era qualquer
continente que aproveitaria as condições do desenvolvimento mercantilista. A
Europa, ali às margens do Mediterrâneo... “Quem se apaixona sai da realidade”, ele
dizia, “E a realidade exige a lógica do mercado. É preciso que haja lucro, os
apaixonados são um desperdício!”. Por nunca ter se apaixonado, ele criou o
processo industrial, organizou os mercados e privatizou as propriedades. “As
igrejas, vamos criar igrejas empresas
para domesticar as pessoas rebeldes e gerar lucros”.
E não é que ele estava certo? O amor
que vem das paixões da adolescência é libertador e o adulto que ama livremente
jamais será um adulto produtivo para o mercado. Adultos precisam de um amor que
os escraviza, que os faça seguir as regras de servidão, de um poder
sobrenatural que ameaça aqueles que se rebelam. Isso, igrejas, elas, só elas
podem ser as porta-vozes do sobrenatural. Precisamos de divindades, muitas
divindades oficialmente constituídas sobre as paixões da carne, precisamos de
igrejas que condenem as paixões libertadoras e prometam as infinitas glórias
àqueles que obedeçam às regras do mercado. Só quem vive uma vida inteira de
servidão poderá ser livre para a eternidade. Aquele que escolher a liberdade
das paixões será condenado ao fogo eterno.
Já nem me lembro onde guardei os
patins que um dia experimentei. Skate também é libertador, mas eu quero flutuar
em nuvens de algodão, com o fone de ouvido tocando música romântica e o vento a
me beijar na boca e a me acariciar num abraço acolhedor. Achei! Os patins,
estavam guardados numa gaveta encardida pelo tempo, no armário do esquecimento,
no fundo, bem no fundo do coração, estava bem escuro lá, mas agora o sol brilha
e meus olhos também!
Há beleza em revisitar as "gavetas do coração" e trazer à tona a luz que estava escondida. Parabéns.
ResponderExcluir👏👏 que linda forma de ver o amor. Ameee muitooo.
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