Eram
oito da noite quando reuniu a família para explicar o quase inexplicável caso
de loucura programada. O mal que me acomete, ele disse como se falasse de um
carro novo que tivesse comprado, parece não ter nenhuma possibilidade de cura.
Tal afirmativa soava meio como se o carro tivesse apresentado um problema
mecânico e devesse ser devolvido à concessionária. E, para dizer a verdade, prosseguiu, nem
imagino que alguém em sã consciência queira mesmo ser curado do mal de sonhar
com o infinito da liberdade!
Quando
fui internado pela primeira vez, continuou, aos seis anos de idade, me disseram
que o tratamento era necessário. Hoje, aos sessenta, não tenho dúvida que o
remédio, ainda que amargo, foi bom. Claro que os métodos eram discutíveis, mas adquiri
conhecimento e um mundo novo de possibilidades se abriu. Eu não sabia que junto
vinha a doença da alma. Um processo de escravidão que se instala indelével,
aprisionando a liberdade num modelo de sociedade hierarquizado e confuso.
Outra
vez fiquei internado e mais outra e depois ainda outras vezes. É certo que os
medicamentos alopáticos produzem efeitos rápidos contra as doenças visíveis. Uma
surra aqui, um castigo ali e fui criando uma crosta contra os desejos. Mas
esses remédios, depois produzem outras doenças como consequência de seus
efeitos colaterais. Fiquei tímido e, mal sabia eu, revoltado! Não podia
expressar minha revolta, então enchi o porta-malas da memória com algo que
parecia um explosivo.
Acabaram-se
as internações. Deram-me um diploma e fui levado para o mercado de trabalho. O
mercado bem que tentou comprar minha mão-de-obra, mas ela invariavelmente
dependia dos comandos mentais e a mente, cruelmente castigada pelas prisões em
série, davam comandos não muito bem aceitos pelo mercado. Os professores tinham
agora o nome de chefes, as listas de chamadas agora eram folhas de ponto e as
notas se transformaram em moedas.
Por
sessenta anos me disseram que eu ia ser livre. Era só obedecer! O corpo escravizado foi incapaz de prender a
mente. Não preciso mais do mercado, agora deixo minha loucura se livre. Acendi
o estopim do porta-malas, vou explodir a hierarquia e nadar no mar da
liberdade!
Elairton
Paulo Gehlen
Aqui a flor do sertão, gosto muito de suas poesias, vejo nelas, a realidade ,a alma ,os remédios,para tudo tem um antídoto,a cura vem lahhh ,do coração ,
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