Quando Ana Maria abriu
os olhos e viu a mãe que sorria e acariciava seus cabelos, foi logo
perguntando:
- É hoje que eu
vou para casa do vô passar as férias com ele?
A mãe, na
esperança de que a filha acordasse animada para ir à escola, parou as carícias
por um instante e ficou pensativa. Ainda não era o primeiro dia das férias,
então disse que estava na hora de levantar, lavar o rosto, se vestir e tomar
café que ainda tinha uma semana de aulas.
- Uma semana! –
Disse Aninha e ergueu as mãos para o alto para demonstrar o tamanho do tempo
que isso era. Abriu também os olhos bem abertos para reforçar a medida do tempo.
- É muito tempo e eu aprendo mais com o meu avô do que na escola. Bem que as
férias podiam começar hoje. Você não acha?
- Acho. Acho que
estamos em cima da hora. Pula da cama que o café está na mesa e vai ficar muito
triste se você não der atenção a ele.
Aninha
levantou-se, foi ao banheiro e disse ao espelho que no próximo final de semana
ela teria que o abandonar por uns tempos pois tinha que dar atenção ao vô
Júlio. “Ele está muito ansioso e se eu
não for talvez ele fique doente, então é melhor eu ir. ” O espelho se
conformou. Para essas frases tristes ele não dava nenhuma resposta, mas quando
Aninha se arrumava e perguntava se estava bonita, então o espelho devolvia um
sorriso largo de confirmação.
Aquela semana
passou lentamente e os cadernos de Aninha voltaram para casa cheios de desenhos
do sítio. Uma casa grande, o galinheiro, o curral, a horta, galinhas pelo
quintal comendo o milho que a vó tratava. Tinha árvores, bois pastando, um
cachorro e o vô com o laço na mão querendo pegar um bezerro.
Quando finalmente
chegou o dia, chegando no sítio, foi correndo para perto do vô e parou estática
à uns três metros de distância com as mãos na cintura, a perna esquerda um
pouco à frente da outra, a cabeça levemente inclinada para a direita e um
sorriso incontido no rosto. O vô olhou e ela estava linda, vestindo calças
jeans, camisa quadriculada, chapéu de cowboy e botinas nos pés.
- Ouhhh!!
Finalmente chegou a minha boiadeira! – Disse o vô com um sorrisão no rosto.
- E aí, vô. Cadê o
meu cavalo, eu vim ajudar a separar o gado. – Disse a neta com a segurança de
um peão de boiadeiro.
- O cavalo está
encilhado, mas antes vem cá que meu pescoço está doendo e só um abraço de Ana
Maria consegue curar. Também estou sentindo uma dor aqui nessa bochecha...
- Oh, vô, eu dou
um beijo e vai sarar!
Então pulou no
pescoço do vô e ficou rodando no ar, abraçou o vô com os braços ao redor do
pescoço para tirar a dor e com as pernas ao redor do tronco para ficar mais
firme. Deu um beijo bem carinhoso e a dor sumiu das bochechas. E assim,
cavalgando firme no peito do vô foram em direção ao curral onde o petiço já
estava encilhado para Ana Maria enquanto que ao seu lado estava prontinho para
ser montado pelo vô, o cavalo Metusalém.
- Ma-tu-sa-lém -
disse a neta querendo corrigir o avô.
- Fui eu que
batizei ele e dei o nome de metusalém, então ele se chama me-tu-sa-lém.
- Então tá. É como
a mãe sempre diz: manda quem pode,
obedece quem tem prejuízo.
Na verdade, nenhum
dos dois sabia quem fora ou o que significava Metusalém ou Matusalém. Isso
também não tinha a menor importância. O vô dissera que havia colocado esse nome
no cavalo depois que alguém o havia xingado desse nome quando, meio
desengonçado, saiu da loja da CERGRAND e atravessou a rua sem prestar atenção
ao trânsito.
- Ô velho Matusalém – gritou um sujeito de dentro de
um carro bacana – saí daí seu velho gá-gá – emendou.
- Metusalém é o cavalo que te criou. – Respondeu Júlio
num acesso de raiva.
No dia seguinte
comprou o cavalo num negócio que fez com um vizinho. Chegando em casa
lembrou-se do cavalo que criara o motorista e, para nunca mais esquecer do
episódio, deu nome de metusalém ao cavalo que comprou dizendo que talvez ele
crie também um dono de um carro daqueles de luxo que o outro irmão estava
guiando.