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Olhei e vi,
mas não vi. Vi o que não era para ser visto, mas não vi o que era. Meus olhos
estavam tão acostumados a ver só o que era, que não pude entender o que não
era. Estavam diante dos meus olhos, tão visíveis e tão invisíveis que eu podia
ver, mas não podia ver.
O que chegava aos meus olhos era tão
revelador de uma realidade invisível, tanto quanto era invisível a realidade
que estava escondida por trás do que eu via. Então fiquei pensando, que eu
também tenho o direito de pensar: se essa realidade visível é a representação
de algo invisível, então tem que ter algo que está invisível, atrás dessa
representação da realidade.
Fui ver. E vi. Eu queria saber como
se construía o visível do invisível e o invisível do visível. Encontrei homens
jovens, cada um com um sorriso no rosto, gestos compromissados com palavras
descompromissadas, falando isso e aquilo desse e daqueloutro. Amizade revelada
em camaradagem. Olhei e vi o que eram: Seres humanos, carnais. Um deles soltou
um pum. Verdadeiramente humanos!
Humanos demais!
Humanos como pais que brincam com
seus filhos, como mães que amamentam seus bebês, como irmãos que brigam uns com
os outros ou amigos que se querem bem. Humanos que se amam, se relacionam e se
divertem com muitos pums, anedotas e
milhares de piadas que rolam no WhatsApp.
Seres humanos sendo transformados em
personagens. Pessoas que se transformam. Personalidades que se transformam. Então
me lembrei da televisão. Seres humanos mascarados de personagens. Mascarados e
sem pintura no rosto. Sem máscara, mas vivendo o personagem tão perfeitamente
que é difícil até de pensar que aquele personagem tem por trás de si um ser
humano que o representa.
Olhei e vi. Pais de família que
deixam seus filhos na escola com a esperança de que vão aprender sobre cidadania,
depois vão para seu trabalho e se transformam. Enquanto seus filhos estudam
todas as possibilidades para tornar o mundo mais humano, ético e justo, os pais
servem ao capitalismo na busca desenfreada por lucro a qualquer custo, não
importando quão desumano, corrupto e enganosa é a transação comercial.
Olhei e vi. Mães que amamentam seus
bebês com o mais precioso alimento disponível na natureza e depois vão ao
supermercado comprar produtos industrializados e cheios de conservantes,
estabilizantes e sódio.
Olhei e vi. Irmãos que brigam uns com
os outros enquanto crianças, que se protegem na idade adulta e que que se matam
na hora de repartir a herança que os pais acumularam ao longo de uma vida
inteira.
Olhei e vi. Amigos que se querem bem
serem assassinados em brigas tolas por puro preconceito ou egoísmo.
Vi professores fazendo pacto de
mediocridade com seus alunos, enquanto um faz de conta que ensina outros fazem
de conta que aprendem.
Vi médicos que fizeram o Juramento de
Hipócrates, no qual juram praticar a medicina honestamente, deixar pessoas
morrerem sem atendimento, porque não tinham dinheiro para pagar a consulta.
Vi banqueiros exigindo de bancários a
venda de produtos que o cliente não quer e não precisa só para aumentar o lucro
do banco.
Vi advogados cobrando valores
exorbitantes, muito além do razoável, pelos serviços prestados a pessoas
humildes.
Vi pastores cobrando ofertas em troca
de promessa enganosa de prosperidade material.
Vi padres abusando de coroinhas
porque a igreja não permite que se casem.
Vi uma rede de televisão enganando
todo um povo só para manter os interesses de uma classe social.
Vi todas essas pessoas voltando para
casa querendo que o mundo seja melhor!
Vi tantas coisas que minha cabeça
ficou um pouco confusa se aquilo era real ou imaginário. Levei um choque.
Fiquei mesmo confuso. O que é real? O que é imaginário?
Então fui perguntar ao ator. Quando
ele representa ele sabe que representa. O teatro de palco é pensado para que as
pessoas possam viver o imaginário sabendo que ali é a representação. E o ator
me disse:
- Quando
eu estou atuando eu devo fazer o papel do personagem e o meu personagem é de
alguém que odeia os espectadores. Então, mesmo que eu represente esse
personagem e demostre todo o ódio que ele, o personagem, tem por aquelas
pessoas, eu não consigo odiar, na verdade eu tenho é muito amor por aquelas
pessoas. Então eu não incorporo o personagem, eu represento ele para que as pessoas
fiquem impactadas. Enquanto eu estou no personagem eu cumpro o meu papel porque
ele é educativo e só sendo bem representado vai alcançar o objetivo que é
alcanças a mente das pessoas...
Enquanto ele falava, eu fiquei pensando
no palco da vida real.
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