Eu vejo uma
escola: salas de aula, salas de aula, salas de aula, gabinete da direção,
secretaria, cozinha, banheiros, cantina, quadra de esportes, gramado com
árvores boas para sombra e, agora, muitos jovens que não são os alunos da
escola secular que funciona neste local durante o ano letivo, mas jovens que
hoje tomaram a escola para afirmar uma geração que canta e celebra a tua
misericórdia ó Deus.
São jovens
como os da escola do ano letivo, cantam, dançam, riem, jogam futebol, vôlei,
pingue-pongue, tomam tereré. Tem uma banda e estão tocando e cantando, riem das
piadas contadas e vão prestar atenção ao ensino ministrado.
São iguais
aos alunos do ano letivo. São diferentes. Tão iguais que vejo os olhos de uns e
outros se encontrando num compromisso tácito de um relacionamento eterno ainda
não oficializado, mas que irá durar para todo o sempre. Claro que é preciso
combinar com todas as adversidades para não interferirem nesse sonho sempiterno
de um namoro que sequer existe mas tem compromisso firmado nos corações,
alimentado pelos hormônios e selado por uma mente ainda pura e desejosa de um
relacionamento tão lindo como este pode ser...
Tão iguais
no vigor da juventude, na alegria das brincadeiras descompromissadas, tão
iguais nos sonhos de uma vida que para ser boa ainda não precisa de um plano
muito preciso. Tão iguais na certeza que os pais vão mesmo concordar em bancar
seus desejos de consumo. Tão iguais em tantas coisas, mas tão diferentes... .
Diferentes em que?
ESTRELA DA MANHÃ, QUE BRILHA COMO O SOL, CORROI A ESCURIDÃO,
JESUS É O MEU FAROL.
Agora os
jovens são alunos assistindo aula no pátio da escola. As salas estão tomadas
pelos colchões e roupas de cama. Foram transformadas em dormitórios. Os jovens
estão assistindo aula, então são alunos como os do ano letivo, mas fora da sala
de aula, num lugar improvisado no pátio interno da escola. Será que é para
serem diferentes? Então que seja, isso os faz mesmo diferentes! O professor é
igual, ministra o ensino com conhecimento do conteúdo e boa didática e isso de
certa forma torna os alunos iguais aos demais.
Os alunos do
ano letivo estudam o conhecimento gerado por uma sociedade que evolui graças ao
progresso da ciência e da filosofia humana que organiza a sociedade para
atender interesses do comércio e da indústria que criam bens de consumo e
necessidades para o cidadão que os adquirem graças ao dinheiro disponibilizado
pelo sistema financeiro.
“E, quando eu for e vos preparar lugar,
voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejam vós
também” ensina o professor sobre o que teria dito uma tal de Jesus. O
professor deve admirar muito esse Jesus, pois disse que deveriam seguir o que
ele disse: “Se me amais, guardareis os
meus mandamentos” e continuou: “Ainda
que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
..., se não tiver amor, nada serei”. Acho que esse professor tomou o livro
didático errado, ou se enganou na ministração ou está tentando enganar os
alunos ou, ou, ou..., ou ele é diferente dos demais mestres desta escola. E se
ele é diferente isso vai acabar fazendo com que os alunos, os tais dos jovens
que tomaram a escola para afirmar uma geração que canta e celebra, também sejam
diferentes.
Os alunos do
ano letivo aprendem que o conhecimento de toda a ciência os torna forte o
bastante para serem bem-sucedidos e alcançarem o sucesso sendo melhores e mais
reconhecidos que os outros.
Os jovens da
geração que canta e celebra a tua misericórdia ó Deus, aprendem que é preciso amar a Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a si mesmo. Esse é o grande mandamento e, ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, a grande
comissão.
E o
professor continua falando sobre a importância do amor. Os donos dos olhos
brilhantes e aliançados tacitamente por juras de amor eterno nunca ditas, logo
se entusiasmaram com a certeza de que esse é o amor verdadeiro que deve ser
praticado e construído e fidelizado por todos os dias de uma vida cor-de-rosa
que une duas pessoas que se tornam uma só carne a viverem felizes para sempre,
se nenhum inconveniente do tipo incompatibilidade de gênio interferir separando
o inseparável. O professor chamou esse amor de romântico ou Eros, mas que o amor que está acima de toda a ciência
ou de todos os outros dons espirituais é um tal de amor ágape. Uma espécie de transição ou transladação ou evolução,
sei lá, do amor sentimental para o amor que tem atitude. Amar é verbo e requer
ação do amante.
Esse amor, disse
o professor, é capaz de construir um reino sempiterno.
Esse
amor que o professor disse que é capaz de construir um reino sempiterno não
está muito bem compreendido por pelo menos um dos alunos. Incluído entre os
excluídos por uma vida inteira, agora está excluído mesmo da inclusão dos
excluídos.
Trabalhou
toda uma vida útil junto com seu pai na lavoura, onde não estava empregado, mas
ajudava na produção de alimentos transformados em mercadorias pelo dono,
comercializados pelo atravessador, vendido para ter valor agregado na indústria
e transformados em moeda corrente no caixa do supermercado para finalmente
servir de alimento para o povo da cidade. “Agora
vem um cidadão da cidade me dizer que eu sou vagabundo e devo arrumar um
emprego”, ele diz.
Até sofrer o
acidente, quando foi atropelado e não pode mais trabalhar na roça com o pai,
estava incluído no trabalho, mas excluído do sistema que deveria considerar seu
trabalho. Depois do acidente, foi incluído entre os excluídos do trabalho,
vivendo com apoio do trabalho do pai. Com a morte do pai, foi incluído entre os
excluídos da fazenda.
Na cidade é
excluído do sistema e agora vem o professor falar desse amor Ágape. Muito fácil
para quem não tem nada, amar a Deus sobre todas as coisas. Qualquer amor que
esteja acima de 0,1 positivo já é amor a Deus sobre todas as coisas, mas amar
ao próximo como a mim mesmo... Quem é o próximo a ser amado? O dono da fazenda
que o despediu sem nenhum tipo de garantia nem mesmo pelo trabalho do pai? O
governante que não deu proteção? O responsável pela casa de abrigo que o
devolveu para a rua sem nenhuma perspectiva? Os desocupados que estão bebendo
nos bares e lhe chamam vagabundo quando estende a mão pedindo uns trocados? Os
donos de comércio que lhe negam qualquer ajuda? Quem é o próximo?
Eu, de minha
parte, estou entendendo que devo estar disposto a amar a Deus sobre todas as
coisas. Entendi que esse professor é mesmo diferente e está fazendo jovens
serem mais diferentes ainda do que já eram quando chegaram aqui.
UAU! LUAU!
A aula
acabou de acabar na sala improvisada no pátio interno da escola. Incrível como
esses alunos tão jovens e conscientes da programação festiva que os esperava
ficaram atentos aos ensinamentos até o último instante. Oraram com fé e se
prostraram diante da banda que tocava, mas não era diante da banda que estavam
prostrados, era diante de um Deus que segundo diziam estava presente naquele
lugar que eles chamavam de altar do Senhor.
Do altar, ensinava
o professor, emana poder! Até eu
quero um pouco desse poder! Então me acheguei para perto do altar. Tem algo
diferente mesmo! Não sei explicar muito bem o que é, mas tem um poder meio
assim sobrenatural que me tocou, foi queimando por dentro de mim, fiquei meio
estranho, os pensamentos meio fora da casinha e ao meu redor todos aqueles
jovens prostrados na presença desse Deus invisível que vai tomando conta das
pessoas. Aí veio aquele professor para perto de mim. Pensei: ‘Vai mandar eu
sair, não estou matriculado nesse curso’. O professor chegou perto, eu tremia,
queria sair para não atrapalhar, mas não conseguia me mexer. Então ele pôs a
mão sobre minha cabeça e começou a falar umas coisas que eu não estendi. Acho
era em outra língua. Eu queria sair dali, estava tudo confuso. O professor pôs
a mão sobre o meu peito e continuou falando. Eu senti algo muito estranho, mas
profundamente bom, então não senti mais nada, só me lembro de estar deitado no
chão. Alguém me ajudou a levantar, eu olhei para ele e pensei, ‘puxa, parece
meu irmão’. Ele me deu um abraço e disse que Deus era comigo e eu não precisava
mais temer nada. Foi assim mesmo que me senti naquela hora.
Logo começou uma música alegre e
todos pulavam de alegria, até eu que não estava matriculado fui arrastado para
o meio. Também pulei e cantei, afinal eu estava alegre mesmo. Pensei: Isso é o luau que falaram que ia ser hoje.
Não era. Quando todo mundo tinha celebrado com cântico e júbilo, avisaram que
em quinze minutos ia começar o luau.
Não me chamaram para o luau. Também
não tinham me chamado para as aulas. Eu assisti todas elas porque estava ali
mesmo. Agora vou assistir ao luau, quero ver como que isso é. Dizem que é uma
festa.
É uma festa! Tem até uma rádio
instalada, rádio cabeceira 77,2 fm,
para apresentar os programas e tem dois locutores muito engraçados fazendo
brincadeiras. Logo começaram a deixar os jovens darem recadinhos de amor. Eu te
amo daqui. Você é demais. Essas coisas. Então me lembrei dos olhos de uns e
outros que se encontraram já no primeiro dia e fizeram certamente juras de amor
eterno para viverem felizes para toda a vida num relacionamento açucarado e
meloso que engorda só os sentimentos, deixando o corpo sempre em forma conforme
determina o censo comum ditado pela mídia patrocinada pelo capitalista que
adora o rei mamom.
Aí eu pensei, é agora que uns e
outros vão se encontrar e ficar juntinhos. Ficar ficando nesse luau preparado
para o romantismo aflorar entre os crentes. Esperei, meus olhos estavam mais
atentos aos apaixonados do que ao evento em si. Os alunos do ano letivo sempre
contam das garotas que pegaram para ficar um tempo. É próprio da natureza,
então não tem problema, mas esses crentes, eles se encontram trocam olhares,
riem, brincam, se abraçam, mas ficar, nada.
A noite virou, o Luau acabou e todos
estavam muito alegres. Foram dormir. De manhã, antes de a última aula iniciar
eu não aguentei a curiosidade e fui perguntar para um daqueles olhinhos
brilhantes por que eles não ficaram
juntinhos do outro par de olhos. Ele me disse que tinha decidido participar de
uma geração que decidiu esperar. Eu
decidi esperar, ele disse. Esperar o que? Perguntei. Esperar em Deus, ele disse. Se eu esperar em Deus meu casamento não vai
correr o risco da incompatibilidade de gênio, nem vou achar que a vida será
sempre cor-de-rosa e também não precisarei atender os desejos de consumos
instigados pelo mundo, pois Deus irá me sustentar.
Até aí eu não tinha entendido muito
bem. Então ele, que estava empolgado, continuou falando:
- Você acha que isso não funciona?
Pois eu te digo, entendi que o amor Eros, esse que atrai as pessoas para
ficarem perto umas das outras é como um fogo de palha, se não for alimentado,
acaba muito rapidamente. Precisa ser sustentado por um outro tipo de amor, o
amor Ágape. E o amor Ágape está firmado na vontade das pessoas, daí que se eu
alimentar o amor Ágape eu não vou correr o risco do amor Eros ficar sem
alimento.
Estava eu ainda tentando traduzir
para meu entendimento esse negócio de amor Ágape alimentar o amor Eros quando
iniciou a última aula, que eles chamam de ministração. O professor, que é meio
brincalhão e faz todo mundo cair na gargalhada de vez em quando, animou aquele
povo sonolento do Luau e continuou falando desse tal de amor Ágape. Prestei
mais atenção. Queria saber como é que esse amor alimenta o outro, mas em vez
disso percebi que havia outro problema a ser resolvido. Quem é o próximo a ser
amado.
Para o que fora excluído, mesmo da
inclusão dos excluídos, poderia mesmo ser que o que o incluiu é o próximo a ser
amado, ou seja, a igreja que o acolheu, amou e apoiou. Mas o professor foi
dando a entender que o entre os próximos a serem amados estariam o dono da
terra, o governante e todos os outros que o rejeitaram, até os do bar que o chamava
de vagabundo.
De pronto rejeitei essa ideia. Como
posso amara quem me rejeitou, excluiu, me chamou de vagabundo quando o que eu
queria era só um prato de comida? Aí eu fui sentindo outra vez aquele calor
queimando dentro de mim. Pensei: é raiva desse professor que quer que eu ame
pessoas assim. Eu não sentia raiva. Então não era raiva. Sentia pena dessas
pessoas. Pensei: se sinto pena, então elas devem ter algum tipo de sofrimento.
Aí senti o desejo de amar essas pessoas e isso me fez sentir bem. Isso deve ser
o amor Ágape. Bom, agora eu não sei como terminar este texto, então ele vai
ficar assim mesmo.
(Elairton Paulo Gehlen)