Translate

domingo, 29 de março de 2020

EU JÁ TENHO O MEU QUINHÃO


Lá, ou cá, se vão os dias dessa quarentena. Muitas coisas se descobrem nesses tempos, tipo, um monte de gente que nem era tão bonzinho quanto parecia. Foi só dizer que tinha que ficar em casa e a vontade de ficar em casa sumiu! O Zé, é o José mesmo! Ele agora deu de querer ir trabalhar de qualquer jeito. E o jeito que o Zé deu, foi o de dizer que esse viruszinho era só um viruszinho e ele ia era ganhar dinheiro enquanto todo mundo estava perdendo. Ganhou. Um viruszinho. Tá no hospital e a cabeça tá doendo que nem de um jeito que nunca sentiu, então não sabe de que jeito é.
O Mané, isso mesmo, o Manoel, aquele que tem uma lojinha e ela cresceu porque o Mané investiu e fez uma loja novinha, ele tá desesperado porque os empregados dele não podem trabalhar, quer dizer, porque ele não pode abrir a loja porque a prefeitura disse que não pode. O Mané acha que é mais forte que o vírus e faz campanha contra a quarentena. Disse que vai proteger os clientes que pelo amor de Deus venham comprar. Os empregados também, dentro da loja, serão protegidos. Aqui o vírus não entra! Quem estiver na rua antes de chegar na loja ou depois que sair que se vire, o que interessa é que aqui dentro o lucro seja protegido contra o vírus!
O Véio, ele mesmo, o Luciano, ele tem certeza, por dito e repetido, que o dinheiro vale mais que qualquer quarentena! Depois que comprou um jatinho por, não vou afirmar, só sei que dizem que foi, por R$ 250 milhões! Ele está desesperado com essa ideia de salvar vidas em vez de salvar a economia. Economia, bem entendido, o dinheiro para pagar o jatinho ‘dele’!
Se eu for contar todas as histórias que já vi nesses poucos dias da quarentena ia ficar aqui contanto tanta história que não ia sobrar tempo para saber se a quarentena é boa ou ruim. Pelo não, ou pelo sim, eu já tenho o meu quinhão e vou levando cada dia. Se você ainda não tem, cuidado para que o teu não esteja te esperando na conversa fiada de quem não se importa com o teu próximo dia!
Elairton Paulo Gehlen

segunda-feira, 23 de março de 2020

O BOLO E A VIDA


Quando o bolo chegou, único, exclusivo, feito por encomenda a uma franquia nos Jardins, transportado na van refrigerada para que nada se perdesse da aparência, os familiares e os convidados puderam finalmente erguer as mãos ao alto e levantar as vozes em uníssono, ritmadas pelas palmas, e cantar os parabéns ao ilustre aniversariante que se encontrava tristemente bebendo uísque num canto da sala.
- Faça seu pedido, doutor!
Depois de gaguejar algo que não podia ser entendido pelos demais e de ser orientado sobre o absoluto segredo de seu pedido, olhou através dos milhares de milhas que pensava estar daquela realidade e pediu aos deuses do capitalismo que encontrassem um jeito de permitir que a festa fosse aberta aos muitos amigos em quarentena, que a banda pudesse tocar e as pessoas dançar livremente sem o incômodo medo desse vírus.
- Brindemos ao aniversariante!
Dez familiares e quinze convidados. Foi o máximo possível reunir sem a desconfortável visita dos representantes da ordem pública em tempos de quarentena obrigatória. Se pelo menos tivesse liberdade de cuidar de seu próprio quintal!
Já perdera dez milhões investidos na bolsa de valores, já perdera outro tanto pelas medidas restritivas do governo e ainda iria perder mais com essa paralisação quase total da economia. De que me serve um governo liberal? De que me serve o capitalismo se o Estado intervém para salvas as pessoas?
De madrugada, quase dia clareando, as duas garotas de programa que encomendara ouviam vozes sonolentas que falavam de algo como que um pedido aos deuses: “Eu quero um lugar, dizia o sonâmbulo entre lençóis e agarrado ao travesseiro como se agarrasse a última chance de ser feliz, eu quero um lugar onde eu possa gastar meu dinheiro livremente”. Daí suspirou, deu um salto na cama e olhou em redor: “Quem são vocês? Ah, claro, acho que tive um pesadelo. Dá para ir até a geladeira e pegar um pedaço de bolo para mim? ”.

Elairton Paulo Gehlen

sexta-feira, 20 de março de 2020

TRINTA DIAS


Hoje é dezesseis
Faz trinta ou nem sei
Fiquei longe demais
Apartamento onze
Muito perto, muito longe
O andar é o número um
Sonhos não tenho mais nenhum
Ou tenho? Ainda não sei.

Subi as escadas
Deixei sonhos para trás
Desci e fui buscar
Não encontrei
Voltei decidi ficar.
Primeiro andar...
Da janela vejo o sonho
Andando na rua
Quase nua.

Lá adiante vai um pensamento
Dentro do carro
Fora da rota
Primeiro andar
O carro anda de pressa
O caminho se alarga
O pensamento voa
Voa para muito longe
Nunca mais volta.


Elairton Paulo Gehlen

CHIFRE EM CABEÇA DE CAVALO. EXISTE? EXISTE!

  Já botei no título o que poderia ser uma mentira, a ciência diz que cavalos não tem chifre, nem as éguas, mas na fazenda do Romero, que ...