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quinta-feira, 27 de março de 2025

O COMBUSTÍVEL QUE QUEIMA O DESTINO

 



Quando minha mãe era ainda uma adolescente, uma Cigana leu o seu destino e vaticinou que ela morreria antes de completar setenta e oito anos de idade. Quando Dona Helga celebrou o septuagésimo oitavo aniversário e a morte não veio, pensou que talvez tivesse se enganado e, invertendo os algarismos, em vez de setenta e oito, a data fatídica seria, então, oitenta e sete. Por mais de setenta anos o fogo desse vaticínio queimou a vida de uma mulher religiosa. Como pode uma superstição ser mais ardente que uma fé em um Deus todo poderoso? Isso eu não sei, o que eu sei é que no dia 18 de novembro de 2021 nós celebramos como bolo e cerveja a vitória da vida sobre a estupidez.

A vida sempre vence, até que a morte lacra o destino final. Até lá, há sempre um fogo queimando o combustível do destino. E não importa por quanto tempo ou quão rápido queima o combustível, importa mesmo é quanto de combustível temos e, principalmente quanto dele vamos queimar até descobrir uma nova fonte de energia que nos mova para uma nova direção. O Sol que nos queima a pele a cada dia está a aproximadamente 150 bilhões de quilômetros de distância, queima tão forte que a luz solar demora menos de dez minutos para percorrer essa distância e iluminar nossos passos em rumo ao destino que nos espera enquanto queimamos uma energia que não sabemos muito bem de onde vem.

Às vezes o combustível é feito de esperança.  Enquanto temos combustível, vemos aquilo que esperamos ou desejamos. Esperança é um combustível poderoso que nos leva a distâncias incríveis, mas às vezes acaba antes de alcançarmos o ponto de chegada e ficamos derrotados pelo meio do caminho estorvando outros que desejam correr a mesma corrida e ora um ora outro se enrosca em nossa desfortuna e desperdiça, por nossa conta, o precioso elemento impulsionador da vida.

 Às vezes é a fé que enche o tanque da alma, delineando caminhos de salvação ou perdição. Movidos pela fé podemos mover montanhas ou alimentar demônios. Pela fé ouvimos a voz do Senhor num cicio do vento ou a do pastor ganancioso em ensurdecedores alto-falantes. Lá nos postos de combustíveis dizemos que o combustível batizado gera lucros para os donos e atemoriza os consumidores, em muitas instituições os fiéis são batizados para gerar lucros pelo terror do inferno, em outras são abastecidos do mais precioso combustível que leva ao Céu.

Que vasta variedade de combustíveis nos abastecem a cada dia! Amor, ódio, poder, ganância, humildade, desejos, paixões, medos, ansiedade, ... . Em 66 anos me abasteci de quase todos esses tipos de substâncias que queimamos para produzir calor emocional, cada um me conduzia para um destino e eu acabei no meio do caminho olhando para os lados na esperança de achar um atalho que possa me levar a um porto seguro. Que tamanha multidão se encontra comigo!

Um minuto-luz é a distância que a luz do Sol percorre em 60 segundos e equivale a aproximadamente 18 milhões de quilômetros. Já não tenho mais muito tempo, mas se eu tiver pelo menos um minuto-luz do combustível da fé verdadeira eu posso chegar ao Céu da minha existência. Quem vem comigo?

quarta-feira, 19 de março de 2025

SEM VONTADE DE ESCREVER

 



Às vezes perco totalmente a vontade de escrever. Para que servem as palavras? Elas são ditas ao vento e colhidas de um modo esdrúxulo, quase incompreensíveis e transformadas em textos supostamente bíblicos nas bocas de um sacerdócio estapafúrdio.

As palavras tinham valor quando eram seletivas e dominadas por intelectuais que se davam ao respeito. Mas, desde os tempos Pré-Socráticos elas se degeneram em falsas composições textuais a serviço de uma galera prostituta em busca de poder, riqueza e reconhecimento. Bastou à Sócrates questionar os Sofistas, os Teólogos e os valores gregos e darem-lhe uma dose mortal de Cicuta. O maior filósofo da história da humanidade não escreveu uma única palavra que fosse editada em um livro, tudo que se tem são as anotações do seu pupilo Platão.

A religiosidade que mata por causa da palavra já existia, como se vê, há cinco séculos antes de outro filósofo ser morto cruelmente pela interpretação distorcida da palavra que deveria salvar. Só o que se tem das suas palavras são referência a alguns rabiscos que fazia na areia da praia quando intercedeu pela vida de uma prostituta que talvez nem soubesse ler e seria apedrejada pelos conhecedores das falsas interpretações do texto bíblico. O filósofo da paz e do amor ao próximo tornou-se presidiário e foi torturado até a morte, morte de cruz, numa condenação pública patrocinada pelos líderes religiosos.

Daqui a pouco vamos celebrar a Páscoa e as ruas estão cheias de líderes religiosos gritando por anistia para um Barrabás tupiniquim. Sim, Barrabás, o original, era um salteador, ladrão e assassino, em seu favor gritaram os religiosos, aqueles que tinham conhecimento da palavra escrita. Há mais de quatrocentos anos antes de Cristo, um jovem ‘corropmpido’ pelas ideias do mestre Sócrates fundou a Academia mais importante de estudos universais, a Academia Platônica, considerada a primeira universidade ocidental. O pensamento mais famoso de Platão refere-se ao Mito da Caverna’, nela, as pessoas acreditavam que a sombra projetada na parede era a realidade da vida delas. Essas mesmas sombras são as Fake News atuais.

Para que servem as palavras? O Trump acabou de apresentar um projeto maravilhoso de construção de um RESORT na orla do mar mediterrâneo, um lugar paradisíaco para os milionários terem laser e luxúria à custa dos miseráveis. E por falar em miseráveis, para viabilizar o projeto é preciso expulsar daquele lugar todo um povo a quem se recusa historicamente o direito a uma pátria. Fundamentado na palavra de que Jerusalém será restaurada sob o domínio de Israel, acredita-se que não há nenhum problema como o genocídio promovido sobre um povo miserável e indefeso. Mas, tem só um problema, a Palavra diz que Jerusalém não será a mesma, a nova Jerusalém, descrita na Palavra, será realmente nova e descerá do Céu. O propósito dessa guerra esdrúxula é destruir o povo palestino e dar lugar à construção de um Resort para milionários e bilionários que nada tem a ver com as profecias bíblicas.

Mas, para que servem essas palavras que escrevo? Nada! São completamente inúteis.

domingo, 12 de janeiro de 2025

ACAMPAMENTO É UMA DOIDEIRA!!!

 


 


A ideia de acampar, por si só já é uma coisa boa, montar a barraca num lugar bonito, entre árvores frondosas, perto de uma grande represa com vista para uma praia tranquila, curtir o pôr do sol e esperar o amanhecer tomando uma cervejinha em boa companhia...



... Um verdadeiro Paraíso! Damos nomes a todos os animais que circulam pelo bosque ou se banhando nas águas mornas do lago de Itaipu. Os animais são domesticados, as aves são cantoras e as árvores fazem a harmonia das músicas toda vez que o vento balança os galhos e derruba as folhas num eterno desfile de papel picado imaginário. De manhã, quando se bota a cara amassada pela porta da barraca os olhos brilham com as mangas que caíram madurinhas durante a madrugada, vêm como vinha o maná dos hebreus, a cada dia, e não adianta guardar para o dia seguinte porque elas caem com data de validade para o mesmo dia, no dia seguinte só servem para atrair as moscas varejeiras. Senão guardar, tudo bem, o maná amanhece em frente da barraca outra vez!



Enquanto o chá espera o desjejum de frutas e cereais, a porta da barraca se abre para o bom dia que vem descabelado e sorrindo. Não tem nenhuma necessidade de pentear os cabelos, é a natureza me devolvendo o que era meu há pouco quando não tínhamos nenhuma necessidade das coisas comerciais, nem mesmo das roupas ou calçados, a natureza nos bastava e, agora que temos necessidade de roupas por causa dos vizinhos de acampamento, nos olhamos agradecidos por mais um dia feito só para nós dois. Ainda que os outros insistam em nos ver, eles não têm a menor importância, convivemos com eles como convivemos pacificamente com os pássaros e os outros animais que usufruem da natureza maravilhosa da Praia de Porto Mendes.



Desejamos estar no Paraíso e ali permanecer para toda a eternidade, mas é só procurar pelas coisas compradas nalgum comércio e que consideramos necessário para o dia que se nos apresenta gratuitamente pela providência divina, que começa o perrengue. Acampamento não é uma casa organizada, por mais que cuidemos para deixar tudo em algum lugar conhecido, ao procura-lo não encontramos nem por nada deste mundo, daí viramos todas as malas e caixas desarrumando ainda mais o que já era, digamos, uma bagunça organizada. No Jardim do Edem não havia nenhuma necessidade de malas e caixas e as coisas nunca estavam desorganizadas, simplesmente porque não havia coisas, só a natureza. Ah, quem dera o Jardim não estivesse fechado e o anjo que guarda a entrada nos permitisse ficar por lá por uma temporada eterna!

Nem só de manga vive o homem, então vamos almoçar num restaurante onde encontramos frutas e verduras produzidas com uma abundância de agrotóxicos, e uma grande variedade de comida gordurosa e frituras em óleo de soja reutilizado. Uma delícia de comida temperada! Faz mal, mas é muito bom!!! De lanche comemos deliciosos pães de queijo feitos sem nenhuma grama de queijo e bebemos cervejas feitas com milho em vez de cevada. Mas não reclamamos, decidimos que, se estamos acampados em meio à natureza, então todos os produtos são naturais, inclusive as verduras e os demais alimentos, tudo absolutamente orgânicos e, se algum mal nos sobrevier, vamos ao médico e ele que lute para nos curar, ele ganha bem para isso.

As águas da praia do lago estão aquecidas pelo sol escaldante do dia e mergulhamos nela como se usássemos óculos de realidade virtual, as nuvens refletidas na água nos fazem flutuar no espaço, nadamos de costas em nuvens de algodão e rodamos nossos corpos num espaço sem gravidade. Quando os pés tocam as pedras no fundo do rio, percebemos o lago e olhamos para o horizonte infinito onde o sol se põe, daí saímos apressados para fazer pose e guardar para posteridade esse sentimento de pertencimento às belezas incomparáveis da natureza. As imagens no celular nos fazem perceber que estamos entre dois mundos, basta uma mordida no fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal e seremos expulsos do paraíso.



Voltamos felizes para nossa barraca e percebemos uns carros estacionando por perto, uma fogueira foi acessa anunciando churrasco e o capô se abriu para a música sertaneja universitária que nada tem de sertaneja e muito menos de universitária, o timbre da voz nunca muda e as notas parecem gotas torturadas saindo do alto falante. Pegamos nossas cervejas geladas, duas cadeiras de praia e fomos apreciar o anoitecer na beira do lago. Duas horas de sofrência e eles se foram satisfeitos de tanta carne e cerveja temperados com a mais triste música do universo! A natureza agradecida nos recebeu de volta para mais uma noite de paz. Quando amanheceu, um maná de mangas amarelas com data de validade de um dia forrava o chão do nosso pátio.

Três dias vivendo as maravilhas do paraíso e já não sabíamos onde encontrar as mais simples coisas sem ter que revirar o acampamento. Foi nesse terceiro dia que descobrimos que o pior ainda estava por ser encontrado no meio dessa bagunça de vida. Tinha algo que nos incomodava e não era o carregador do celular que se escondera embaixo da mala na caçamba da saveiro, também não era a cantoria da galera do churrasco, menos ainda as moscas varejeiras que se deliciavam com os restos das mangas com prazo de validade vencidos. Não era chuva e nem tempestade. Haveria algo pior num acampamento à beira lago de Itaipu?



Pois havia, inacreditavelmente fatídico, o destino nos fez permanecer isolados no paraíso por mais uma semana. Os alimentos cultivados com agrotóxicos e gordurosos que comemos estavam aos nossos olhos e podíamos ter evitado, a triste música sertanoja estava aos nossos ouvidos e podíamos ter evitado, as mangas com data de validade podíamos jogar para longe, mas o que não se vê, não se ouve, não se sente, como evitar? Em algum lugar entre Dourados, Ponta Porã e Porto Mendes fomos contaminados com o vírus da COVID. Pois, no terceiro dia de acampamento sentimos um leve, mas persistente, sintoma de gripe, fizemos os exames e: POSITIVO!

Agora estamos condenados a viver no paraíso por mais uma semana, graças a Deus com sintomas muito suaves o que nos dá condições de fazer aquilo que lá no fundo do coração mais desejávamos: Ter um tempo só para nós!



terça-feira, 24 de dezembro de 2024

NATAL – A IGREJA E OS SETE PECADOS

 



Blá, blá, blá, na minha ignorância, é tudo o que eu sei dizer sobre o Natal. Então blá, blá, blá. Isso é tudo!  Vai lá, para não decepcionar todo mundo, vou traduzir o que seja esse blá, blá, blá. É quase tudo o que tenho visto sobre o Natal nas redes sociais e também na mídia oficial, aquela a que costumamos chamar de Jornal. Mas faz sentido, é empolgante falar dessa data tão importante para os Crentes e especialmente para o comércio que vende mais que em qualquer outra data comemorativa. O conforto espiritual baseado numa acomodação entre o divino e o profano justifica toda idolatria cristã que a data contém assim como a ganância promovida pelo comércio que usa uma celebração cristã para lucrar.

E por falar em ganância, esse está na lista feita inicialmente pelo Papa Gregório Magno, no século VI e ajustada por Tomás de Aquino, no século XIII. Na lista, aparece com o nome charmoso de Avareza e se fundamenta no texto bíblico da carta de Paulo a Timóteo, que diz: “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males”. E o amor ao dinheiro é a delícia deste mundo, incluindo aí, claro, todos os comerciantes, o sistema financeiro, chamado de “mercado”, e também as igrejas, tipo uns 99 por cento delas. E haja maldade neste mundo!

Outra delícia do Natal é a comida e a bebida, exagerados, claro, que é para dar sentido de festa para o nascimento do salvador. Apesar de a lista dos sete pecados ser uma construção católica, não há crente que não a considere uma relação de pecados, tipo, capitais. E o Natal é “o” chamativo para que as famílias se reúnam para muita comida, a mais cara que se possa comprar, e bebidas, alcoólicas de preferência que é para alegrar a festa. A ganância, dita ali acima, faz os preços aumentarem ao máximo, só assim se realiza o milagre de dois pecados ao mesmo tempo: Avareza e Gula!

E quando as famílias finalmente se reúnem para as festividades e comem e bebem mais do que deveriam e os ânimos começam a se exaltar não há quem contenha a Ira dos bolsonaristas contra os lulistas e vice-versa. Idolatrado pelos crentes que combatem a idolatria dos santos católicos, Bolsonaro assumiu uma espécie de santidade no meio cristão. No caso, um santo apócrifo fazendo bagunça no meio evangélico.

E, continuando o blá, blá, blá, é só dar uma caminhada pela cidade que se vê claramente a soberba no meio eclesiástico. É cada igreja, e cada um, querendo ser melhor que o outro. As igrejas empresariais mais bem-sucedidas ostentam sua riqueza, enquanto as mais pobres que se danem, quem sabe fecham e os fiéis vêm pagar o dízimo “aqui”. Haja soberba!

Dois outros pecados eu diria que tem uma forte ligação entre si. A inveja e a luxúria são amicíssimas e rivais. Uma provoca a outra, mas uma meio que depende da outra. Quem nunca olhou para o lado, no meio do culto, e pensou que desejaria ter ou ser como a outra pessoa que está no banco da frente? Uma casa bacana, o carro novo, o dinheiro, o charme, o dom, enfim, tudo aquilo que eu queria, mas não tenho e ele tem. E quem têm, muuuuiiiiitas vezes, sem maldade, ou com maldade, escorrega pelos caminhos da luxúria, e leva junto quem está afim de ir, pela inveja mesmo ou pelo desejo de ser melhor que o outro.

Só falta um. Agora estou com preguiça de falar dele!

Têm, também, as virtudes que se contrapõem aos pecados. Mas, convenhamos, quem está interessado?

sábado, 7 de dezembro de 2024

É CATARATA! (Capítulo ... DOZE)

 

CAPÍTULO UM 


A vida no sítio é uma maravilha! Contato com a natureza, criação de animais domésticos, produção de alimentos orgânicos, um lago de peixes logo abaixo das nascentes de águas límpidas e o mais importante: sossego. No sítio não há o incômodo barulho dos automóveis e nem a miséria que bate à porta pelos pedintes de rua que carregam mais necessidades do que precisam para viver. É uma maravilha! Seu Amantino é dono do Sítio Alvorada, a 24 quilômetros da sede do distrito de Itahum que, no idioma guarani, significa Pedra Preta.

Lá no Alvorada, Seu Amantino produz de quase um tudo que precisa para viver e vende uns excedentes da produção para poder comprar a coisas que não produz, como roupas, eletrodomésticos, ferramentas e alguns alimentos industrializados. Numa pequena granja, o sitiante produz galinhas que todas as semanas o feirante Josimar compra para revender na feira livre do distrito, junto com as galinhas, que são levadas vivas, também leva verduras, legumes, milho verde, mandioca, queijo e mel. Somando as rendas e descontando as despesas, numa conta que o sitiante faz olhando o dinheiro que lhe resta quando vai para a cidade, ume vez por mês, com a esposa, o lucro gira em torno de uns dois mil e trezentos reais. Esse valor é muito bem administrado pela esposa. Dona Esmeraldina, depois de abastecer o Fiat Uno, compra tudo que consegue com os recursos disponíveis e assim, cada mês se acaba com o saldo zero no bolso do marido, mas sempre fica umas moedas na carteira da administradora que se orgulha de nunca ter ficado sem dinheiro nesta vida, desde que se casou com Seu Amantino.

Era dezembro de 2022 Seu Amantino disse que não ia poder levar dona Esmeraldina para a cidade porque os olhos dele ‘estavam muito curtos’ para dirigir o Fiat Uno. “Mas homem, daí é que tu tens que ir, pra ver um oculista”, respondeu a mulher, e foi empurrando o marido para dentro do carro. O ‘oculista’ concordou em atender, mas Seu Amantino deveria aguardar para fazer ‘um encaixe’ entre um atendimento e outro, então não daria para saber quanto tempo isso demoraria. Enquanto o marido esperava pelo encaixe, dona Esmeraldina foi às compras, que delícia essa liberdade de escolher o que quisesse, ainda mais que nesse ano ela fizera reserva mensal de dinheiro, escondida do marido, desde julho, então o natal seria reforçado.

Dia vinte de dezembro é feriado na cidade, mas as lojas abriram porque estava perto do Natal e parece que nesse dia as tentações eram ainda maiores que nos outros meses. Cada loja tinha enfeites, uns mais bonitos que os outros, luzes piscando, Papai Noel esbanjando felicidade e distribuindo balas, músicas falavam de Jesus pelos alto-falantes e essa mistura do real com o imaginário, do religioso com o profano, confundia um pouco a cabeça da sitiante. Ela amava Jesus justamente porque ele era humilde, se Jesus fosse sitiante, ninguém ia pregar ele na cruz! A não ser que ele resolvesse passar um tempo na cidade. A cidade é o contrário do sítio, tem tanta tentação na cidade que é quase impossível não pecar. Mas as tentações são tão atraentes! Só que custam dinheiro. “Eu queria ser muito rica”. A igreja da frente da praça estava aberta e tinha um presépio grande, Jesus parecia um bebê de verdade! Tinha as vacas no curral onde Jesus nasceu, tinha também umas ovelhas. No sítio também tinha duas ovelhas que Seu Amantino comprara do Juvenal, que mora no sítio Alto Alegre. Dona Esmeraldina ficou um tempo olhando aquele presépio. Tão pobre o menino Jesus! Dona Esmeraldina agora se sentia até orgulhosa de ser pobre, se parecia com o Salvador!

O Padre, que acabara de ouvir e perdoar todos os pecados de uma prostituta, ao ver a mulher comovida diante do menino Jesus, aproximou-se e perguntou se queria confessar os pecados, ela disse que não, daí o Padre perguntou se estava só, se não tinha marido, filhos... “Marido?” então lembrou-se do marido no consultório do oculista, “Jesus Amado” falou para o menino na manjedoura, e saiu às pressas. Parou no meio da igreja e perguntou ao Padre que horas eram, “Virgem Maria!” exclamou aos bancos onde alguns fieis oravam ajoelhados, quando o Padre lhe informou serem quase onze da manhã.

Seu Amantino fora atendido às nove horas mais quinze minutos, a consulta demorou exatos vinte e oito minutos, às nove horas e quarenta e três minutos sentou-se novamente numa cadeira da sala de espera, desta vez não mais aguardando o médico, mas a esposa que prometera estar de volta antes das dez. Quando dona Ermeraldina chegou ele já a esperava do lado de fora do consultório, mas não a reconheceu até que se aproximasse, seus olhos estavam mesmo ruins. O médico receitou óculos, era miopia, as lentes seriam de dois graus para o olho esquerdo e um e meio para o direito. Era preciso ir na loja dos óculos para mandar fazer as lentes e comprar os óculos.

Dona Esmeraldina chegou esbaforida, carregando sacolas de compras, pedindo perdão pelo atraso, mas era que tinha encontrado o menino Jesus no curral da igreja e as compras que fizera também demoraram mais do que pensava. Seu Amantino não queria saber das compras e nem do menino Jesus, a menos que ele fizesse o milagre de fazer a esposa não ter gasto todo o dinheiro porque agora tinha que mandar fazer os óculos e o médico lhe disse que não ia ser muito em conta. Dona Esmeraldina abriu uma sacola e tirou umas roupas novas que comprou para o Natal, queria que o marido aprovasse a compra, elas eram bem bonitas! Seu Amantino tirou do bolso a receita dos óculos e mostrou para a mulher. “É miopia, tem que fazer óculos”.

Quando o ano de 2022 terminou os bolsos de Seu Amantino estavam vazios e os trocados que tinham sobrado das compras de fim de ano ainda garantiam que dona Esmeraldina jamais teria ficado sem dinheiro em toda sua vida de casada. Os óculos foram comprados em dez prestações de cem reais cada uma e Seu Amantido estava feliz com seus olhos, agora já podia ver tudo conforme era o certo de se ver, inclusive tudo que a mulher comprou na cidade. “Onde arrumou tanto dinheiro?”

 


CAPÍTULO DOIS


Às cinco horas da manhã o despertador chamou do criado mudo e Seu Amantino foi atender. Desligou a campainha para não atrapalhar o sono de Esmeraldina e foi ao banheiro, lavou o rosto e fez as necessidades que o corpo pedia, daí vestiu as roupas de trabalho e foi para a cozinha preparar o café da manhã, os óculos não foram junto, então voltou ao quarto, abriu a porta bem devagar para não acordar a esposa e foi entrando como se fosse ladrão, pôs os óculos em cima do nariz e viu uma claridadezinha que vinha da cama. “Ué, nunca vi vagalume brilhar tanto assim!” Foi ver mais de perto, a claridade estava bem próxima do rosto da Esmeraldina, chegou ainda mais perto, nem respirava para não acordar a esposa, de repente Esmeraldina deu um pulo e ficou de pé ao lado da cama com o celular na mão. “Que tu tá fazendo aqui homem, tu já não tava lá na cozinha?” Seu Amantino não sabia o que dizer, nem sabia dizer quem agora estava mais assustado. “Eu não queria... queria..., mas não queria... vou tirar o leite da jasmira...” Na cozinha, a água do café fervia, Seu Amantino tomou uma xícara com leite, comeu pão e foi pro curral onde jasmira mugia.

Os pensamentos não saíam da cabeça, até atrapalhavam no serviço, “Que que Esmeraldina tava no celular às cinco da manhã? E pra que aquele susto? Até parece que eu era um estranho ameaçando ela”. Enquanto jasmira comia a ração do coxo, Seu Amantino pôs o balde no chão embaixo dela e começou a tirar o leite, jasmira era boa de leite, dava 12 litros. Já tinha tirado uns cinco quando jasmira resolveu aprontar, encolheu o corpo fazendo uma curva na coluna, ergueu o rabo e soltou uma mijada daquela bem forte. A urina bateu no piso e respingou para todo lado levando sujeira de bosta que tava no chão, junto com a urina, para dentro do balde de leite, mas isso não era problema porque Seu Amantino sempre coa o leite depois que tira e ele fica limpinho, o problema foi que a merda espirrou nos óculos. Seu Amantino resolveu isso limpando com a barra da camisa, não ficou bem limpinho, mas dava pra enxergar, e assim continuou o trabalho. O balde encheu, doze litros, e os óculos estavam em condições de ver. “Que será que Esmeraldina tava vendo no celular às cinco horas?”

O dia foi trabalhoso, de tardezinha Josimar passou para pegar os produtos da feira, Seu Amantino trabalhou muito para deixar tudo preparado, o dia foi de calor, desses que dá em fim de maio quando tem isso que se chama de veranico. Logo vem o inverno e agora só tem mais duas linhas de milho verde, a que colheu hoje, Seu Amantino plantou em 25 de fevereiro, as que ainda falta colher são as plantadas em 04 de março e a última em 11 de março, tem milho para mais duas semanas de feira, daí leva o mel que vai ser colhido no início junho. O tempo foi bom e as espigas estão bonitas. O calor do dia fez o suor escorrer pelo rosto e sempre pingava nos óculos que eram limpos na barra da camisa meio empoeirada. Não ficava bom, mas dava para ver. Umas seis horas da tarde Seu Amantino voltou da roça com os milhos na carroceria do Tobata, vinha devagarinho que é a velocidade do trator, de longe viu a mulher que conversava na frente da casa com alguém, devia ser o Josimar. Andou mais um pouco e viu a mulher abraçada com o homem, parecia que beijava ele. “Não pode ser, eu é que sou o marido dela, se quiser beijar, beija eu!” Limpou os óculos na barra da camisa suada e olhou de novo, agora não estava beijando, só conversando, riam.

De noite, falou pra mulher que tinha visto ela beijando o Josimar, ela ficou vermelha, virou as costas, falou umas coisas que ele não entendeu, ele disse que os óculos estavam sujos e depois que limpou olhou de novo e ela estava só conversando, mas que parecia que tinha visto eles se beijando, ah, sim, parecia. Esmeraldina aproveitou a deixa e pegou os óculos, “homem, tu fez esses óculos têm seis meses, não deve ser os óculos, tu deve estar é com catarata”.  “Catarata, é só pode ser!”

 


CAPÍTULO TRÊS


Seu Amantino ainda era novo para ter catarata, fez aniversário de 57 anos em abril, mas como o sol anda ficando cada vez mais forte e ele não tem costume de usas óculos escuros, pode ser que seja catarata mesmo! Pelo sim, pelo não, decidiu esperar mais um tempo antes de consultar o oculista outra vez, “quem sabe a vista melhora sozinha”. O inverno passou, a primavera também, Seu Amantino sempre limpando os óculos na barra da camisa, mas parece que tinha uma nuvem esbranquiçada nos olhos que atrapalhavam a vista. “É o sol muito forte!” Escorou o sovaco no cabo da enxada e olhou a fazenda do Seu Antônio Scorched Earth, um americano que comprou terras na região para produzir soja para exportação e milho para uma usina de álcool em Maracaju. O americano derrubou todas as árvores que tinha na fazenda que antes era de gado, deixando só um capãozinho perto das nascentes porque foi obrigado por lei e fiscalização. Scorched é vizinho e lindeiro. A soja estava bem desenvolvida graças às boas chuvas que vieram este ano e ao veneno que Seu Scorched manda passar.

Desgraçado!, o grito ecoou pelos campos afora, um sinal de protesto e revolta de quem estava sofrendo por culpa de uma situação causada pelo outro, no caso, o Seu Scorched. Na lavoura de soja ainda se via claramente a marca dos pneus do pulverizador, mas não era isso que aumentava a temperatura e a incidência do sol nos olhos do Seu Amantino, era o desmatamento, até onde seus olhos alcançavam não se via pé de árvore. Verdade que já não enxergava longe por causa da catarata, ou dos óculos que estavam sujos. Limpou os óculos na barra da camisa e olhou: bem longe, mas bem longe mesmo, viu um capãozinho de mato, de onde antigamente saía um riozinho que afluía para o Rio Dourados. A nascente secou de tão ralo que ficou o mato. Antes, quando ali era fazenda de gado, ninguém falava em catarata. Desgraçado!gritou outra vez e bateu com a enxada tão forte no chão que o cabo se quebrou.

Na reserva de mata colheu um galho de guatambu de uns quatro centímetros de diâmetro e dois metros de comprimento, levou para casa e queimou palha de milho e pedaços de galhos e sobre eles pôs o galho de guatambu para secar a seiva. Descascou o galho, verificou se estava reto e levou para o galpão onde trocou por outro que tinha preparado no ano anterior. Encabou a enxada e ia voltar para a roça, mas já era tarde demais para ir e muito cedo para voltar para casa. Ficou pensando no que fazer e decidiu que para tomar água ainda era tempo.

A casa estava vazia, silenciosa, mas da varanda onde Seu Amantino tomava água dava para ouvir uma conversa que não se entendia bem o que era. Vinha do outro lado da casa, lá da sombra do bambu perto da estrada, conversavam e riam. Seu Amantino aguçou o ouvido, parecia que era Esmeraldina, foi ver do canto da casa, mas a vista não era boa, deve ser a catarata! Andou mais um pouco e viu a mulher dando pro Josimar. “Mas, justo o Josimar? Não podia ser outro? O Josimar, se quiser tem que pagar, ele é feirante”. Andou devagarinho para não ser notado. Agora dava para ouvir claramente Esmeraldina dizer: “Eu dou para você com gosto!” Josimar ria, assim meio sem graça, e passava a mão, Esmeraldina também passava a mão. Eles estavam ali, quase na beira da estrada, meio escondidos pelo bambuzal, Seu Amantino estava zangado, mas não queria fazer caso com Josimar, era ele que vendia os produtos da roça na feira e garantia a renda do sítio.

De noite quando Esmeraldina pôs a janta na mesa, Seu Amantino disse que não estava com apetite, ia comer alguma coisa depois, ela que jantasse sozinha. “Que foi homem. Aconteceu alguma coisa?” “Aconteceu”. O assunto não era para ser agora, era para depois da janta, mas a pergunta veio tão de repente que a resposta andou junto, no mesmo repente. “Então diga” disse Esmeraldina, “que eu não quero jantar sozinha, não”. “É o Josimar, você está dando para ele”. Esmeraldina percebeu o flagrante e virou de costas como sempre fazia nessas situações, ficou totalmente corada, ajeitou a saia como que para encomprida-la, puxou a blusa para cima para garantir que cobria bem os seios, gesticulou no ar, virou-se e disse resoluta, como a defender sua causa: “Dei sim, ele tava necessitado, pediu com jeitinho, tu não tava em casa, daí eu dei”. “Mas tu deu de graça? Assim, sem cobrar nada?” “Dei, ele disse que tava com vontade, que queria, eu não resisti, ia perguntar se você concordava, mas tu tava muito longe na roça”. “Mas, pro Josimar!, ele é feirante, tem dinheiro, fosse para outro até que eu não ligava, peixes tem bastante e eu não deixo faltar, só não concordo que tu dês de graça para quem tem dinheiro”.

 


CAPÍTULO QUATRO


“Já é dezembro” disse Seu Amantino, querendo dizer, sem dizer, que estava no tempo de colocar os enfeites de Natal. As rezas já iam começar pelas vizinhanças e, quem sabe, a novena não ia passar pelo Sítio Alvorada! “Este ano vou fazer presépio” retrucou Dona Esmeraldina, lembrando do ano passado quando foi na Igreja de Dourados e viu Jesus tão bonitinho no curral da igreja na frente do altar. Lembrou do padre, tão bondoso, que confessou a prostituta, perguntando se ela também queria confessar os pecados. Lembrou também do Josimar e dos pecados que tinha que confessar se tivesse um padre nas novenas. “Sexta-feira vamos pra Dourados, quero ir na igreja ver Jesus e confessar pro padre”, “Confessar o quê?” Quis saber o marido. “Pecados, ora, tu não tem pecados? Todo mundo tem. E tu bem que podia aproveitar e consultar o oculista”.

A consulta outra vez não estava agendada e Seu Amantino teve que esperar pelo encaixe, enquanto isso Dona Esmeraldina aproveitou para ir às lojas fazer as compras de Natal e, claro passar pela igreja da praça para ver Jesus e confessar os pecados. “O padre perdoou os pecados da prostituta, vai perdoar os meus também, são quase iguais”. Na loja da Big encontrou com o Juvenal do Sito Alto Alegre, ele perguntou se ainda tinha peixe, queria comprar para o Natal, ela disse que sim, tinha limpo no congelador, podia ir amanhã. “O Josimar falou que vocês tinham para vender”. Esmeraldina lembrou do pecado, comprou os enfeites de Natal e foi para a igreja, queria confessar. Jesus estava no mesmo lugar do ano passado, as mesmas ovelhas, o pinheirinho, José e a Virgem Maria e até os Reis Magos que Esmeraldina não tinha reparado quando veio da outra vez. Ela só interessava por Jesus, tão bonito e tão pobre naquela estrebaria! Quando ela vai na estrebaria, lá no sítio, e vê o marido tirando leite, sempre olha em redor para ver se Jesus não está por ali. Como que Maria era virgem, se estava casada com José e Jesus era filho dela? Algumas coisas eram bem difíceis de entender!

O padre escutou a confissão, falou umas coisas para ela sobre fidelidade no casamento, daí perdoou os pecados e fez o sinal da cruz com a mão no ar em frente da cabeça dela enquanto determinava a pena que ela devia cumprir: rezar três pai-nosso, e três ave-marias. Esmeraldina saiu aliviada do confessionário, nunca tinha se confessado, não sabia que era tão fácil ser perdoada, “três pai-nosso, e três ave-marias”, Jesus deve ter escutado porque ela falou isso bem perto do presépio, querendo pegar o menino Jesus no colo. Esmeraldina sempre quis ter um filho, mas Deus não quis, os médicos falaram que era o marido que não podia ter. “Quem sabe o Josimar”. Teve um ímpeto de voltar para o confessionário. “Será que pensar já é pecado?”

Saiu da igreja e foi andando lentamente para o consultório do oculista, os enfeites de Natal e as roupas novas dentro da sacola maior, os sapatos novos em outra sacola. Só faltava ir pro mercado fazer as compras de comida e cerveja, tava com vontade de beber. Mal se importava se o marido já fora atendido, os pensamentos estavam longe dele, “quero aprender a dirigir o Fiat Uno, andar por aí”.

O oftalmologista, ou oculista como quer Seu Amantino, disse que ele não tinha catarata, ao que Seu Amantino se opôs com firmeza. “Eu sei que é catarata, é o sol forte que está causando isso. Depois que o Scorched derrubou todas as árvores da fazenda, o sol ficou mais forte, até o córrego secou, é isso que trouxe a catarata!” Esmeraldina poderia confirmar se ela estivesse ali, mas ultimamente ela andava tão estranha que parecia nem se importar mais com a catarata do marido. O médico insistiu, disse que olhando nos aparelhos só aparecia a miopia, e também um pouco de astigmatismo. A miopia aumentara, ia receitar novos óculos.

Na volta para casa Dona Esmeraldina não tirava os olhos dos pés do marido enquanto dirigia e também prestava muita atenção nas trocas de marcha. “Que que você olha tanto pros meus pés?” “Quero aprender guiar o Fiat Uno!”. “Semana que vem os óculos ficam prontos, não era catarata, era só a miopia que aumentou e os óculos que estavam sujos!”

 

 

CAPÍTULO CINCO


Depois que confessou os pecados pro padre, Esmeraldina prometeu que se o marido a ensinasse a dirigir o Fiat Uno ela não ia pecar de novo, não esse mesmo pecado. O marido prometeu, e até explicou umas coisas enquanto voltavam para casa e depois, no sítio, ensinou ela a ligar o Fiat com a marcha no ponto morto. Depois do ano novo ia ensinar mais, até que ela dirigisse sozinha. Esmeraldina ficou excitadíssima! De noite presenteou o marido com dose dupla de carinho, igual nem nunca tinha acontecido. De manhã, Seu Amantino levantou cantando, estava feliz. Voltou mais cedo da roça, “vim mais cedo para você treinar dirigir o Fiat Uno”. Três dias depois já era Natal e Dona Esmeraldina já sabia até trocar marcha do Fiat Uno, só não sabia, ainda, dar marcha ré. As noites eram boas e Esmeraldina vivia em santidade com o marido, até que o pecado veio desejar feliz Natal.

O médico ensinou Seu Amantino a limpar os óculos com um spray limpa lentes da visiolux e usar paninho próprio para secar, e proibiu que limpasse os óculos na barra da camisa. “Se o senhor continuar limpando os óculos na camisa vai ter mesmo catarata”, e deu dois frascos do spray e dois paninhos de microfibras de presente. Seu Amantino prometeu que ia ensinar a mulher a dirigir o Fiat Uno e o Natal foi comemorado com cerveja, luzes piscando, champanhe e muita alegria. Seu Juvenal, do sítio Alto Alegre veio jantar com a família e trouxe um frango assado e pudim de sobremesa, também veio o Anísio, vizinho de sítio do Juvenal, com a esposa e os dois filhos e trouxe um lombo de porco e um bolo que a esposa fez. Trouxe também uma caixa de cerveja da Brahma. Era quase meia-noite quando Josimar chegou, só gaguejou um Feliz Natal e foi embora, não quis se demorar porque tinha compromisso cedo no dia seguinte, Seu Amantino ficou sem saber se insistia para que ficasse, enquanto Esmeraldina tomava, de um gole só, mais um copo de cerveja Brahma que o Anísio trouxe.

Quando acabaram as latas de Brahma, começaram a abrir as garrafas de Antarctica que Seu Amantino comprara no mercado em Dourados no dia que mandara fazer os óculos novos. À meia-noite comemoraram oficialmente o Natal abrindo champanhe e logo as visitas foram embora que sitiante acorda cedo. Ninguém se lembrou de Jesus, também ele não estava ali, não tinha presépio nem curralzinho com vacas e ovelhas de enfeite. Tinha o curral de verdade, mas Jesus não estava lá, devia estar na igreja onde o padre escuta e perdoa os pecados das prostitutas.  Esmeraldina ainda quis tomar mais uma cerveja, o marido achou que tinha tomado que chega, mas atendeu o pedido da esposa, queria agrada-la, daqui a pouco iriam para a cama.

 

Na véspera de ano novo, dia 31 de dezembro de 2023, é bom que se registre esse dia, foi quando, pela primeira vez, Esmeraldina viajou sozinha no Fiat Uno, saiu do sítio às duas da tarde e foi até a vila de Itahum, vinte e qutro quilômetros de distância. “Que aventura maravilhosa! Agora sou dona de mim!” Andou devagar, máximo de 40 quilômetros por hora, chegou na vila e foi direto pro mercado comprar as cervejas para o ano novo, que era só o que ia comprar, mas lembrou que a erva de chimarrão estava acabando então comprou um quilo, viu um pano de prato bonito com FELIZ 2024 escrito, não resistiu e levou dois, pegou também umas caixinhas de gelatina para fazer sobremesa, dois quilos de batatinha, fermento de bolo, farinha de tapioca, café instantâneo, dois refrigerantes, um par de chinelos havaianas, quatro cachos de uvas e se dirigiu ao caixa para pagar. “Virgem Maria, a cerveja!” Decidiu levar duas caixas de latas, mas a não conseguia decidir entre as da Brahma e as da Amstel. Ainda sem saber qual levar, sentiu uma mão passando levemente pela cintura e uma voz bem no ouvido: “Amstel é melhor!”

Esmeraldina já sabia bem engatar a marcha a ré, mas errou três vezes e quando conseguiu engatar saiu tão de pressa que bateu contra a mureta do estacionamento amassando o para-choque traseiro, “É o diabo que atenta a gente, só pode ser”. Entrou pela Rua Coronel Tibúrcio e foi até a rodovia, parou depois da curva para respirar e tentar pensar. Quis voltar para Itahum e confessar o pecado na Igreja Doutrina dos Apóstolos, mas já era tarde demais, e uma coisa tão boa nem pode mesmo ser pecado!

 

 

CAPÍTULO SEIS


Depois de beber muitas cervejas com o marido, Esmeraldina lembrou que já sabia dirigir o Fiat Uno e resolveu agradecer pelas aulas de direção de um jeito muito especial, mais especial que no dia das primeiras aulas. Estava vestindo uma saia jeans curta de cor verde e camiseta branca de gola V com bordados na frente. Enquanto seu Amantino pegava a cerveja na geladeira, Esmeraldina sentou-se no sofá, de repente pensou ter ouvido Josimar lhe falar e olhou para trás com os olhos arregalados, o marido sorriu, “que foi mulher? Parece assustada!” Parecia, e estava assustada. Não respondeu, só pegou o copo de cerveja e ficou um tempo a pensar que podia ser Josimar, talvez ele dissesse: “É uma amstel, essa é da boa”. O Corpo aqueceu, Esmeraldina automaticamente passou a mão nos seios, tomou um gole de cerveja e sorriu. “Você bebeu muito hoje”. A voz do marido parecia com a do Josimar, Esmeraldina propôs um brinde, e puxou a saia para cima para poder afastar as pernas uma da outra e sentou-se no colo, de frente para o marido. “Vamos brindar um ano de felicidade!” Tomou mais um pouco da cerveja e derramou, maliciosamente, o restante na camiseta, sobre os seios. Amantino não sabia o que fazer, mas ela pediu que ele a ajudasse a tirar a camiseta que estava molhada.

 

A madrugada estava silenciosa no sítio Alvorada. Se o galo cantou, ninguém saberia dizer. Se estivesse acordado, Seu Amantino diria que  essa foi a noite mais feliz do seu casamento, Esmeraldina estava muito sexy, depois de tirar a camiseta, afastou um pouco mais as pernas para a saia subir e deixar a calcinha bem à vista, Amantino desabotoou calmamente os três botões que prendiam a saia à cintura e a tirou pela cabeça da esposa, ela estava linda, mais até do que quando a viu nua pela primeira vez na noite do casamento no apartamento do Bravo City Hotel que o padrinho Argemiro alugou para passarem a Lua de Mel. Tinha bebido demais? Seja lá o que for, a felicidade se renovara. Era preciso procurar uma autoescola para Esmeraldina tirar a carteira de motorista.

Esmeraldina parecida estar acordada quando ouviu alguém que andava pela casa, foi ver quem era, saiu do quarto sem abrir e nem fechar a porta, passou pela sala sem perceber os móveis e viu uma claridade na cozinha para onde foi sem pensar uma única palavra se quer. Uma caixa de som tocava ‘Meu mundo e nada mais”, mas não era Guilherme Arantes que cantava, era o Josimar, ele cantava lindamente, Esmeraldina sentiu o corpo aquecer outra vez, transara com o marido pensando em Josimar, agora ele cantava para ela. Josimar apareceu ao seu lado com uma Amstel e dois copos. Antes de servir a cerveja abraçou-a carinhosamente e beijou seus lábios, Esmeraldina perdeu o chão, flutuava nos braços do amado que também estava a meio metro acima do piso, começaram a dançar no ar e Josimar cantava em seu ouvido: “Eu queria tanto estar no escuro do teu quarto, à meia-noite à meia-luz, sonhando...” Josimar propôs: “Brindemos um ano de felicidades!” Beberam e Esmeraldina derramou um pouco de cerveja na blusa, sobre os seios, Josimar a ajudou a tirar a blusa e fizeram amor sobre a mesa da cozinha. Esmeraldina gemia de prazer, gemeu tão alto que acordou Amantino. “Que foi mulher, tá passando mal?” Esmeraldina levou um susto que sacudiu todo seu corpo, acordou, parecia atônita.

Amantino dormiu outra vez, foi só um pesadelo, ao seu lado Esmeraldina espantava o sono com seus pensamentos acelerados. Olhou o relógio do criado mudo: três horas! Olhou o marido que roncava e tentou dormir. Josimar estava mesmo na cozinha? Olhou o marido outra vez e se convenceu que fora só um sonho, sonho não, um pesadelo. Um lindo pesadelo! Virou para o outro lado, agora pensava que Josimar talvez estivesse mesmo na cozinha, ficou com vontade de ir até lá. Puxou o trino da porta, a dobradiça rangeu, Amantino respirou fundo e resmungou qualquer coisa ininteligível, Esmeraldina saiu para a sala, foi até a cozinha e viu a chave do Fiat Uno sobre a mesa, pegou para guardar na estante, ficou com a chave na mão um longo tempo se imaginando na direção do Fiat Uno, viajando sem destino pelo mundo afora. Colocou as chaves na estante, outra vez se imaginou viajando, mas desta vez não era sem destino, ao contrário, viajava feliz pois sabia que no final da viagem iria encontrar o destino, o lugar onde seria feliz para sempre, e Josima a esperava de braços abertos.

O dia amanheceu e Amantino continuava dormindo, sonhava com Esmeraldina, no sonho ele a via sendo coroada rainha da beleza de Dourados! Recebia a coroa e o cetro das mãos do prefeito, daí desfilava usando um maiô verde-claro, tinha uma capa sobre o corpo, aberta na frente, dava para ver as curvas da cintura, ela sorria e mandava beijos para ele. O vento fez a janela do quarto ranger e uma trovoada indicando chuva fez Seu Amantino acordar, jasmira mugia no curral. Amantino sabia das obrigações de sitiante, mas queria dormir e continuar sonhando, voltar pra casa com a rainha da beleza, tirar a coroa lentamente, passar o cetro pelo corpo todo, tiraria o maiô beijando o corpo inteiro da rainha, então ela se deitaria na cama usando os sapatos de salto alto, estes ela continuaria usando enquanto fizessem amor. Não conseguiu dormir, procurou Esmeraldina na cama, mas ela não estava.

 

 

CAPÍTULO SETE 


Jasmira estava inquieta, também pudera, com duas horas de atraso seu Amantino abriu a porteira para a vaca entrar na estrebaria. O dia estava chuvoso, antes de sentar embaixo da jasmira, seu Amantino passou a mão pelas costas dela para escorrer a água acumulada, daí tirou o leite enquanto a vaca comia a ração no coxo. Chamou a boneca e depois a estrela, total trinta litros. Tampou os tarros, bateu o coador para limpar a espuma, pôs tudo no carrinho de transporte e rumou para casa, “Esmeraldina já deve estar esperando para fazer os queijos”.

Seu Amantino largou o leite no lugar de sempre no puxado da casa e saiu para cuidar dos serviços, levou as vacas para o pasto, fez limpeza da estrebaria, tratou as galinhas, recolheu os ovos, cuidou dos porcos e foi dar ração para os peixes. Já era pouco mais que dez horas quando voltou para o galpão e descansou sentado num saco de farelo de arroz que misturava na ração dos animais para suplementar proteínas e fibras. “A essas horas o queijo já deve estar no coalho”, pensou enquanto acendia um cigarro. A fumaça subia formando uma nuvem em sua frente, trazendo a lembrança da catarata, “ainda bem que não era”, e riu. Ficou com vontade de ver Esmeraldina, a chuva ainda caia no quintal. Entre as vigas do telhado viu o cabo de enxada que fizera ano passado quando xingara o Seu Antônio Scorched, culpando-o pela catarata que, afinal, não existia. Olhou no relógio: dez e meia! “Ainda dá tempo de consertar a cerca”, levantou e foi buscar o esticador de arame que guardara na garagem do Fiat Uno.

Com o alicate e um pedaço de arame para fazer a emenda da cerca na mão, seu Amantino permanecia parado em frente da garagem sem entender o que estava acontecendo. O Fiat Uno, que estivera ali desde ontem quando Esmeraldina chegou de Itahum trazendo as cervejas para comemorar o Ano Novo e estava com o para-choque traseiro amassado, agora já não estava na garagem. “Será que Esmeraldina foi comprar mais cerveja? Nesse tempo de chuva? Decerto volta logo”.

O conserto da cerca foi mais trabalhoso que seu Amantino imaginara, quando voltou para casa era mais de meio-dia. Tirou a capa de chuva e as botas e entrou chamando por Esmeraldina, que não respondia, os tarros de leite ainda estavam no mesmo lugar e a garagem vazia. Na cozinha, nem sinal de almoço, andou pela casa chamando pela mulher e só recebia silêncio por resposta. Esmeraldina não estava em casa. Foi ver o celular e não tinha mensagem da mulher. Ligou, mas o celular dela estava desligado, de certo estava sem bateria! Seu Amantino ficou preocupado, com esse tempo de chuva era perigoso ela ter se acidentado, “Porque foi sair de carro se mal sabe dirigir?”

Sem notícias da esposa, o jeito foi fazer o almoço e esperar, com esse tempo chuvoso não dava para sair por aí de bicicleta e além do mais, se algo de grave tivesse acontecido alguém já teria vindo avisar. Com o chimarrão pronto, jogou o toco do cigarro no fogo e tirou da geladeira as sobras do dia anterior, “dá que chega para mim”. O rádio ligado na 94 FM dava as notícias policiais informando os piores acontecimentos das últimas 24 horas, noticiou três acidentes automobilísticos, mas nenhum era Fiat Uno.

Duas da tarde seu Amantino decidiu buscar ajuda no vizinho, seu Juvenal tem uma Pampa, “de certo que vai me levar para Itahum”. Quando embarcou na bicicleta chegou o Josimar para dizer que essa semana não ia pegar os produtos para a feira, ia viajar para Campo Grande visitar os parentes e só voltaria dia 13. Depois de saber da notícia, seu Amantino falou que Esmeraldina tinha sumido e o Fiat Uno não estava na garagem. “Só pode ser que ela saiu de Fiat e aconteceu alguma coisa”. Josimar ficou apavorado, quis saber mais notícias, pegou o celular para ligar, tentou disfarçar que não sabia o número, mas seu Amantino disse que não adiantava ligar que o celular dela estava desligado. Josimar se ofereceu para ir atrás e ver se tinha acontecido alguma coisa na estrada. “Não se preocupa que eu vou ver se aconteceu alguma coisa”, e foi sem dizer mais palavras.

Anoiteceu e não chegou notícias, nem de Esmeraldina, nem de Josimar. O rádio ficou ligado direto na 94 FM, “notícia ruim é ali que sai”. Dez da noite o telefone tocou: “Seu Amantino, estou em Dourados, até agora ainda não tenho notícia da sua esposa. Amanhã vou para Campo Grande, então não vou poder mais procurar”.

Sem conseguir dormir, seu Amantino só tinha uma pergunta que girava sua cabeça: “Cadê a Esmeraldina?”

 


CAPÍTULO OITO   


No terceiro dia sem notícias de Esmeraldina, seu Amantino começou a ficar desesperado. Depois de procurar por toda a vizinhança e ligar para cada hospital de Dourados, foi aconselhado a procurar a polícia. O delegado do Primeiro Distrito disse que ele deveria registrar um boletim de ocorrência do desaparecimento, mas isso não parecia bom, iam mandar a notícia para as rádios e as fofocas iam ser piores que o sumiço da mulher. Esmeraldina sumiu dia primeiro, cinco dias depois o pão acabou e seu Amantino não sabia fazer outro, a comida do almoço saia e voltava para a geladeira quase sem diminuir, as louças deixaram seu lugar no armário e estão se acumulando na pia sem serem lavadas, as cervejas que sobraram do ano novo já terminaram, ainda tem uma garrafa de vinho e duas de pinga, “tem que dar para o fim de semana”. Josimar disse que não ia levar os produtos para a feira porque ia para Campo Grande. Esmeraldina sumiu na segunda-feira, um dia depois o Josimar foi para Campo Grande. “Não, se quisesse fugir com o Josimar, não ia sair de Fiat Uno”.

Nos primeiros dias seu Amantino tirou o leite das vacas e fez todas as tarefas do sítio, só não limpou a casa e mal fez comida para as refeições. Aos poucos foi relaxando, deixou de fazer os queijos e de se alimentar, sempre bebia no fim de tarde e à noite, “a companhia da bebida é melhor que a companhia da solidão”. Já não tomava mais banho e nem jantava, bebia até espantar o desespero e caía na cama com a roupa do serviço. Cada dia ao acordar olhava o calendário, já fazia dez dias que ela se fora, “Esmeraldina é muito corajosa e forte para ficar desse tanto de tempo sem voltar para casa. Donde será que se meteu?” Seu Amantino lavou o rosto e viu no espelho o tanto que a solidão lhe fizera mal. A barba crescida, os cabelos em desalinho e a cara emagrecida carregando um olhar desesperado fizeram seu Amantino arrancar o espelho da parede e joga-lo com violência para fora da janela. Nesse dia não fez nada no sítio e quando anoiteceu e a cachaça finalmente trouxe algum consolo, seu Amantino refletiu que o quarto era o pior lugar da casa, decidiu nunca mais entrar lá e passou a dormir no chão da sala.

No dia seguinte acordou com alguém chamando da porta, era Juvenal, queria saber se tinha notícias da esposa e também queria comprar uns peixes. Quando seu Amantino apareceu no vão da porta Juvenal quase saiu correndo, não imaginava o vizinho tão mal assim. Que Esmeraldina não voltara isso era óbvio pelas condições em que se encontrava a casa e o seu morador, perguntou pelos peixes, seu Amantino pediu que pegasse quantos quisesse no freezer, Juvenal pegou três e pesou, separou o dinheiro e pôs sobre a mesa onde restos de comida apodreciam. Amantino estava visivelmente abatido, magro, sujo, cabelos desalinhados, barba crescida e olhos afundados na cara. Mal conseguia articular as palavras e o corpo enfraquecido mal se movia. Juvenal decidiu leva-lo para sua casa e cuidar dele, mas Amantino recusou, não sairia dali até que Esmeraldina voltasse. “Se Esmeraldina voltar e eu não estiver aqui, vai dizer que eu a abandonei”.

Juvenal pegou os peixes e foi embora, voltou uma hora depois acompanhado da esposa e fizeram uma faxina na casa, mesmo sob os protestos de Amantino, trouxeram também um prato de comida e asseguraram que dali em diante trariam pelo menos uma refeição diária, Amantino disse que não queria, era desperdício, mas com a presença dos vizinhos deu até fome. Depois que comeu, sentiu voltarem as energias e decidiu que iria cuidar das tarefas do sítio, mas desistiu depois de sentir tonturas. Desse dia em diante Juvenal vinha todos os dias à hora do almoço com uma marmita de comida que seu Amantino dividia entre as refeições do almoço e da janta, ainda bebia sempre depois de jantar. Às vezes passava mal e vomitava, mas não conseguia evitar a bebida. Um dia pediu que Juvenal lhe trouxesse um pão, queria voltar a tomar café com pão de manhã. Vinte dias sem Esmeraldina!

 


CAPÍTULO NOVE

 

O dia 25 de janeiro amanheceu abafado, com sol forte pela manhã, mas previsão de tempestade para o final do dia. A grama ao redor da casa estava coberta pelas folhas das árvores frutíferas do pomar entre a casa e a lavoura de milho e mandioca que Seu Amantino deveria ter colhido para que Josimar vendesse na feira livre de Itahum. Há duas semanas que o comerciante vem e não encontra nada pronto para levar. “Semana que vem, pode vir que vou deixar tudo pronto”. O mato crescendo no quintal não era nenhuma garantia de que o sitiante teria ânimo para trabalhar na roça.

O sol quente de janeiro e o tempo firme o dia todo não foram suficientes para tirar Amantino de dentro da casa. Juvenal apareceu por volta do meio-dia, deixou o almoço na mesa e tentou animar o vizinho. Amantino permanecia imóvel na cadeira à um canto da cozinha onde pitava um cigarro de palha sem demonstrar nenhuma importância ao que o vizinho falava. “Come um pouco, vizinho” foi o apelo final do Juvenal antes de ir embora. No meio da tarde Amantino tentava levantar do colchão onde dormia no chão da sala, mas a dor na cabeça e no corpo era tão forte que desistiu, urinou ali mesmo, quis defecar, mas o intestino estava tão preso que não conseguiu. Sentia dores pelo corpo, já nem se reconhecia mais como ser humano. Sentiu fome, engatinhou até a cozinha, ergueu-se até a mesa e puxou a marmita para o chão, comeu com as mãos algumas gramas do alimento e não quis mais. Afastou a marmita e se arrastou de volta ao colchão na sala onde ficou olhando para o nada da sua vida sem Esmeraldina.

Às sete horas da noite viu uma claridade invadindo a casa seguida de um barulho ensurdecedor. Pensou estar nalguma guerra, mais clarões e mais bombas, depois ouviu um forte assobio, pensou ser uma sirene, a casa parecia se mexer, o assobio aumentava e diminuía, Amantino pensou estar girando no ar, sendo levado para um lugar muito estranho, para o céu, para o inferno, era difícil definir. O assobio aumentava e Amantino se viu outra vez no meio de uma guerra, as bombas continuavam a explodir e ele combatia o bom combate dos guerreiros de Deus. Uma legião de diabos tentava mata-lo e tomar o reino dos céus, mas ele não se intimidava, avançava corajosamente contra o poder do inimigo e ia matando os anjos do mal, até que ouviu outra vez um assobio muito forte, mais forte que os anteriores e em seguida outra explosão seguida de uma rajada de balas, daí viu uma Santa que lhe estendia a mão e dizia: “Não tenha medo, Amantino, eu cuido de você”, depois disso não ouviu mais nada.

No outro dia, bem cedo, Juvenal veio ao Sítio Alvorada acompanhado de Anísio para ver como Amantino tinha passado a noite após o temporal, talvez precisasse de ajuda. O vento foi muito forte, destelhou grande parte da casa e da garagem que eram cobertas com telha de barro. No curral não sobrou nenhuma das telhas de Eternit e o galinheiro ficou destruído.  “Aqui foi pior”, disse Anísio que mal acreditava no que estava vendo, “parece cenário de guerra”, respondeu Juvenal temendo pela vida do dono do sítio.

A varanda tinha pedaços de telha esparramados por toda extensão, galhos de árvores, folhas e muita sujeira também se acumulavam por ali. Juvenal empurrou a porta da cozinha e viu a marmita no chão, a casa estava em silêncio. “Será que ainda dorme?” Perguntou Anísio, receoso pela resposta que Juvenal não teve coragem de dar. Lentamente adentraram à sala onde Amantino parecia desacordado. “Morreu!” Exclamou, alarmado, Juvenal, mas foi tirar a dúvida tomando o pulso. “Tá vivo! Chama a ambulância, liga pro SAMU”.

Amantino chegou desacordado no Hospital da Vida em Dourados, mal respirava e o pulso era fraco. O médico de plantão atendeu de urgência, aplicou soro e vários remédios na veia. Aos poucos a vida foi voltando ao corpo do sitiante, o médico achou por bem deixa-lo na UTI por um dia até que apresentasse melhoras mais significativas. Questionado sobre algum parente que pudesse ser avisado, Juvenal disse que não tinha, a mulher sumira há quase um mês e filhos não tinha, outros parentes ninguém sabia, mas, se precisasse, ele podia ser referência para contato, só não podia ficar porque tinha que tocar o sítio.

A internação durou cinco dias, dois na UTI e mais três num quarto coletivo, onde se recuperou bem e teve alta. Juvenal foi avisado e veio buscar o amigo. O médico recomendou e insistiu que Amantino não ficasse sozinho em casa, seria bom se pudesse ficar com alguém de companhia para garantir que se alimentasse e tomasse os remédios nos horários determinados na receita, mas principalmente porque a solidão poderia ser fatal dado o estado psicológico do paciente. Juvenal propôs que Amantiono passasse uns dias com sua família, mas o sitiante protestou que não poderia deixar o Alvorada porque, se Esmeraldina voltasse, era importante que o encontrasse em casa, principalmente agora que estava bom outra vez, “Ela vai voltar e eu quero estar lá”.

 

 

CAPÍTULO DEZ

 

O asfalto da estrada passava por baixo da pampa do Seu Juvenal , mas a viagem que Amantino fazia era de volta à casa do pai. Agora tinha dezoito anos e o pai é que dirigia a Pic-up Fiat 147, usada, adquirida na concessionária da Fiat na Marcelino Pires, vinha orgulhoso do carro ‘novo’ e disse que ensinaria o filho a dirigir assim que terminassem a colheita do milho. O pai estava muito animado e cantarolava ao volante, a estrada que passava por baixo era de terra e alguns solavancos faziam o carro derrapar aqui e ali causando medo no jovem Amantino. “Pode confiar que eu sei dirigir!”, “Mas, você bebeu pinga, devia andar mais devagar”, “Um homem precisa beber de vez em quando, agora que você fez dezoito, vai beber comigo”. Um mês depois, um acidente fatal ceifou a vida do pai e da mãe, não sobrou nada da Pic-up, perda total. Amantino fez o velório no sítio e enterrou os pais no cemitério de Itahum.

Juvenal diminuiu a velocidade e entrou pela estrada vicinal, “é o mundo que passa por baixo da gente”, Amantino via a vida de um jeito novo, cada sítio tinha um pedaço de natureza e outro de lavoura e gado, “Deus e o Diabo”, os pensamentos enchendo a Pampa de um modo que até Juvenal se sentia oprimido. “Tá tudo bem, Amantino?” “Sim, agora eu vejo o Céu e o Inferno, antes eu só via eu e Esmeraldina”. Juvenal teve vontade de levar Amantino de volta ao hospital. “Decerto foi a Santa que me abriu os meus olhos para ver o que antes era impossível”. Amantino parecia delirar, por precaução, Juvenal levou o carro direto ao sua casa, Amantino não quis descer do carro, insistiu que não ficaria ali, mas Juvenal garantiu que seria só para um café. Desceram, Amantino olhou longamente para o quintal, um gramado bem cuidado ao redor da casa, horta, árvores frutíferas e o laguinho dos patos, “esse é o pedaço do Céu”. Mais adiante a lavoura...

Dona Maria Aparecida chamou da porta da cozinha, “entrem, vou passar o café”. No canto da mesa Juvenal abriu a receita e verificou quais remédios poderia dar nessa hora. Amantino concordou em tomar todos que era preciso, mas depois do café, e assim fez, daí pediu para voltar logo para casa que queria rezar para a Santa e pedir ajuda para estar bem quando Esmeraldina voltasse, “ela me disse que ia cuidar de mim”. Maria Aparecida não entendeu nada, Juvenal menos ainda, Seu Amantino nunca fora religioso, nem sequer uma ave maria ele rezada quando tinha novena e ainda falava que santo nem existia, agora queria rezar para santa, “que santa?” “Não sei”, respondeu Juvenal, ele agora anda devoto dessa santa, só ainda não revelou qual.

Quando ficaram sabendo que Seu Amantino estava hospitalizado, os vizinhos de sítio resolveram se unir para ajudar na reforma do telhado da casa, da garagem e do curral, a jasmira, a boneca e a estrela Juvenal já tinha levado para tirar leite e cuidar com os bezerros. Levou também os quinze porcos do chiqueiro. As galinhas estavam soltas pelo quintal. A lavoura ficou abandonada, desde ano novo que o mato crescia livre e nada se colhia dali. No dia que Amantino foi levado de ambulância para o Hospital da Vida, Seu Anísio visitou cada um dos vizinhos para explicar a situação e convidou para uma reunião, queria unir as forças para ajudar, organizou um mutirão para consertar os telhados e já estavam finalizando o serviço quando Juvenal encostou a Pampa no pátio.

Amantino caminhou lentamente até o curral e perguntou por que estavam tirando o telhado, “Não estamos tirando, mas colocando de volta. A tempestade arrancou tudo, Seu José tinha umas telhas de sobra e cedeu para repor, a garagem destelhou quase a metade e a casa ficou um lado quase descoberto.” “Tempestade! Que tempestade?” Aquilo tudo parecia uma grande novidade, mal se lembrava do curral; da jasmira, da boneca e da estrela nenhuma lembrança, nem dos porcos, das galinhas ou dos peixes, a lavoura parecia nunca ter existido. Lembrou-se da casa e foi entrando calmamente, olhou para o tanque e a máquina de lavar roupas na varanda, os bancos e a mesa de tábuas onde Esmeraldina fazia os queijos, duas folhagens plantadas nos vasos, a cozinha estava limpa e arrumada, olhou as paredes e entrou na sala ondo dormira desde que Esmeraldina foi embora, o colchão não estava mais ali, só o sofá, uma mesa de centro e a estante com a televisão e uns enfeites de porcelana. Passou a mão cuidadosamente pela parede ao lado da estante, no canto da sala, “foi aqui que a Santa apareceu.”


CAPÍTULO ONZE

 

Desde que Esmeraldina foi embora sem dar notícias, as famílias da vizinhança especulam sobre os porquês de ela ter sumido. Primeiro havia uma unanimidade sobre uma fuga com Josimar, ela dava pra ele mesmo que o marido a repreendesse por ser ele feirante e ter dinheiro, “não se dá de graça para quem tem dinheiro”. Logo no dia seguinte do sumiço de Esmeraldina, Josimar viajou para Campo Grande e ficaou ausente por quase duas semanas. Desde antes do Natal já se falava que Esmeraldina teria demonstrado interesse por ele, eram flagrantes os olhares de desejo entre ambos, Seu Anísio estava no mercado em Itahum quando viu Josimar abraçando Esmeraldina e a aconselhando a comprar Amstel. Não havia dúvida que teriam fugido para ficarem juntos. Mas, duas semanas depois Josimar voltou para Itahum e dizia não saber nada do paradeiro dela.

O mistério do desaparecimento de Esmeraldina intrigava a todos, mas a fé que Amantino passou a depositar na Santinha do Itahum despertou o interesse da vizinhança porque parecia que a Santa exercia um controle sobrenatural sobre o sitiante. Cada decisão era levada ao altar onde a imaginária santinha estaria. Só havia o altar, nenhuma imagem ou escultura, o altar e a fé,  até o Padre Márcio, da Igreja Doutrina dos Apóstolos de Itahum, ficou a pensar se a devoção a santos católicos deveria ter mesmo imagens de adoração, Amantino adorava a Santa que não tinha imagem, apenas um altar, e sua fé parecia maior que a das beatas do Itahum, que rezavam centenas de ave-marias para, logo em seguida, saírem da Igreja fofocando abundantemente sobre a vida vulgar dos habitantes pecadores do povoado.

Foi depois de orar fervorosamente diante do altar que Seu Amantino decidiu que as vacas jasmira, boneca e estrela e também os porcos deveriam ficar com o Juvenal, em troca este concordou em trazer de Itahum, e até de Dourados se fosse o caso, tudo que Amantino precisasse até o valor combinado pelo arrendamento dos animais, o que sobrasse seria pago em dinheiro. O Anísio propôs arrendar os tanques de peixe e também a roça, a Santinha aprovou e o contrato foi feito pelo prazo de três anos com a inclusão do chiqueiro, tudo gerando renda à base de 15 por cento em favor do proprietário. Anísio quis incluir o galinheiro e a horta, mas a Santinha tinha outro propósito, eles seriam deixados aos cuidados da Dona Maria José, uma viúva de uns cinquenta anos que morava com o filho Marcelo e a nora no sítio Esperança, lindeiro com o sítio do seu Anísio. Desde que o filho se casara, a nora tomou conta da casa e Dona Maria José vivia desconfortavelmente dentro da própria casa. À noite, no mesmo horário em que Amantino orava pra Santinha, Dona Maria José teve uma visão que fez seus olhos brilharem. “Que foi mãe? Parece que viu Jesus?” Perguntou o filho quase rindo. “Jesus não, mas eu ouvi uma voz de mulher, uma voz feminina, tão suave que parecia que flutuava no ar, ela me dizia que eu deveria ajudar o Amantino, que ele tá precisando de minha ajuda. E sabe? Acho que lá eu vou ter lugar para fazer o que eu quero, que aqui já não tem mais lugar para mim, né?” A resposta desconcertou o filho que imediatamente passou a se sentir culpado por ter casado e permanecido na casa da mãe. A intenção era ajudar a mãe, fazer-lhe companhia e cuidar dela, mas aos poucos a nora foi tomando conta da casa e a companhia, que de início era agradável, passou a ser um incômodo, dona Maria José passou a ser um estorvo para quem nunca fora importante.

Dona Maria José entrou no Fiat Uno que herdara do marido decidida a só voltar no final do dia, tinha muito o que fazer na casa do Seu Amantino. O filho não sabia o que estava acontecendo com a mãe, mas a nora sabia, sabia que agora seria a verdadeira dona da casa por pelo menos um dia. Sabia também que, sem a sogra em casa, teria que limpar a casa e lavar as louças e as roupas.

O Fiat Uno entrou no Sítio Alvorada e estacionou na garagem onde costumava estar o carro que Esmeraldina levara no fatídico dia de ano-novo. O barulho do motor esparramou-se pelo quintal e foi levado pelo ar pela casa a dentro até chegar na sala onde Amantino fazia sua prece matinal diante do altar. O ronco do motor do Fiat Uno fez o coração pulsar dentro do peito, quis sair correndo, mas a Santinha o proibiu. O coração acelerado e o rosto vermelho do sangue que se lhe explodia pelas faces, o pelo todo arrepiado. Seria Esmeraldina voltando? “Não Amantino, não é Esmeraldina, é só um presente que mandei para você!”


CAPÍTULO DOZE

 

Maria José bateu a porta do Fiat Uno e andou lentamente para fora da garagem, olhou para a casa e calculou a distância: 10 metros, uns quinze passos, então voltou o olhar para o carro que silenciosamente ficara estacionado na garagem, pensou em como isso podia ser tão familiar se era a primeira vez que guardava o carro ali, tão familiar que nem se quer  se dera ao trabalho de perguntar se poderia mesmo guarda-lo neste lugar privativo. Balançou a cabeça e até sorriu, além da garagem, mais dez metros estava o galinheiro. Havia algumas galinhas ciscando pelo quintal, pensou em trazer uma choca com pintinhos de casa, talvez umas galinhas poedeiras e um galo para reproduzir e encher o galinheiro, frangos caipiras para comer e até vender os excedentes! “Vou falar com Seu Amantino, se ele concordar...” Enquanto seu olhar voltava para a casa onde desejava trabalhar nesse dia, viu a horta completamente abandonada, o mato crescia sobre os canteiros e já davam semente, nenhuma verdura além de uns teimosos pés de couve com as folhas completamente destruídas pelas lagartas. “Se Seu Amantino concordar...”

Entrou pela varanda e parou na área de serviço, estava suja, mas não era o abandono de que se falava antes que Amantino fora hospitalizado em Dourados, a máquina de lavar roupas estava coberta com um pano florido meio encardido, de certo para proteger da poeira, o tanque tinha um pouco de água dentro e panos de limpeza pendurados na borda, as folhagens pediam água, sobre a mesa da varanda não havia nada além de uma fina camada de poeira. Num armário ao lado do tanque Maria José encontrou produtos de limpeza, tomou um balde e foi enche-lo na torneira do tanque, pôs sabão em pó na água e, com um pano de limpeza na mão começou o que seria a nova rotina para sua vida.

No primeiro dia Seu Amantino mal balbuciou algumas palavras, disse um bom dia acanhado, considerou a comida do almoço boa e falou tchau acompanhado de um leve aceno de mão. Três dias depois perguntou se Dona Maria José gostaria de cuidar das galinhas, desde que não faltasse para a casa, poderia fazer o que quisesse com o excedente. Ela quis, trouxe uma choca com pintinhos e algumas poedeiras e um galo da raça Plymouth Rock, ela não sabia dizer corretamente o nome, então só dizia plimut, que como se diz mesmo. Trouxe também ração para os pintinhos e quirera e milho para os adultos, assim iniciou a criação de galinhas caipiras que logo começaria a dar lucro, além dos pratos deliciosos preparados para as refeições com Seu Amantino.

Um mês depois a horta já dava as primeiras verduras para salada do almoço, “almeirão produz rápido”. As alfaces de verão já estavam no ponto de replantar, cenoura e beterraba crescendo e a cebolinha e a salsinha que vieram com as mudas desenvolvidas, já temperavam a comida na mesa do Seu Amantino. As plantas cresciam na horta e a alegria se renovava a cada dia no espírito de Maria José que agora já não era mais ‘Dona’, mas apenas Maria José. Seu Amantino também não era mais ‘Seu’, agora ela o chamava apenas de Amantino, “assim é melhor!”

Dia 10 de março Amantino pôs, pela primeira vez desde que voltara do hospital, os pés para fora da casa. A princípio aceitou dormir no quarto, desde que ninguém mais entrasse lá, do quarto ia ao banheiro, à sala onde fazia as orações, à cozinha para as refeições e de volta ao altar, seu lugar preferido, diante da Santinha imaginária, daí voltava ao quarto e assim passava cada dia sem ver sequer a luz do sol. No dia 10 de março apareceu pálido na varando onde viu surpreso que Maria José fazia um queijo. Trouxera um tarro com dez litros de leite que agora já estavam talhados e ela já prensava a coalhada na forma para escorrer o soro, apertou bem de um lado e virou a forma para apertar do outro, repetiu esse movimento várias vezes então colocou na prensa onde deixaria até o dia seguinte. Amantino olhava para ela, ora vendo a nova companheira de cada dia, ora vendo Esmeraldina, sentiu um mal-estar e procurou uma cadeira, Maria José o viu pálido, mas que diferença isso fazia? Pálido ele já estava desde que ela ali chegara há um mês. Amantino titubeou pela varanda, quase caiu, agarrou-se como pode ao varal que atravessava o ambiente, o arame cedeu, ele deu mais um passo e agarrou-se ao pilar de madeira, Maria José correu em socorro e levou-o abraçado para dentro, deu-lhe um copo de água e fez vento no rosto com a aba do avental. Quando recuperou o ânimo, Amantino quis ver o quintal, admirou-se de como a horta estava bem cuidada e as verduras crescendo saudáveis. Perguntou das galinhas e daquele galo de raça, “é plimut”. Amantino voltou os olhos para ela e, de novo, a confundiu momentaneamente com Esmeraldina, na garagem o Fiat Uno. “Onde será que ela está?”  



CAPÍTULO TREZE

O COMBUSTÍVEL QUE QUEIMA O DESTINO

  Quando minha mãe era ainda uma adolescente, uma Cigana leu o seu destino e vaticinou que ela morreria antes de completar setenta e oito ...