Parte da minha pequena biblioteca é
dedicada aos escritores locais, e quando digo ‘locais’ isto inclui os de outras
cidades ou estados, desde que sejam meus amigos, irmãos, netos, etc. Esses
escritores estão próximos demais para que eu os imagine como super-heróis ou de
uma inteligência inalcançável. São, também, humanos demais, eu os vejo de
tempos em tempos, e isso os torna reais demais para que eu os imagine como
sobrenaturais, dotados de poderes divinos ou donos de uma cultura só acessível
aos deuses do olimpo.
Escritores assim costumam ser
relegados a um segundo plano quando pensamos em adquiri um bom livro para ler
ou até mesmo para deixar sobre a mesa da sala como propaganda de nossa cultura
inexistente. O imaginário popular parece considerar mais importante o que foi
escrito na Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Rússia ou em algum estado
brasileiro onde os famosos publicaram suas obras e a indústria fez o papel de
as divulgar e distribuir. Esse processo industrial é parecido com o que nos faz
comprar Bombril, Brahma, vinho do porto. As grandes editoras lançam e
comercializam poucos autores para faturar muito, é o mesmo processo dos
supermercados onde um pouco mais de uma dezena de conglomerados controlam o comércio
de quase todos os produtos, e nós na maioria da vezes, os preferimos aos dos micro
produtores locais.
É certo que às vezes, nós mesmos, os
escritores, decepcionamos o nosso público. Esquecemos que eles não têm nenhuma
obrigação de saber que o que estamos produzindo é diferente daquilo que eles
imaginam que vamos escrever, e eles não tem nenhuma obrigação de saber que nós
temos a liberdade de escrever sobre o que estamos pensando. Essa liberdade de
produzir um texto é para os deuses da literatura que estão escondidos atrás das
mídias, não para as pessoas reais que encontramos nas ruas e que nos
cumprimentam com um bom dia. Para eles temos que ser como Vinícius que bebia
cerveja no Bar Veloso, em Ipanema, no Rio de Janeiro, quando escreveu Garota de Ipanema vendo Helô Pinheiro
passar pela rua em direção à praia.
Todos que conheciam Vinícius
compravam seus livros porque sabiam que ele iria escrever poesias falando de
amor. As suas poesias e as suas crônicas estavam estampadas nos jornais. O que
publicam as mídias hoje? Fake News,
sensacionalismo, publicidade enganosa, notícias comerciais, matérias pagas,
jogos de azar e, de vez em quando, literatura! “Ah, mas eu vejo muita
literatura!” Sim, de autores estrangeiros ou nacionais vinculados a empresas de
marketing.
Escrevi esse texto porque estou
revoltado ou por que bebi muita cerveja? Às vezes quando tomo umas a mais os
pensamentos voam direto para o futuro ou para o passado ou ambos ao mesmo tempo
e eu fico sem controle. Me apaixono e desapaixono em uma fração de segundos.
Penso na vida e na morte e nos autores locais que se esforçam inutilmente por
vender suas obras e, por fim, faço planos de passar as férias de inverno na
praia com as minhas reticências.
Aproveito a deixa do autor deste
texto, que sou eu mesmo, para fazer a minha autocrítica. Mesmo tendo lido com
frequência os autores locais, que são meus amigos, quando faço referência a
algum autor em meus textos, tenho dado preferência aos ‘estrangeiros’. Mas,
agora, não tenho outra opção que não seja confessar: Dourados tem grandes
escritores. A começar pelo Nicanor Coelho, que pessoalmente eu não gostava, mas
‘Vida Cachoeirinha’ é uma obra a ser
lida! As poesias da Heleninha de Oliveira, da Odila Lange e do Marcos Coelho,
só para citar alguns, não podem passar em branco. Em junho tem a quinta FELIT-
Feira da Literatura de Dourados e umas dezenas de autores locais estarão por lá
para provar que nossa literatura é tão ou mais agradável que os produtos
industrializados pelas grandes editoras.
Eu fico feliz que o computador tem um
ícone que salva o que já se escreveu, assim eu posso deixar para continuar o
texto amanhã. Agora estou tomado por muitas reticências, meus pensamentos estão
em Bombinhas e eu vou abrir mais uma cerveja.